PRONTUÁRiO
TESTEMUNHOS
O
melodrama
humanista
- para usarmos a definição de um dos maiores actores clássicos,
Spencer Tracy, que tão bem o assumiu e simbolizou - é uma das
vertentes essenciais do cinema americano, sob o signo de Hollywood.
E, ciclicamente, voltam a percorrê-la realizadores de prestígio
firmado, como Mimi Leder - uma das raras mulheres com tal estatuto, e
favorita do produtor Steven Spielberg - com Favores
Em Cadeia
(2000),
partindo de um romance de Catherine Ryan Hyde, adaptado por Leslie
Dixon. Em causa, está uma leitura
reformista,
simbólica, impregnada pelos valores éticos e testemunhadores, a
sublimar em tempos de crise - numa sociedade insolidária, com o
desmoronamento da família, a rotura entre gerações, a
incomunicabilidade pessoal. Mas numa abordagem contemporânea, em que
a expectativa intimista substituísse a fantasia convencional,
deixando patente a relação masculino/feminino, que Mimi Leder, de
um modo subtil, reverte e desmitifica, quanto às respectivas
correspondências sexuais. Eis um olhar inquieto, de múltiplas
arestas e facetas… IMAG.728
PARLATÓRiO
Estou
cansado e, às vezes, deprimido com as políticas miseráveis deste
país… Os últimos dez ou doze anos da minha vida, passaram-se
entre os especuladores sórdidos nos Estados Unidos e os aventureiros
políticos em Espanha, tendo-me mostrado, tanto, o lado escuro da
natureza humana, que eu começo a ter dúvidas dolorosas sobre o meu
próximo; e a olhar para trás, com tristeza, para o período
confiante da minha carreira literária, quando, pobre como um rato,
mas rico em sonhos, via o mundo através da minha imaginação, e era
capaz de acreditar que os homens eram tão bons quanto eu desejava
que eles fossem…
Washington
Irving
Se
algum dia alguém me perguntasse que aprendizagem deveria um jovem
fazer para chegar a romancista, se o ofício se ensinasse, eu diria
que enquanto a vida lhe não desse todas as voltas e reviravoltas,
amores, sofrimentos, repúdios, sonhos, frustrações, equívocos,
etc., etc., seria avisado que o mandasse ensinar a sapateiro, não
para saber deitar tombas e meias solas, porque nem para tanto ele
usufruirá, às vezes, com a escrita, mas para que ganhasse o hábito
de padecer bem, amarrado ao assunto durante largos anos, antes que
provasse o paladar gostoso de algumas horas de pleno prazer.
Alves
Redol
VISTORiA
Vou
de Suspiros
Vou
de suspiros todo est’ar enchendo,
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.
E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vós m’estais chamando,
as altas serras em qu’os vou quebrando
da vista me tolher s’estão doendo.
Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
‘té me levar consigo onde desejo.
E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.
E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vós m’estais chamando,
as altas serras em qu’os vou quebrando
da vista me tolher s’estão doendo.
Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
‘té me levar consigo onde desejo.
E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.
António
Ferreira
-
Poemas Lusitanos
CALENDÁRiO
17MAI-15SET2018
- Em Lisboa, Arquivo Fotográfico Municipal expõe Fotografias
de Trabalho. E Outros Desenhos
de Carlos Nogueira.
20MAI-2SET2018 - Em Vila Real, Museu da Vila Velha apresenta Exposição Cancelada de João Dixo (1941-2012), sendo curadora Paula Pinto. IMAG.420
COMENTÁRiO
Gaibéus,
1940
Gaibéus
tem a sua história. Banal talvez, às vezes ingénua, noutras sábia
ou astuta, mais do que tudo dramática. Gaibéus
nasceu quando muitos morriam por nós. Não o esqueçamos.
Seria
absurdo, mesmo num mundo paradoxal, olvidar o que a esses devemos.
Impõe-se recordar certas datas: em Março de 1938 as tropas
hitlerianas entravam na Áustria; em Setembro ocupavam o território
dos Sudetas e conseguiam a paralisia estratégica da Checoeslováquia;
em Março de 1939, ainda sem combate, o nazismo ocupava o resto
daquele país; em 1 de Setembro de 1939 penetrava na Polónia.
Seguiu-se a segunda grande guerra, que deixou o rasto do seu
apocalipse: 55 milhões de mortos e 5 milhões de desaparecidos.
Pressentiram-na
desde 1936 muitos homens desse tempo. Eu estava com eles. Gaibéus
germinou nessa época e foi consciência alertada antes de ser
romance. Quem o ler, portanto, deve ligá-lo às coordenadas da
história de então. Só dessa forma saberá lê-lo na íntegra.
Este
romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer
ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo.
Depois disso, será o que os outros entenderem.
Alves
Redol
(1965)
MEMÓRiA
24NOV1929-2011
- Carlo Peroni, aliás Perogatt: Ilustrador e animador italiano,
co-criador de Calimero
(1963) - «Em Itália, a banda desenhada ainda é considerada um
produto de segunda categoria, para crianças, enquanto noutros países
goza de uma justa consideração, e os leitores são em geral mais
velhos. Entre nós, os quadradinhos destinam-se aos rapazes, os
adultos envergonham-se de os adquirir. Para mim, e desde que tenham
qualidade, podem agradar a toda a gente» (2009 - a Piero Tonin).
IMAG.389
1783-26NOV1859
- Dietrich Knickerbocker, ou Jonathan Oldstyle, ou Geoffrey Crayon,
aliás Washington Irving: Escritor americano, autor de A
Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça -
«Uma língua afiada é a única ferramenta que fica ainda mais
cortante pelo uso continuado». IMAG.240-413-674
26NOV1909-1994
- Eugen Ionescu, aliás Eugène Ionesco: Dramaturgo francês, de
origem romena, autor maior do teatro
do absurdo - «Não há
religião para a qual a vida de todos os dias não seja considerada
uma prisão; e não existe filosofia ou ideologia em que não
transpareça que vivemos em alienação. Um homem com alma não é
como os outros homens… Pela minha parte, sempre desconfiei das
verdades colectivas». IMAG.252-460
26NOV1919-2013
- Frederik George Pohl Jr, aliás Frederik Pohl: Escritor e editor
americano, mestre de ficção científica, autor de Ultimato
à Terra - «Eis o meu
objectivo: reestruturar o mundo em que vivemos, e depois ficar à
espera do que acontece». IMAG.481
1911-28NOV1969
- José María Arguedas Altamirano, aliás José Maria Arguedas:
Escritor e antropólogo peruano - «Illa
denomina certa espécie de luz e os monstros que nasceram feridos
pelos raios da lua. Illa
é um menino de duas cabeças ou um bezerro que nasce decapitado; ou
um penhasco gigantesco, todo negro e luzidio, cuja superfície é
atravessada por um largo veio de rocha branca, de opaca luz; é
também illa
uma maçaroca cujas fileiras de milho se entrecruzam ou formam
remoinhos; são illa
os touros míticos que habitam no fundo dos lagos solitários, das
altas lagoas rodeadas de espadana, povoadas de patos negros. Todos os
illa
causam o bem ou o mal, mas sempre no grau supremo.» (Os
Rios Profundos).
1528-29NOV1569
- António Ferreira: Escritor português, poeta e dramaturgo - «Não
cabe em mim tal bem-aventurança. / É pouco uma alma só, pouco uma
vida, / Quem tivesse que dar mais a tal fogo! // Contente a alma dos
olhos água lança / Pelo em si mais deter, mas é vencida / Do doce
ardor, que não obedece a rogo.» (Poemas
Lusitanos). IMAG.187-244
1911-29NOV1969
- António Alves Redol: Escritor português - Um autor «nasce
todos os dias, insubmisso e firme, tanto para detectar injustiças,
qualquer que seja a sociedade onde viva, como para repudiar o próprio
ripanço que se apodera de alguns».
IMAG.107-256-347-352-500-610
VISTORiA
A
Cantora Careca
CENA
I
(Interior
burguês de uma casa inglesa, com poltronas inglesas. Tarde inglesa.
O Sr. Smith, inglês, sentado na poltrona com chinelos ingleses, fuma
o seu cachimbo inglês, lendo um jornal inglês, perto da lareira
inglesa. Usa óculos ingleses e um pequeno bigode esbranquiçado
inglês. Ao seu lado, numa outra poltrona inglesa, a Sra. Smith,
inglesa, remenda meias inglesas. Um longo momento de silêncio
inglês. O relógio inglês dá dezassete badaladas inglesas).
SRA.
SMITH: Veja, são nove horas. Tomamos sopa, comemos peixe, batatas
com toucinho e salada inglesa. As crianças beberam água inglesa.
Comemos bem esta noite. É porque moramos nos arredores de Londres e
o nosso nome é Smith.
SR.
SMITH (continua a ler, estala
a língua)
SRA.
SMITH: As batatas vão muito bem com toucinho e o azeite da salada
não estava rançoso. O azeite do vendeiro da esquina é de melhor
qualidade que o azeite do vendeiro da frente; é até melhor que o
azeite do vendeiro da esquina de baixo. Mas isso não quer dizer que
para eles o azeite seja ruim.
SR.
SMITH (continua a ler, estala
a língua)
SRA.
SMITH: Mas, mesmo assim, o azeite do vendeiro da esquina é sempre
melhor.
SR.
SMITH (continua a ler, estala
a língua)
SRA.
SMITH: Mary, desta vez, cozinhou bem as batatas. Da última vez, ela
não as deixou cozinhar devidamente. Eu só gosto de batatas quando
elas estão bem cozidas.
SR.
SMITH (continua a ler, estala
a língua)
SRA.
SMITH: O peixe estava fresco. Eu lambi os beiços. Repeti duas vezes.
Não, três vezes. Por causa disso precisei ir à casa de banho. Você
também repetiu três vezes. Só que da última vez, comeu menos que
das duas primeiras vezes, enquanto eu comi muito mais. Comi mais que
você esta noite. Por que será? Geralmente é você que come mais.
Não é por falta de apetite.
Eugène
Ionesco
(excerto)
BREVIÁRiO
E-Primatur
edita Ivanhoe de
Walter Scott (1771-1832); tradução de António Vivalma e Helder
Guégués. IMAG.24-270-334-387
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