segunda-feira, fevereiro 25, 2019

IMAGINÁRIO-Extra: GERALDES LINO [1936-2019], Até Sempre

No seu cartão de visita apresenta-se como «militante da bd e dos fanzines» e, de facto, Geraldes Lino é, desde criança, um apaixonado da banda desenhada. Não é de estranhar, visto que ele e a revista infanto-juvenil O Mosquito nasceram ambos em Janeiro de 1936, e ela foi a sua primeira leitura logo aos sete anos, porque aprendera a ler aos seis. Foi assim que se tornou um leitor fascinado de histórias aos quadradinhos nas várias revistas da especialidade que foram surgindo em Lisboa, sua terra natal.

Em 1972, na mesma cidade, um grupo de alunos do Liceu Gil Vicente editou o
Argon, pioneiro na área dos fanzines, e aí se iniciou a outra sua paixão, que o levaria a coleccioná-los e a editá-los.
Foi sócio fundador do Clube Português de Banda Desenhada em 1976, e fundou sozinho a Tertúlia BD de Lisboa em 1985.
Colaborou com textos em várias revistas de BD (desde o Mundo de Aventuras até Selecções BD) e jornais (Diário Popular, JL - Jornal de Letras Artes e Ideias, entre vários outros), e foi comissário de algumas exposições (Novos da BD, Lisboa na BD, 2ª Guerra Mundial na BD, etc.).

Há anos que é
blogger nos blogues Divulgando Banda Desenhada (desde 2005) e Sítio dos Fanzines de Banda Desenhada (desde 2001).    

Geraldes Lino
- Síntese Autobiográfica Na 3ª Pessoa (2017)
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sexta-feira, fevereiro 22, 2019

IMAGINÁRiO #758

José de Matos-Cruz | 08 Junho 2020 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

DILEMAS
Pola X (1999) perturbou a crítica e o público, no Festival de Cannes. Em causa está um criador que gosta de contaminar o vício de um olhar mitificador, com o vírus da cegueira nas relações. Leos Carax foi muito apreciado com Má Raça (1986), pelo fascínio entre a ilusão e a erosão. Aspecto fundamental, atendendo aos pretexto ficcionais que emanam de Pola X, e em que se dissipam os jovens protagonistas… Um escritor embrionário que partilha com a mãe um tranquilo castelo na Normandia, Pierre prepara-se para formalizar com a noiva a data do casamento. Porém, no mesmo dia encontra a estranha Isabelle, sua suposta irmã e cuja insinuante pronúncia (do Leste?) subverterá a sedução pelos estímulos da culpa ancestral. O dilema excepcional da verdade que fractura Pola X, sob um auge de catástrofe dilacerante, precipita-se decisivo e ambíguo: a angústia para Pierre não é uma questão de vínculo, origem ou talento, mas a sua consciência assombrada. E arrostá-la-á até Paris por uma provação limite, existencial, qual estigma de incesto ou refúgio da paixão, talvez buscando uma autenticidade perdida, ou nunca assumida - entre a vertigem e o naufrágio, eis a carisma de Guillaume Depardieu. A atmosfera romanesca (avassalada pela música de Scott Walker) jamais é explícita ou realista - reflectindo um universo, pois, tão radical como peculiar.

CALENDÁRiO

09OUT-10NOV2018 - Em Coimbra, Casa Municipal da Cultura apresenta Trabalho | Colecção Encontros de Fotografia - com obras de António Júlio Duarte, Augusto Brázio, Filipa César, Inês Gonçalves, Paulo Catrica e Pedro Letria, sendo curador Albano Silva Pereira.

18OUT2018-13JAN2019 - Em Lisboa, Atelier-Museu Júlio Pomar apresenta O Material Não Aguenta - diálogo artístico entre Júlio Pomar (1926-2018) e Luísa Cunha, sendo curadora Sara Antónia Matos.  
IMAG.19-312-449-495-505-534-552-553-562-582-596-604-610-620-631-635-646-652-676-710-715-731-734

20OUT2018-06JAN2018 - Em Lisboa, Culturgest apresenta El Jardín de los Senderos Que Se Bifurcan - exposição de pintura de Juan Araujo (Venezuela), sendo curador Delfim Sardo.

25OUT2018-11JAN2019 - Em Évora, Galeria da Casa de Burgos apresenta Caligrafias - exposição de fotografia de Santiago Macias.

08NOV2018-21ABR2019 - Em Lisboa, Museu do Oriente expõe Três Embaixadas Europeias à China, sendo comissário Jorge dos Santos Alves.

22NOV2018-14JAN2019 - Em Lisboa, Museu do Oriente apresenta Purity, Purification - exposição de Arte Contemporânea Chinesa, sendo curadora Liu Chunfeng.

VISTORiA

Estival

A imensa praia. O sol rubro, preciso.
E o mar de sempre, impetuoso e vário.
Meu corpo nu, aberto no solário,
Sorve o final do dia, lento e liso.

Estio é estar assim, sem pensamento;
Sentir apenas, sobre a pele doirada,
A saliva do mar, fria e salgada,
E o arrepio cálido do vento.

Nada mais. Quando muito, um vago olhar,
Um vulto jovem, ágil, que se afasta,
Diluído na luz crepuscular.

E só porque o seu ritmo contrasta
Com a serena vibração do ar
E a paz da minha carne gorda e gasta.
António Manuel Couto Viana
- Voo Doméstico
VISTORiA
Verdes São os Campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Luiz de Camões

O céu estava sombrio – céu de Dezembro – e o pavimento das ruas desaparecia sob a neve, neve de Londres, meio derretida e lamacenta. Nunca se me varrera da memória a recordação dessa neve, apesar de terem passado quinze anos desde a última vez que vira a sua triste cor.
Ali a tinha, diante de mim, com os mesmos sulcos e ocultando os mesmos perigos para os transeuntes. Havia apenas uma hora que eu tinha chegado da América do Sul a bordo do vapor-correio de Southampton, e ora estava encostado à janela do meu quarto no Hotel Morley, Charing Cross, contemplando com ar sombrio os jogos de água da Praça de Trafalgar, ora passeava agitadamente de um extremo ao outro do aposento, fazendo esforços para me distrair e pensando que não era um vagabundo desterrado, mas um homem que regressava ao seu país.
Aproximei a cadeira da chaminé e, enquanto atiçava o lume, evoquei através da chama o quadro da minha vida passada. Recordei-me da infância que tornou extremamente desgraçada a dependência de um tio velho e rico que me olhava como a um obstáculo, porque não acreditava que eu viesse um dia a honrar o seu nome e os seus benefícios. Esta excelente pessoa tinha quase tanto de avaro como de vaidoso.
Charles Dickens
- A Órfã

Se por ora não aparecem em maior número escritoras dignas da pública atenção, deve isso atribuir-se a uma educação acanhada, que no Brasil reduzia uma Senhora à curta esfera do manejo doméstico, como se as belas-letras fossem vedadas ao seu sexo.
Mas a civilização vai já fazendo desaparecer esses prejuízos.
Januário da Cunha Barbosa
- Parnazo Brasileiro

ANTIQUÁRiO

08JUN1940 - Iniciativa do professor Bissaya Barreto (1886-1974), é inaugurado em Coimbra o Portugal dos Pequenitos; projecto do arquitecto Cassiano Branco (1897-1970), reproduz - em escala reduzida - o património cultural e edificado português, tanto no país como no mundo. IMAG.142-272-299-447-622-634-752

MEMÓRiA

08JUN1810-1856 - Robert Alexander Schumann: Compositor e pianista alemão - «Sendo uma arte, a música é a linguagem que me permite comunicar com o além».
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1923-08JUN2010 - António Manuel Couto Viana: Ficcionista, poeta, ensaísta, actor, dramaturgo, encenador e figurinista, autor de contos infantis e argumentista de histórias em quadradinhos - «E, agora, o que faremos? / A quem legar o que resta / Do simulacro de festa / Que tivemos? // Quem aproveita os detritos / De uma alegria forçada? / Quem confunde aflitos gritos / Com imposta gargalhada? // Iremos por onde alguém / Descubra os nossos farrapos. / Vês flores no jardim de além? / – Vejo sapos.» (Despojo). IMAG.107-308-332-403-431

1812-09JUN1870 - Charles John Huffam Dickens, aliás Charles Dickens: Escritor inglês, crítico social - «Cada fracasso ensina aos homens algo que necessitavam aprender… Aquele que alivia o fardo do mundo em relação aos outros, não é inútil quanto à sua existência sobre a Terra».  
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1524-10JUN1580 - Luiz Vaz de Camões, aliás Luiz de Camões: Ficcionista e poeta português - «Enquanto quis Fortuna que tivesse / Esperança de algum contentamento, / O gosto de um suave pensamento / Me fez que seus efeitos escrevesse. // Porém, temendo Amor que aviso desse / Minha escritura a algum juízo isento, / Escureceu-me o engenho co’o tormento, / Para que seus enganos não dissesse. // Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos / A diversas vontades! Quando lerdes / Num breve livro casos tão diversos, // Verdades puras são e não defeitos; / E sabei que, segundo o amor tiverdes, / Tereis o entendimento de meus versos.».
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10JUN1780-1846 - Januário da Cunha Barbosa: Poeta, historiador e biógrafo brasileiro - «N(o contexto d)a boa sociedade imperial, composta por uma elite imperial definida pela intersecção entre poder económico, político e intelectual, desempenharia um papel fundamental na formação da nacionalidade brasileira» (Lia Ramos Jordão). IMAG.551

1893-15JUN1970 - José Sobral de Almada Negreiros: Escritor e artista plástico português, ligado ao modernismo - «O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades!» (Textos de Intervenção).  
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BREVIÁRiO

Cavalo de Ferro edita A Língua Resgatada de Elias Canetti (1905-1994); tradução de Maria Hermínia Brandão. IMAG.388-478-524-736

Warner edita em CD, Camané Canta [Alfredo] Marceneiro (1891-1982) por Camané. IMAG.166-175-261-314-317-334-371-376-390-537

Dom Quixote edita Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água de António Lobo Antunes. IMAG.136-438-460-609-633-690
 

terça-feira, fevereiro 12, 2019

IMAGINÁRiO #757

José de Matos-Cruz | 01 Junho 2020 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004
 
PRONTUÁRiO

DESAFIOS
É um espectáculo? É um desporto? É o futebol! Só um tal fenómeno poderia atrair milhares de fanáticos ao estádio, deixando muitos outros milhões em casa, a sofrer diante da televisão. Afinal, foi penalti, ou não? Bolas, o árbitro prejudicou-nos - mas, mesmo assim, a nossa equipa está a ganhar… Muitas destas emoções e experiências ressaltam na série Os Campeões (2000) por Gurcan Gürsel. Não será tão impressionante como um jogo ao vivo, mas surge em álbuns rectangulares, como um campo relvado - e, além do verde, que também é esperança, aparecem muitas outras cores como o azul do sonho e o vermelho da raiva. A sério, nada disto são insinuações ao Sporting, ao Porto ou ao Benfica! Mas, a brincar, muitas das peripécias que têm envolvido estas equipas, e tantas outras que enchem as parangonas dos jornais especializados, ou são o motivo de conversa às segundas-feiras, ressaltam aqui ilustradas, estilizadas, quase sem palavras e com muitos esgares, entre as façanhas individuais e a caricatura colectiva. Se a melhor defesa é o ataque, e preferível o apito ficar no bolso, evitando ser engolido, não há nada mais bonito do que um golo - mesmo que seja apenas em banda desenhada, e sem culpa para o guarda-redes…

CALENDÁRiO

21SET-16NOV2018 - Em Lisboa, Galeria Cristina Guerra apresenta What Do They Feel? - exposição de artes plásticas de Matt Mullican (EUA).

11OUT2018-13JAN2019 - Em Lisboa, Galeria Quadrum apresenta Vaivém - exposição de pintura de Bruno Pacheco, sendo curador Bruno Marchand. IMAG.611

1937-14OUT2018 - Eduardo Arroyo Rodríguez, aliás Eduardo Arroyo: Artista plástico / gráfico espanhol, pintor, escultor, ilustrador, cenógrafo e cronista - «Realizou uma interpretação muito pessoal dos preceitos definidos na União Soviética para a arte realista, reflexão que partilhava com os seus colegas do movimento da Figuração Narrativa» (Luísa Soares de Oliveira).

18OUT2018 - NOS Audiovisuais estreia Pedro e Inês (2018) de António Ferreira; sobre A Trança de Inês de Rosa Lobato de Faria (1932-2010), com Joana de Verona e Diogo Amaral. IMAG.273-326

20OUT2018-06JAN2019 - Em Lisboa, Culturgest expõe As Raízes Também Se Criam No Betão - múltiplo olhar sobre a arquitectura moderna africana por Kader Attia (França / Argélia), com organização original de Mac Val.

26OUT2018-04FEV2019 - Em Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian expõe Pose e Variações - Escultura Em Paris No Tempo de Rodin, sendo curadores Luísa Sampaio e Rune Frederiksen.

VISTORiA

Saudade do Teu Corpo

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»

É o teu corpo em sombra esta saudade...
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo!
António Patrício
MEMÓRiA

1825-01JUN1890 - Camilo Castelo Branco: Ficcionista e poeta português - «O amor, que vem procurado como sensação necessária à felicidade da vida, perde dois terços da sua embriagante doçura; porém, o amor inesperado, impetuoso e fulminante, esse é um abrir-se o céu a verter no peito do homem todas as delícias puras que não correm perigos de empestarem-se em contacto com as da terra».
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1933-01JUN2010 - Andrei Andreyevich Voznesensky, aliás Andrei Voznesensky: Poeta russo, contestatário - «O destino está acima de mim. Por que deveria arrastar-me? / Dormindo em abrigos, um pária, eu vago. / A dor é um sótão, aberto em cada casa velha. / Por baixo de mim, há uma vala, sobre mim paira o destino.» (Destino). IMAG.255-307-418

02JUN1740-1814 - Donatien Alphonse François de Sade, aliás Marquês de Sade: Aristocrata e escritor francês - «E venham dizer-nos, agora, que não é necessário instruir as moças quanto às obrigações que, um dia, terão para com seus maridos!». IMAG.150-208-279-493

1943-03JUN2010 - João Casimiro de Aguiar, aliás João Aguiar: Escritor português - «Quem tem um trabalho criativo, tanto o autor como o actor, tem de entrar na personagem e ficar ligeiramente de fora, o que implica uma certa dose de esquizofrenia». IMAG.235-307-440

1878-04JUN1930 - António Pires Patrício, aliás António Patrício: Escritor e diplomata português - «Viver é só sentir como a Morte caminha / E como a Vida a quer e como a vida a chama… / Viver, minha princesa pobrezinha, / É esta morte triste de quem ama…». IMAG.172-277-488-592-650

1862-05JUN1910 - William Sydney Porter, aliás O. Henry: Ficcionista americano - «O senhor João Cão Grande, empoleirado no carvão, perdeu e vasa pelo processo involuntário de imitar perfeitamente um alvo. O guarda caçou-o. Com uma bala exactamente entre as espáduas, o cavalheiro de cor e indústria caiu para o chão, aumentando assim automaticamente em um sexto o quinhão de cada um dos camaradas.» (A Teoria e o Cão - Os Caminhos Que Tomamos). IMAG.15

06JUN1950-2015 - Chantal Anne Akerman, aliás Chantal Akerman: Cineasta belga, realizadora, actriz e produtora - «Era impossível tomá-la como modelo, porque ela era única; era tudo, excepto alguém que se pudesse prender, ou definir» (Claire Denis). IMAG.588

1891-07JUN1980 - Henry Valentine Miller, aliás Henry Miller: Escritor americano - «A melhor maneira de matar um artista é dar-lhe tudo o que ele precisa».
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VISTORiA

Não há mais livros a escrever, graças a Deus. E isto, então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de carácter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cuspidela na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza… e do que mais quiserem. Vou cantar para ti, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto tu coaxas, dançarei sobre o teu cadáver sujo… Para cantar, é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música.
Henry Miller
- Trópico de Câncer

Não é de ânimo leve que um homem, mesmo corajoso, se acerca de uma necrópole durante a noite, pois nunca se sabe que espíritos ou entidades errantes poderão andar em tais lugares. No entanto, decidi arriscar um encontro com os mortos porque os vivos, naquela altura, podiam ser mais perigosos; a praia que fica próxima da velha necrópole cartaginesa de Gadir era um lugar abrigado e solitário onde seria possível aguardar o embarque em segurança.
Bem abafados contra o ar nocturno, esperámos sentados na areia fria. O mar ali é sempre sereno e o barulho das ondas reduzia-se a um chapinhar surdo, mas o ar estava cheio de murmúrios. Mantivemo-nos calados para não atrair a atenção dos defuntos.
Finalmente, ouvimos o ruído de remos ferindo a água e uma pequena embarcação tornou-se visível e aproximou-se até encalhar quase silenciosamente. Fui ao encontro do seu único tripulante, que me olhou com atenção, como para ter a certeza de que eu era um ser de carne e osso, e pronunciou a senha combinada: «Eunois».
João Aguiar 
- A Voz dos Deuses
COROLÁRiO

Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras do coração e da vida, é grato sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.
Camilo Castelo Branco

COMENTÁRiO

António Patrício
Foi António Patrício o que, estando mais longe da realidade, nos pôde legar a possibilidade de uma rápida visão de conjunto da sua obra, virtude também, da sua unidade intrínseca. E eu creio que não foi indiferente a este facto a circunstância puramente fortuita de ter passado a maior parte da sua vida de escritor no estrangeiro, inacessível portanto às familiaridades que diminuem ou à facilidade nos contactos sociais que não são, em Portugal, como se sabe, elemento de convívio e de interconhecimento fecundo.
Luiz Forjaz Trigueiros

BREVIÁRiO

Âncora Editora lança Nascida das Águas e o 16 de Março de 1974 e A Ilha do Corvo Que Venceu os Piratas, álbuns em quadradinhos de José Ruy.
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segunda-feira, fevereiro 11, 2019

IMAGINÁRiO-Extra: Até sempre, ZÉ MANEL

A carreira artística de Zé Manel (José Manuel Domingues Alves Mendes, 1944-2019) manifestou-se em múltiplas vertentes – autor de banda desenhada e cartunista, designer e cenógrafo, criador de vitrais – mas é como ilustrador que acentuo as minhas referências pessoais de estima e admiração. Pelo homem afável e discreto. Pelo criador versátil e aliciante.

Ao desenvolver a saga d’
O Infante Portugal, tive o privilégio de contar com as suas visões sobre o protagonista e a personagem essencial de Oktobraia, aliás Plevna Kostoglotov. Recordo que aceitou de imediato o meu desafio, solicitando apenas uma breve caracterização. E fiquei surpreendido ante a plena sugestão de tais imagens, pela composição fascinante e estilizada.

Do extenso labor para jornais e revistas, Zé Manel colheu a leveza do traço. Nas subtilezas do ideário infantil, sublimou o encanto gráfico. Virtualidades que transferiu para as histórias em quadradinhos. O contexto satírico. A ênfase sensual. Fulgor estético. Figuras esbeltas. O elã e a elegância de um talento experiente, multifacetado, entre os contrastes de humor e erotismo.

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segunda-feira, fevereiro 04, 2019

IMAGINÁRiO #756

José de Matos-Cruz | 24 Maio 2020 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

SORTILÉGIOS
A carreira de Don Bluth, como herdeiro e dissidente da companhia Walt Disney na animação, culminaria em Titan - Depois da Destruição da Terra (2000), sempre aliado a Gary Goldman. Conjugou-se assim o investimento comercial, com uma reciclagem do material clássico - em que o processo tecnológico, ou as actuais potencialidades artísticas, reinstalassem o sortilégio e o fascínio populares. Bluth & Goldman propõem uma técnica de animação mista, entre duas e três dimensões, fundindo o universo gráfico com a textura digital. O resultado é um imaginário denso e dinâmico…
Eis o ano de 3028, quando a humanidade atingiu as galáxias, mantendo porém o coração na Terra. Ora, quando o planeta-mãe é instantaneamente destruído pelos Drej, uma raça invejosa e predadora, alguns sobreviventes escapam na gigantesca nave Titan, com destino desconhecido. Cale, o filho do cientista que a concebeu, tem na sua mão o código genético para a localizar, mantendo em si a esperança. A Titan preserva segredos que poderão recriar a Terra. Ante um desafio de ressurreição, aliado à bela Akima e ao comandante Corso, a bordo da Valkyrie, Cale assumirá a própria identidade original - em reconciliação com o pai, por quem se julgara abandonado. IMAG.175-506-619

CALENDÁRiO

1933-06OUT2018 - María de Montserrat Bibiana Concepción Caballé i Folch, aliás Montserrat Caballé: Cantora lírica espanhola - «As suas voz e doçura estarão sempre connosco» (Pedro Sánchez).

1943-07OUT2018 - Maria Ema Mendes de Campos, aliás Mariema: Cantora e actriz portuguesa, de teatro, televisão e cinema, intérprete de O Fado Mora Em Lisboa (1965) - «Tinha uma maneira de representar que era diferente, muito aberta, sempre muito risonha e quase chaplinesca» (Vítor Pavão dos Santos).

11OUT2018 - Midas Filmes estreia 9 Dedos / 9 Doigts (2017) de F.J. Ossang; coprodução de O Som e a Fúria, com Diogo Dória e Paul Hamy. IMAG.284

11OUT2018 - Cinemundo estreia Fátima: O Derradeiro Mistério / Fátima, el Ultimo Misterio (2017) de Andrés Garrigó; com Fran Calvo e Eva Higueras González.

11OUT2018 - Leopardo Filmes coproduziu, e estreia O Caderno Negro (2018) de Valeria Sarmiento; sobre Livro Negro de Padre Dinis de Camilo Castelo Branco (1825-1890), com Lou de Laâge e Victoria Guerra. IMAG.357-430

20OUT2018-03MAR2019 - Em Vila Franca de Xira, Museu do Neo-Realismo apresenta a exposição de pintura Candido Portinari [1903-1962 - Brasil] Em Portugal, sendo curadoras Raquel Henriques da Silva e Luísa Duarte Santos. IMAG.79-553-689

VISTORiA
Felicidade Impossível

Felicidade impossível disse a lua afinando a sua guitarra

Meu coração está sempre não no lugar certo

Simplesmente não esperava ver a mesma
horrível e infestada condição no
lado exactamente oposto no corpo dela –
Estava agora mais surpreso e
atónito – e agora Olhava
dentro dos olhos dela & ela tinha
olhos calmos de um profundo oliva pacíficos dóceis tristes
olhos que me pareciam dizer
estou bem – é gentileza sua
ter trazido comida para mim
e quero agradecer
mas não sei a sua Língua
então digo silenciosamente com meus olhos
Peter Orlovsky

VISTORiA

Não sei se foi o Adolfo Casais Monteiro que um dia, na aula de Português, me pediu para explicar um trecho dos Lusíadas depois de ter lido o meu exercício sobre o assassínio de Inês de Castro… Passados poucos meses, a liberdade mental de Adolfo Casais Monteiro meteu-o na cadeia. Apareceu, então, como professor de Português o animal que regia Latim e que a meu respeito tinha a mais fraca das opiniões.
Ruben A.
- O Mundo à Minha Procura (1968 - excerto)
TRAJECTÓRiA

Ruben A. Leitão
Ficcionista e ensaísta português, Ruben Alfredo Andresen Leitão nasceu a 26 de maio de 1920, em Lisboa, e morreu a 26 de setembro de 1975, em Londres. Formado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, foi docente na área da Língua e Cultura Portuguesas na Universidade de Londres (1947-1952), tendo sido convidado para desenvolver atividade docente na Universidade de Oxford alguns meses antes da sua morte. Entre 1954 e 1972, foi funcionário da Embaixada do Brasil em Lisboa. Estudioso de D. Pedro V, tendo procedido à edição de documentos de governação e correspondência inédita do monarca, foi ainda autor de vários verbetes no Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão. Integrou, em 1972, o Conselho de Administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, no domínio da qual foi responsável por uma importante atividade de edição. Colaborou com algumas publicações periódicas, tendo, por exemplo, redigido inúmeras recensões críticas na secção de Livros Escolhidos no Diário Popular, entre 1963 e 1974. Estreou-se, em 1949, com Páginas, uma obra híbrida, misto de diário e de ficção, cujo sexto volume seria editado em 1970. Chocando pela mordacidade, pela irreverência linguística e pela desconstrução dos eixos narrativos tradicionais, estreara-se, entretanto, na novelística com o romance Caranguejo, publicado em 1954, a que se seguiria, em 1965, um dos seus maiores sucessos, A Torre da Barbela (prémio Ricardo Malheiros), obra que sobrepõe, num delírio verbal apostado na caricatura da psicologia portuguesa, várias épocas da História da nacionalidade. A segunda metade da década de 60 será marcada pela publicação dos três volumes autobiográficos: O Mundo à Minha Procura. Em 1973, publicou a sua última obra, a novela Silêncio para 4, deixando inédito o romance de inspiração histórica Kaos. A obra vasta de Ruben A. incide particularmente sobre dois tipos de registos literários: a ficção autobiográfica e a ficção histórica. Num longo itinerário de conhecimento da existência através do ato de escrita, seja no registo diarístico, seja ficcional, seja histórico, Ruben A. é um dos autores que, partindo da fratura da identidade operada por Fernando Pessoa ou por Mário de Sá-Carneiro, mais recorrentemente problematizam o desdobramento do eu, numa reflexão que culminaria com obras como O Outro que Era Eu, uma introspeção sobre o «processo de desintegração do eu abandonado à sensação de “embarcar no Outro”, até ao acontecimento insólito de “integração total de um ser em outro” enquanto sinónimo de uma nova era». Este projeto de busca de si mesmo alcança, em obras como A Torre da Barbela e Kaos, uma dimensão de busca da identidade coletiva que, pela subversão cronológica, se posiciona como crítica irónica e surrealizante a uma certa forma de ser português. Pouco conhecido como autor dramático, Ruben A. é autor de uma peça em dois atos, Júlia, publicada em 1963, onde, segundo Luiz Francisco Rebello (cf. 100 Anos de Teatro Português (1880-1980), Porto, ed. Brasília, 1984, p. 35), «é notória a influência do moderno teatro inglês em geral e de T. S. Eliot em particular», tendo ainda deixado alguns textos inéditos, como a peça em um ato Triálogo.

MEMÓRiA

24MAI1940-1996 - Iosif Aleksandrovich Brodsky, aliás Joseph Brodsky: Poeta russo, naturalizado americano, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1987) «pela genuinidade como autor, imbuída de um pensamento claro e de intensidade poética» - «Sou judeu - um poeta russo, e um ensaísta inglês». IMAG.276-548

25MAI1930-2016 - Sonia Flis, aliás Sonia Rykiel: Estilista e escritora francesa, pertencente ao movimento do prêt à porter  (a moda sem complexos, fabricada em série) - «Adoro tudo o que apimenta a vida - um bom Saint-Émilion, chocolate preto, homens». IMAG.637

26MAI1920-1975 - Ruben Alfredo Andresen Leitão, aliás Ruben A.: Escritor português, autor de D. Pedro V - Um Homem e Um Rei (1950) - «A História não pode idealizar figuras quando elas têm valor para transcender o ambiente literário - perde-se a lenda e fica o homem na mais pura concepção da actuação vivida.». IMAG.52-406-478-531

1782-27MAI1840 - Niccolò Paganini: Compositor e violinista italiano - «Isto é um homem! Isto é um violino! Isto é artista! Céus! Que sofrimentos, que miséria, que tortura nestas quatro cordas!» (Franz Liszt). IMAG.92-392-497

29MAI1880-1936 - Oswald Arnold Gottfried Spengler, aliás Oswald Spengler: Filósofo e historiador alemão, autor de A Decadência do Ocidente (1918) - «Eis o final da Democracia. No mundo das verdades, a prova decide tudo. No mundo das realidades, por sua vez, quem decide é o êxito. Pelo Dinheiro, a Democracia anula-se a si própria, depois de o dinheiro ter anulado o espírito.». IMAG.562

1936-29MAI2010 - Dennis Lee Hopper, aliás Dennis Hopper: Actor e cineasta americano - «Tinha eu dezoito anos, e julgava que era o melhor actor do mundo… Até que conheci James Dean. Antes, nunca tinha visto ninguém a improvisar. Nunca tinha visto alguém que fizesse coisas que não estavam no papel. Fiquei deslumbrado!». IMAG.127-250-257-305-564

1933-30MAI2010 - Peter Anton Orlovsky, aliás Peter Orlovsky: Poeta da beat generation, companheiro de Allen Ginsberg - «Um espírito original e requintado» (Gregory Corso - 1977). IMAG.306-426

BREVIÁRiO

Cavalo de Ferro edita A Revolta dos Anjos de Anatole France (1844-1924); tradução de Álvaro Salema. IMAG.306-463

Sibila Publicações edita Só Acontece aos Outros de Maria Antónia Palla.

Ponto de Fuga edita O Mundo É Redondo de Gertrude Stein (1874-1946); tradução de Luísa Costa Gomes, ilustrações de Rachel Caiano. IMAG.677