domingo, janeiro 22, 2017

IMAGINÁRiO EXTRA – BLAKE E MORTIMER e O TESTAMENTO DE WILLIAM S.

As Aventuras de Blake e Mortimer principiaram em 1946, com O Segredo do Espadão, logo patenteando a arte monumental de Edgar Pierre Jacobs (1904-1987). Em causa, a dualidade do Bem - simbolizada na instituição militar (o bravo Capitão Francis Blake, responsável pelo MI5, serviço de contra-espionagem britânico) e no poder da ciência (o Professor Philip Mortimer, um especialista em Física e Aeronáutica, com gosto pelos fenómenos bizarros); contra a perversão do Mal - concentrada num arqui-inimigo (o sinistro e volúvel Coronel Olrik). Um presente de ameaças, cumplicidades e perigos - virtualizado entre o passado e o fantástico, o futuro e a arqueologia…

Argumentistas/ilustradores, Bob de Moor, Jean Van Hamme, Ted Benoît, René Sterne, Chantal de Spiegeleer, Jean Dufaux, Antoine Aubin e Étienne Schréder asseguraram uma continuidade, como Yves Sente & André Juillard - que em O Testamento de William S., sempre sob chancela das Edições Asa, imaginam uma trama insinuante e enigmática sobre a verdadeira identidade de Shakespeare, e a autoria partilhada de uma obra cuja envergadura social e literária corresponde, ainda, à plena dimensão cultural e humanista. 
Hábeis a lidar com os mistérios e desafios que se repercutem entre o céu e a terra, tendo Londres como fulcro, Blake e Mortimer voltam aos cenários e às tradições de Inglaterra - privilegiando Itália, através da esplendorosa e decadente Veneza, como emanação inspiradora e aristocrática - e, afinal, acabam por protagonizar a sua intermitente coexistência, no universo contemporâneo da banda desenhada.

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sábado, janeiro 21, 2017

IMAGINÁRiO #646

José de Matos-Cruz | 8 Fevereiro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁR
iO

ALTERNIDADES

Algures no abismo mais profundo, no recôndito mais obscuro da alma humana, vacilam os valores, avassalam os desígnios, pelo confronto entre bem e mal. O que se tornar predominante - sob esta perspectiva original, em cada homem ou mulher - assim, também, determinará os heróis ou os perversos. Eis a dinâmica tradicional, romanesca, pela qual se forjaram os mitos e cresceram as lendas. Desde o século passado, com uma significativa exploração nas histórias em quadradinhos. Porém, os tempos actuais são de crise ritual, e o próprio imaginário aventuresco se debate para ressurreição de demónios e divindades. Inspirado numa realidade fantástica, de ocorrência aparentemente excepcional,
O Protegido/Unbreakable (2000) aborda uma tal transição fantasmagórica, no universo gráfico e lúdico, a qual se transfere fatalmente para a gente comum - quanto aos que protagonizam uma correlação de forças como essência radical, quanto à sua virtual vitimação. Desde sempre, Elijah Price - afectado por uma doença rara, em que os seus ossos quebram à mais leve pressão - viveu com esta maldição. Isolando-se dos outros meninos, fanático da bd, enfim colecionador / vendedor de ilustrações valiosas. E obcecado pelo drama dos seus azares e inibições, que deverão ter uma oposta alternativa pessoal: alguém que nunca tenha estado doente, com uma sorte incrível, um justiceiro potencial, sem mesmo se ter apercebido… Realizador, argumentista e produtor, M. Night Shyamalan consagra O Protegido pelas vertentes ética, ficcional e estética que na América, sob a feição clássica, forjaram o culto adolescente da banda desenhada, e celebraram o cinema como a sétima arte. IMAG.30-33-216


CALENDÁRiO

22SET2016-14JAN2017 - Em Lisboa, Galeria Ratton apresenta Calendário - exposição de pintura de Maria Beatriz. IMAG.81-642

14OUT-12NOV2016 - No Porto, Sismógrafo apresenta
Flor de Sal - exposição de fotografia Diana Carvalho, sendo curador Nuno Faria.

20OUT2016 - Museu de Évora expõe Marcas da Inquisição Em Évora: Acervos do Museu e da Biblioteca Pública.
IMAG.29-34-49-51-139-147-162-183-297-314-321-323-417-428-436-485-619-645

20OUT2016 - Nitrato Filmes estreia O Ornitólogo de João Pedro Rodrigues; com Paul Hamy e Chan Suan. IMAG.68-165-272-456-487-572

22OUT2016-08ABR2017 - Em Cascais, Fundação D. Luís I expõe, no Forte S. Jorge de Oitavos, A História da Fotografia Aérea - Arquivo Histórico da Direcção Geral do Território.

27OUT2016-29JAN2017 - Em Lisboa, Atelier-Museu Júlio Pomar apresenta Void - exposição de pintura e desenho de Júlio Pomar & Julião Sarmento, sendo curadora Sara António Matos.
IMAG.19-33-312-341-427-437-449-461-495-505-524-534-552-553-554-562-582-596-604-610-620-625-631

28OUT-27NOV2016 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Miguel Ventura Terra [1866-1919] - Vida e Obra - Casas de Cascais. IMAG.447

26OUT-31DEZ2016 - Em Lisboa, Museu Colecção Berardo apresenta Para Um Retrato Colectivo Em Portugal, No Fim dos Anos 40 - exposição de fotografia de Fernando Lemos, sendo curador Pedro Lapa. IMAG.398

28OUT-03DEZ2016 - Bedeteca da Amadora apresenta Banda Escrita: Rui Zink - Uma Exposição Em Torno do Trabalho do Argumentista.
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VISTORiA

Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há outros, ainda, que lutam muitos anos e são muito bons.
Há, porém, os que lutam toda a vida, estes são os imprescindíveis.

Bertolt Brecht
 
MEMÓRiA

08FEV1828-1905 - Jules Gabriel Verne, aliás Jules Verne: Ficcionista e poeta francês - «Como poderá apreciar a felicidade, aquele que nem um só instante foi tocado pelo sopro da desgraça?». IMAG.28-35-59-85-245-257-508

10FEV1898-1956 - Eugen Berthold Friedrich Brecht, aliás Bertolt Brecht: Poeta, dramaturgo e encenador alemão - «Quem ainda está vivo nunca diga: nunca. / O que é seguro não é seguro. / As coisas não continuarão a ser como são.». IMAG.94-333-574-635

1654-12FEV1728 - Agostino Steffani: Cantor, compositor e organista italiano, diplomata e bispo católico, autor de óperas, composições sacras, obras de câmara, coros e peças orquestrais - «Foi um criador de primeira linha, tendo fundido a melodia italiana e o contraponto germânico com a tendência francesa para o ritmo de dança e os instrumentos de sopro» (Music and Letters). IMAG.445-476-520

1877-12FEV1968 - José Tomás da Fonseca: Escritor português, autor de Na Cova dos Leões (1957) - «Sabe, e não quer pôr cobro a semelhante malvadez – para não dizer indignidade –, como a Cova da Iria tem enriquecido alguns e empobrecido tantos!» (ao Patriarca de Lisboa). IMAG.122 -292-303-429-465-513-601

13FEV1728-1793 - John Hunter: Cientista e cirurgião escocês, professor e pioneiro de técnicas experimentais, como tratamento cirúrgico de aneurismas, transplantes e regeneração de tecidos e doenças venéreas, entre os fundadores da anatomia patológica, fisiologista, coleccionador devotado ao estudo de animais de todo o mundo, serviu na Armada Britânica, sendo autor de Observações e Reflexões Sobre Geologia, a partir de estudos na planície do Alentejo (1762-1763). IMAG. 439

COROLÁRiO

Por meados do século XVIII, não era fácil encontrar corpos humanos para dissecar. Por isso, John Hunter (1728-1793) e os seus colegas de anatomia serviram-se dos cadáveres de pessoas que tinham sido enforcadas. Havia, então, em Londres, a quadrilha dos chamados Ressurreicionistas, que roubavam os corpos de necrotérios, uma prática ilegal e que provocou a indignação popular.
No entanto, John Hunter terá, mesmo, obtido o cadáver de um gigante irlandês, Charles Byrne (1761-1783), que ganhara a vida como atracção de circo. Hunter estabeleceu um valor de aquisição. E, ao que se presume, é o esqueleto de Byrne que se encontra, actualmente, em exibição no Hunterian Museum do Royal College of Surgeons, em Londres.

VISTORiA

E o Ídolo entrou no seu novo santuário, um dos mais, senão o mais rico da cidade, tanto é o ouro, a prata e os estofos preciosos que ali se exibem ao olhar deslumbrado dos que vivem sem conforto e sem pão, em lares que são tocas de bichos ou pocilgas.
Ao mesmo tempo que se violentava a consciência popular, preparavam-se, de longe e de largo, outros processos de obrigar as massas a mostrar que tinham fé. Já concorriam a Fátima milhares e milhares de convictos. Mas não era bastante. Reclamavam-se legiões.
Cruzes de madeira ou cruzes de ferro são hoje, não símbolos de amor, piedade e redenção, mas chuços com que certos missionários ameaçam os que não se lhes ajoelharem aos pés, nos confessionários, onde se inculcam como verdadeiros e únicos enviados de Deus.
Ninguém, pois, deixe alastrar a credulidade que facilmente degenera em superstição, sendo a mais perigosa a das aparições de agentes sobrenaturais. Venham donde vierem! Trazidas por um ignorante ou por um sábio, por um cardeal ou por um papa, neste ramo do maravilhoso, a autoridade é sempre a mesma. Combatê-la é, portanto, um sagrado dever moral e cívico!
Tomás da Fonseca
- Na Cova dos Leões (1957 - excertos)
BREVIÁRiO

E-Primatur edita Tempos Difíceis de Charles Dickens (1812-1870); tradução de Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Viseu. IMAG.117-278-357-447-488-552-624-635

Distrijazz edita em CD, sob chancela Resonance, Getz / Gilberto ’76 por Stan Getz (1927-1991) e João Gilberto. IMAG.521

Antígona edita A Nebulosa de Pier Paolo Pasolini (1922-1975); tradução de Manuela Gomes. IMAG.57-89-135-147-228-314-361-427-537

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS - Folhetim Aperiódico

MAL TORNA AO CRIADOR QUEM, SUJEITO, SE REFAZ - 3
No âmbito das cerimónias que emularam o trágico defunto, o Major Joel Crespo foi até ao Teatro Vaz de Moraes, no Parque Mayer, atraído por A Revolução de Abril, a velha fita de Arthur Lopes de Barros. Aí, a vaga Ofélia Toledo exuberou em palco durante a homenagem, ofuscando mesmo a embaraçada filha do protagonista – Pulquéria Galhardo, um esfregão lacrimoso ao lado do noivo Inocêncio Pernate.
Continua

sexta-feira, janeiro 13, 2017

IMAGINÁRiO #645

José de Matos-Cruz | 1 Fevereiro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

VIEIRA
Na alvorada do Século XVII, António Vieira nascia em Lisboa. Aos seis anos, o pai levou-o para São Salvador da Bahia. Formou-se no Colégio dos Jesuítas, e lá se ordenou. No Brasil, cedo pugnou contra o martírio dos escravos negros e em favor dos índios. De novo em Lisboa, tomou a defesa dos cristãos-novos e expôs doutrinas sobre o messianismo português. Encarcerado e julgado pelo Tribunal da Inquisição de Coimbra (1663), acabou por ser condenado e preso… Sendo a utopia uma matriz quimérica, enquanto realidade idealizada, a palavra de Vieira nos Sermões é um paradigma: simbólica, reveladora, mística, impetuosa, acutilante, poderosa, instrumento ou tormento. Assim falada e transfigurada, é também excelsa e a excelência do deslumbramento. Aquele que Fernando Pessoa considerou «o imperador da língua portuguesa», suscita a mais requintada fusão entre o verbo e o olhar, o testemunho e a narrativa.

CALENDÁRiO

1926-09OUT2016 - Andrzej Witold Wajda, aliás Andrzej Wajda: Cineasta polaco, distinguido com a Palma de Ouro em Cannes por O Homem de Ferro (1981) - «A par das inquietações políticas e filosóficas, construiu uma linguagem cinematográfica sólida, um realismo robusto pontuado aqui e ali por um grão de loucura, por um toque de humor negro» (José Geraldo Couto).

12OUT-17DEZ2016 - Em Lisboa, Kunsthalle Lissabon apresenta Habitantes de Habitantes - exposição de elementos múltiplos (vídeo, desenho e pintura) de Mariana Caló e Francisco Queimadela.

1926-13OUT2016 - Dario Fo: Escritor italiano, pintor, encenador e actor, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1997) - «A Itália perde um dos grandes protagonistas do teatro, da cultura, da vida civil do nosso país. A sua sátira, a busca, o trabalho em cena, a sua poliédrica atividade artística permanecem na herança de um grande italiano no mundo» (Matteo Renzi). IMAG.72-216-582

13OUT2016 - Bob Dylan, aliás Robert Allen Zimmerman, é distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, «por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana». IMAG. 13-24-61-85-115-136-151-187-211-227-233-256-265-290-347-453-503-539-594

13OUT2016 - NOS Audiovisuais estreia O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu de João Botelho; com Leonor Silveira e Marcello Urgeghe. IMAG.1-68-168-189-236-243-326-532-603

13OUT2016-26FEV2017 - Em Lisboa, Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado apresenta A Imagem Paradoxal - exposição de fotografia de Francisco Afonso Chaves (1857-1926), sendo curadores Victor dos Reis e Emília Tavares.

23NOV1928-14OUT2016 - Pierre Étaix: Cineasta francês, actor e realizador - «Além de explorar as linguagens universais da comédia, integrou importantes influências de criadores de Hollywood como Charles Chaplin ou Buster Keaton» (João Lopes).

21OUT2016-15JAN2017 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Live Act - exposição de pintura de Diogo Navarro. IMAG.388

COMENTÁRiO

Gustav Klimt
Pintor denegrido por mais de dez anos em sua terra, seu trabalho foi, no entanto, a expressão de um período histórico de mudanças que aconteciam pelo mundo e por isso ele é uma referência na história da pintura. Gustav Klimt é o exemplo e a expressão de um pintor de seu tempo, corajoso, ativo, altamente criativo e que participou ativamente das profundas transformações pelas quais o mundo passaria a partir do começo do século 20, em todos os ramos da vida humana, incluindo as artes.
Mazé Leite
- Gustav Klimt, Um Pintor do Seu Tempo (excerto)

MEMÓRiA

04FEV1918-1995 - Ida Lupino: Actriz e cineasta inglesa, radicada nos EUA - «Gostaria muito de ver mais mulheres, no mundo do cinema, a trabalharem como realizadoras e produtoras. Hoje, é quase impossível consegui-lo, se não formos uma artista ou uma escritora com poder… Eu não hesitaria, um minuto sequer, em contratar uma mulher que fosse a pessoa competente para uma certa incumbência». IMAG.165-318-525

06FEV1608-1697 - Padre António Vieira: Escritor português, filósofo e orador da Companhia de Jesus - «O tempo, como o Mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa». IMAG.118-139-165-191-215-226-237-241-295-494-553-566-619

1862-06FEV1918 - Gustav Klimt: Pintor austríaco - «Quem olha para mim, nada vê de especial. Sou um pintor que trabalha todo o dia, de manhã até à noite - figuras e paisagens, mais raramente retratos». IMAG.378

07FEV1478-1535 - Thomas Morus, aliás Thomas More: Escritor inglês, filósofo, jurista, político, estadista e humanista - «Um homem tal que, em muitos séculos, o sol não viu outro mais leal, mais franco, mais devoto, mais sábio» (Desiderius Erasmus). IMAG.41-165

07FEV1938-2015 - Manuel João Maya de Lucena, aliás Manuel de Lucena: Historiador português, cientista político, cofundador da revista O Tempo e o Modo (1963) - «A única coisa que faço mesmo bem é traduzir». IMAG.554-608

ANTIQUÁRiO

1515 - Em Inglaterra, Thomas More escreve Utopia - cujo narrador, Raphael Hythloday, descreve a realidade ideal, em perspectiva crítica sobre a sociedade imperfeita numa Europa contemporânea.

VISTORiA

Sabeis que um homem que vive na ociosidade e nos prazeres, habituado a trazer espada e escudo, a olhar altivamente para os vizinhos e a desprezar toda a gente, é pouco capaz de manejar a enxada e o alvião, de trabalhar dedicadamente por pequenos salários e má alimentação, ao serviço de um pobre lavrador?
Thomas More
- Utopia (1515 - excerto)

Há-de tomar o pregador uma só matéria, há-de defini-la para que se conheça, há-de dividi-la para que se distinga, há-de prová-la com a Escritura, há-de declará-la com a razão, há-de confirmá-la com o exemplo, há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de satisfazer as dificuldades, há-de impugnar e refutar com toda a força de eloquência os argumentos contrários, e depois disto há-de colher, há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão, isto é pregar e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão-de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela.
Padre António Vieira
- Sermão da Sexagésima (1655 - excerto)

TRAJECTÓRiA

THOMAS MORE E O ROSTO DA HISTÓRIA
Thomas More nasceu em Londres, a 7 de Fevereiro de 1478, filho do juiz Sir John More. Aluno da St. Anthony School e da Oxford University, em Literaturas latina e grega, escreveu várias comédias. Em 1494, estudou Direito em New Inn, entrando em 1496 para a sociedade de advogados Lincoln’s Inn em Londres. Em 1499, tornou-se amigo de Desiderius Erasmus, de visita a Inglaterra. Em 1501, estreou-se na barra dos tribunais. Paralelamente, aprimorou uma vivência espiritual, tendo aspirado à condição monástica. Em 1504, foi eleito para o Parlamento. Em 1505, casou-se com Jane Colte, falecida seis anos depois e de quem teve quatro filhos. Logo, contraiu matrimónio com Dame Alice Middleton. Em 1510, iniciou em Londres uma conceituada carreira como juiz. Por essa altura, foi publicada a sua tradução do latim da Biografia de Pico della Mirandola. Entretanto, dedicou-se à literatura e à filosofia. Em 1516, publicou Utopia em latim, com tradução em língua inglesa, já prestigiada obra-prima, em 1551. Entrando como secretário pessoal ao serviço de Henry VIII, durante dez anos o monarca confiou-lhe diversas tarefas administrativas e diplomáticas. Em 1529-32, exerceu o cargo de Chanceler, tendo resignado quando Henry VIII e Cromwell manipularam o Parlamento, de modo a retirar à Igreja a liberdade legalmente consagrada, desde a Magna Carta. Em 1533, recusou-se a assistir à coroação de Anne Boleyn. Encarcerado na Torre de Londres em 1534, More rejeitou o apelo de familiares e amigos, para prestar um juramento formal, reconhecendo Henry VIII como Chefe Supremo da Igreja em Inglaterra. Ao longo de quinze meses, escreveu vários testemunhos apologéticos, como The Sadness of Christ. Condenado por alta traição e decapitado a 6 de Julho de 1535, já Sir Thomas More era reconhecido, em toda a Europa, como humanista e homem de leis, além de excepcional erudito. Em 1886, foi beatificado e, em 1935, canonizado como mártir da fé católica. Utopia corresponde a um dos mais notáveis diálogos socráticos de todos os tempos.

BREVIÁRiO

Dom Quixote edita O Livro do Riso e do Esquecimento de Milan Kundera; tradução de Tereza Coelho. IMAG.355-364-366-580

Warner edita em CD, The Last Word: The Warner Bros Years por Miles Davis (1926-1991). IMAG.64-84-255-340-390-485-521-564

Tinta da China edita Entre Dois Impérios - Viajantes Britânicos Em Goa de Filipa Lowdes Vicente.

sexta-feira, janeiro 06, 2017

IMAGINÁRiO #644

José de Matos-Cruz | 24 Janeiro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXPECTATIVAS
Com a viragem para este milénio, acenturam-se os sinais alternativos, entre nós, num panorama em quadradinhos motivado pela revelação de jovens autores - que encontrariam outras oportunidades na apresentação ao público, em exposições alusivas ou através de publicações que divulgam / analisam a sua obra. Assumido por Horácio Gomes, eis o desafio de Nova Comix - uma colecção especialmente dedicada aos fanáticos, também sensíveis a uma evolução em exigências criativas e editoriais. Aliás, esta expectativa logo logrou plena consagração com Eat & Spit (2000) de Isabel Carvalho - nascida em 1977, no Porto, onde se formou em belas artes. Confessando que nunca teve «o hábito de ler bd», e reconhecendo-se atraída pelo nonsense, além do fascínio quanto ao imaginário infantil, sobressai neste seu labor a preto-e-branco - irónico mas aliciante, em aparente apologia do consome e deita fora - um grafismo versátil, minucioso, propício à experimentação temática e alegórica. São pequenas histórias com legendas em inglês, aliás corroborando uma inspiração entre Mickey Mouse e o underground. Combinando as referências ingénuas ou perversas, sofisticadas ou animalistas, plásticas ou unidimensionais, Carvalho - que chegou à banda desenhada em 1999, e com um rápido percurso de retrospectiva / vanguarda por vários fanzines - evidencia, afinal, um talento seguro, embora em prospecção. IMAG.310

VISTORiA

Os Bois

Os bois! Fortes e mansos, os boizinhos,
leões com corações de passarinhos!

Os bois! Os grandes bois, esses gigantes,
tão amigos, tão úteis, tão possantes!

Vede os bois a puxar, pelas estradas,
aquelas pesadíssimas carradas.

O corpo deles, com o esforço, freme,
e o carro geme, longamente geme…

E à noite, pela estrada tão sòzinha,
o carro geme, geme, e lá caminha…

E parece, pela noite envolta em treva,
que é o carro a chorar por quem o leva.

Vede o boi a puxar à velha nora,
que parece também que chora, chora…

A nora chora, e o boi, cansadamente,
anda à roda, anda à roda, longamente…

E parece pela tarde erma que expira,
que é a água a chorar por quem a tira.

Mas vede os bois, também, nessa alegria
de trabalhar na terra à luz do dia!

Vede os bois a puxar ao arado, agora
que o lavrador conduz pelo campo fora!

Eis um canto de amor no ar se espalha:
é a terra a cantar por quem trabalha!

O arado rasga a terra, e os bois, passando,
com os seus olhos a vão abençoando.

Sem as suas fadigas e canseiras,
não teriam florido as sementeiras!

Sem a sua força, sem a sua dor,
não estava rindo a terra toda em flor!…

E, por onde os bois lavraram,
as fontes frescas brotaram,
as árvores verdejaram,
os passarinhos cantaram,
as flores floriram,
os campos reverdeceram,
os pães cresceram
e os homens sorriram!…
Afonso Lopes Vieira
CALENDÁRiO

1929-03OUT2016 - Mário Wilson: Atleta português nascido em Moçambique, jogador e treinador de futebol - «Permanecerá sempre na nossa memória como um caso raro de entrega e paixão ao fenómeno desportivo. Pela sua humildade e disponibilidade para o próximo, será sempre um exemplo» (Luís Filipe Vieira).

QUESTIONÁRiO


François Truffaut: Concorda com o estudo do cinema nas universidades?
Alfred Hitchcock: Sim, com a condição de que se ensine o cinema desde Méliès, que se aprenda a fazer fitas mudas, porque não há melhor exercício do que esse. O cinema falado, ou sonoro, em muitos casos serviu apenas para introduzir o teatro nos estúdios. O perigo está em que os jovens, ou até os menos jovens, imaginam – com demasiada frequência – que podem ser realizadores sem saberem desenhar um cenário, ou montar um filme.
François Truffaut
- O Cinema de Alfred Hitchcock
PARLATÓRiO


Viagem à Lua foi a primeira grande comédia de magia em imagens animadas, que determinou de modo definitivo a entrada do cinema no caminho teatral e espectacular. Foi o primeiro grande filme de fantasia e de composição, com argumento inteiramente concebido para cinema. A acção desenrolava-se sem legendas, e era perfeitamente compreensível em todos os países. Realmente, e por excelência, foi o filme internacional.
Georges Méliès

MEMÓRiA

1861-21JAN1938 - Marie-Georges-Jean-Méliès, aliás Georges Méliès: Criador francês, ilusionista, fotógrafo, pioneiro do cinema - produtor, realizador, inventor técnico, cenógrafo, figurinista, actor - precursor do imaginário fantástico, «o alquimista da luz» (Charles Chaplin) - «Quando realizei Viagem à Lua 1902, ainda não havia estrelas entre os artistas, os seus nomes não eram conhecidos nem estavam impressos nos cartazes ou nos anúncios». IMAG.36-61-163-350-397-498-504-508

26JAN1878-1946 - Afonso Lopes Vieira: Poeta português - «Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus; / Vejo no firmamento as estrelas de Deus, / E penso que não são oceanos, continentes, / As pérolas em monte e os diamantes ardentes, / Que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo: / – São estrelas no céu que o meu olhar, subindo, / Extasiado fixou pela primeira vez… / Estrelas coroai meu sonho Português!» (Pois Bem! - excerto). IMAG.76-98-307-327-548-639

28JAN1898-13JUN1958 - Vasco António Rodrigues Santana, aliás Vasco Santana: Actor português de teatro, cinema, rádio e televisão - «Nós, os actores cómicos, já nascemos para fazer rir». IMAG.95-164-457-458-501-518-574-631-635

1815-31JAN1888 - João Melchior Bosco, aliás São João Bosco: Religioso italiano, sacerdote católico, fundador da Pia Sociedade São Francisco de Sales, proclamado santo em 1934 - «Um raio despontará para consolar os tímidos, que sentem o gelo entre os seus ossos. Depois, paz universal». IMAG.47

31JAN1928-2014 - Milton Santos de Almeida, aliás Miltinho: Artista brasileiro, cantor de samba, autor de Mulher de 30 - «…Esse pandeiro fez-me sustentar uma família inteira». IMAG.532

TRAJECTÓRiA

GEORGES MÉLIÈS
Nasceu em Paris, a 8 de Dezembro de 1861, filho de um fabricante de calçado. Em 1879, concluiu os estudos liceais. Após o serviço militar em 1881, ingressou na empresa paterna - secção dos mecanismos. Durante estadia em Londres, aprendeu o idioma e interessou-se pelo ilusionismo. Em 1885, casou com Eugénie Génin, e dedicou-se a espectáculos de prestidigitação no Cabinet Fantastique du Musée Grévin e Théâtre des Illusions, que viria a adquirir em 1888 e a explorar como Théâtre Robert-Houdin. Em 1891, fundou a Académie de Prestidigitation, após 1904 Chambre Syndicale de Prestidigitation, e de que foi Presidente por dezenas de anos. Em 1895, assistiu à apresentação do Cinématographe Lumière; maravilhado, tentou em vão adquirir uma câmara. Com o seu próprio aparelho, alterando um modelo adquirido a Robert W. Paul em Londres, começou por realizar Une Partie de Cartes (1896). Em 1897, construiu um estúdio em Montreuil e fundou a Star Film. A partir de 1898, dedicou-se a actualidades reconstituídas e, com recurso a trucagens, dirigiu fitas de mise-en-scène como L’Affaire Dreyfus/O Caso Dreyfus (1899) e Jeanne d’Arc/Joana d’Arc (1900). Em 1902 - ano da fantástica Le Voyage Dans la Lune/Viagem à Lua e de Robinson Crusoé - visitou os EUA, começando a vender para o mercado americano. Seguiram-se Le Royaume des Fées/O Reino das Fadas (1903) ou Fausto (1904), entre dezenas de títulos em comédia, drama, magia, história, romance, mistério e melodrama. Em 1909, liderou em Paris o Congresso Internacional dos Fabricantes de Filmes. Em 1911, dirigiu Les Hallucinations du Baron de Münchausen/As Alucinações do Barão Munchausen, e assinou um contrato de distribuição exclusiva pela Pathé. Em 1914, com a I Grande Guerra e o declínio económico, além da recente viuvez (1913), desistiu da Star Film e criou, em Montreuil-Sur-Bois, o Théâtre Lirique des Variétés Artistiques, de que foi empresário e actor. Em 1925, desposou Charlotte Faes, de nome artístico Jehanne d’Alcy. Reconhecido, por 1928, como um dos grandes pioneiros do cinema, responsável por cerca de seiscentas produções, foi distinguido com a Legião de Honra. Em 1932, retirou-se para Château d’Orly, instituição de La Mutuelle du Cinéma, onde faleceu a 21 de Janeiro de 1938.

BREVIÁRiO

Sony edita em CD e DVD, sob chancela Columbia, The Ties That Bind: The River Collection por Bruce Springsteen. IMAG.41-96-177-236-502-505

Assírio & Alvim edita Vertentes do Olhar de Eugénio de Andrade (1923-2005). IMAG.33-45-150-248-303-326-389-423-432-460-485-518-526-546-562-566-636
 

domingo, janeiro 01, 2017

IMAGINÁRiO #643

José de Matos-Cruz | 16 Janeiro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

REFERÊNCIAS
Nascido em Nova Iorque, no ano de 1942, e com uma carreira iniciada em 1963, Martin Scorsese sobressai numa geração de realizadores cujo talento, modelado pela formação universitária e por um entranhado apelo dos clássicos, subverteria - sob o signo de Hollywood - as motivações tradicionais, quanto à realidade e ao imaginário. Trata-se de um autor cuja autenticidade motiva, além da nostalgia ou do fascínio, singulares expectativas para a reformulação de uma arte, em constante vertigem entre a indústria e o espectáculo… Eis o estímulo radical dum olhar de cineasta - sensível, inteligente, contra as tendências convencionais de mistificação - que, encarando os filmes pela fruição, contrapõe sobretudo, ao artifício crítico, o signo da transfiguração - por vezes violenta, aleatória mas vibrátil - na qual se gera o culto. Aliando a memória e a lenda, Scorsese - descendente de uma família católica italiana - culmina, assim, uma visão sempre original pelo animatógrafo, como referência primordial, apelando ainda aos «filmes de Hollywood que eu amei na adolescência, com uma Nova Iorque mais forte do que aquela por onde andava». IMAG.27-41-44-61-67-81-85-109-134-217-244-246-400-414-490-639

VISTORiA

Adeus

Adeus! e para sempre embora,
Que seja para nunca mais:
Sei teu rancor – mas contra ti
Não me rebelarei jamais.

Visses nu meu peito, onde a fronte
Tu descansavas mansamente
E te tomava um calmo sono
Que perderás completamente:

Que cada fundo pensamento
No coração pudesses ver!
Que estava mal deixá-lo assim
Por fim virias a saber.

Louve-te o mundo por teu acto,
Sorria ele ante a acção feia:
Esse louvor deve ofender-te,
Pois funda-se na dor alheia.

Desfigurassem-me defeitos:
Mão não havia menos dura
Que a de quem antes me abraçava
Que me ferisse assim sem cura?

Não te iludas contudo: o amor
Pode afundar-se devagar;
Porém não pode os corações
Um golpe súbito apartar.
- Lord Byron
(excerto)

Somos do país do sim
o da tristeza em azul
Tudo o que existe é assim
neste sul
Mostramos o sol e o mar
e vendemo-lo a quem tem,
para podermos aguentar
o que vem
Ah país de fato preto
meu país engravatado
do grande amor em soneto
da grande desgraça em fado
- Maria Judite de Carvalho
- A Flor Que Havia Na Água Parada (1998)

CALENDÁRiO

15SET-30OUT2016 - Em Lisboa, Fundação Portuguesa das Comunicações | Museu das Comunicações expõe 100 Obras Em 100 Anos - Mulheres Europeias Na Arquitectura e No Design - 1918-2018; iniciativa do projecto MoMoWo, sendo comissária Maria Helena Souto.

13OUT-31DEZ2016 - Museu de Évora apresenta Pelas Ruas de Macau - exposição de fotografia de Rui Palha.

 15OUT2016 - Na Amadora, Clube Português de Banda Desenhada/CPBD expõe Fernando Bento [1910-1996] - Homenagem ao Grande Desenhador. IMAG.257-299-307-328-367-533-550-578

INVENTÁRiO

Francisco Lázaro - A Emborcação No Treino

Na Revue Olympique nº 80 de agosto de 1912 pode ler-se que, pela primeira vez, desde que os Jogos Olímpicos foram restaurados, o Movimento Olímpico foi atingido pelo luto quando um corredor português sofreu um golpe de insolação que lhe foi fatal. Francisco Lázaro morreu no dia seguinte num hospital de Estocolmo.
Ao cabo de dezasseis anos, desde que os Jogos Olímpicos da era moderna tinham, pela primeira vez, acontecido em Atenas no ano de 1896, morreu um atleta em plena competição. Diz o articulista que apesar da prova ter sido realizada num período quente do dia, o que é facto é que o colapso do atleta não pode ser atribuído ao ligeiro calor sueco (légère chaleur suédoise) uma vez que o calor em Portugal, a que o atleta estava habituado, era muito mais intenso. E o articulista avança para a suposição de que seria muito mais provável que o colapso de Francisco Lázaro (1888-1912) tivesse sido provocado por uma qualquer causa intestinal.

Francisco Lázaro era carpinteiro de uma fábrica de carroçarias de automóveis na Travessa dos Fiéis de Deus no Bairro Alto em Lisboa, foi o porta-estandarte da equipa portuguesa que participou nos Jogos da V Olimpíada da era moderna.
A busca da superação não encontra limites na condição humana. Pierre de Coubertin dizia, e bem, que «não existe desporto sem excessos». E foram os excessos próprios daqueles que buscam a areté – quer dizer, a excelência dos gregos antigos que, muito provavelmente, conduziram o atleta, tal como qualquer herói da Grécia antiga, à morte prematura.
Um médico foi-lhe prestar assistência. Aplicou-lhe gelo em plena estrada. Levaram-no para o hospital onde lhe diagnosticaram uma meningite.
No dia 14 de Julho de 1912, aos 29 km dos 42,185 da Maratona, na colina de Öfver-Järva, Francisco Lázaro cambaleou, caiu por várias vezes e várias vezes se levantou para continuar a prova, até cair para não mais se levantar. (Nolasco, Pedro, 1985).
No Estádio Olímpico de Estocolmo a bandeira portuguesa ficou a meia haste.
Francisco Lázaro é, porventura, a maior lenda do desporto português.
Estocolmo (1912), era a primeira participação portuguesa nos Jogos Olímpicos e, simultaneamente, o culminar de um processo iniciado por D. Carlos Rei de Portugal que, segundo conta a tradição, a pedido de Pierre de Coubertin, indicou o Dr. António Lancastre médico da Casa Real como Encarregado de Negócios do Comité Olímpico Internacional (COI) em Portugal. O que é facto é que a nomeação foi aceite por António Lancastre, e por ele formalizada por carta de 9 de Junho de 1906, dirigida a Pierre de Coubertin. Esta é, na realidade, a data da institucionalização do Movimento Olímpico em Portugal e aquela que, em respeito pela histórica, devia ser comemorada pelo Comité Olímpico de Portugal (COP).
A partida para a Maratona foi dada às onze e meia da manhã debaixo de um calor sufocante. Trinta e dois graus à sombra.
Até desfalecer, Lázaro correu sempre no grupo da frente. Reza a história que antes da partida Lázaro afirmou solenemente «Ou ganho ou morro». E assim  cumpriu o seu destino.
Anos mais tarde, Armando Cortezão, colega de Lázaro na fatídica participação olímpica de 1912, explicou o drama (Correia, Romeu, 1988):
«O Lázaro morreu por dois motivos: primeiro, porque se untou com sebo. Fui eu e o Fernando Correia, quando ele não aparecia à partida na maratona, que o procurámos no balneário e o encontrámos a besuntar-se com sebo. Não faço a menor ideia como Lázaro conseguiu arranjá-lo. Eu e o Fernando Correia ainda tentámos que ele tomasse banho, mas não havia tempo. E ele lá foi correr a maratona todo besuntado com sebo, com os poros da pele tapados, o que impedia a transpiração cutânea nessa parte do corpo… E outra coisa: só ele e um japonês é que foram de cabeça descoberta àquele sol…»
Francisco Lázaro, com o seu procedimento, entrou em desequilíbrio hidro-electrolítico irreversível e, em consequência, em colapso.
A este respeito Armando Cortezão, um dos elementos da equipa portuguesa, contou a Romeu Correia:
«Quando me lembro da nossa ida a Estocolmo, há uma coisa que me irrita sempre. Ainda há pessoas que me falam nisso hoje: o caso do Lázaro! Que o Lázaro fora envenenado… que lhe fizeram essa patifaria para ele perder a corrida… Urn disparate! O Lázaro morreu por dois motivos: primeiro, porque se untou com sebo. Fui eu e o Fernando Correia, quando ele não aparecia à partida da Maratona, que o procurámos no balneário, e lá o encontramos a besuntar-se com sebo… Não faço a menor ideia como o Lázaro conseguiu arranjá-lo (ele que mal falava português), mas conseguiu sebo e estava a untar-se… Eu e o Fernando Correia ficamos apavorados, ainda tentámos que ele tomasse um banho, mas já não havia tempo. E ele lá foi correr a Maratona todo besuntado de sebo, com os poros da pele tapados, o que impedia a transpiração cutânea nessa parte do corpo. E outra coisa: Só ele e um japonês é que foram de cabeça descoberta, àquele Sol.»
Acreditamos que assim tenha sido, mas não só…
Contudo, o verdadeiro problema de Lázaro não se deve ter ficado pela essência de terebintina e o ácido acético. Ao tempo, a emborcação ia bem mais longe. De facto, a comunicação social informou que Lázaro abusava da estricnina.
- Gustavo Pires (excertos)

MEMÓRiA

1921-18JAN1998 - Maria Judite de Carvalho: Escritora portuguesa, autora de Os Armários Vazios (1978) - «Eu dantes tinha olhos verdes / só agora reparei. / Verdes, viam tudo verde / por que eram verdes, não sei. / Sorriam àquela flor / que havia na água parada. / Verde flor, na verde água / da vida transfigurada. / Hoje olham e reconhecem / que há muito mais cores para ver. / Cor de flor, que logo esquecem, / cor de charco a apodrecer.» (A Flor Que Havia Na Água Parada). IMAG.376

19JAN1798-1857 - Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, aliás Auguste Comte: Filósofo francês, fundador do Positivismo - «O Amor por princípio, e a Ordem por base; o Progresso por fim». IMAG.625

21JAN1888-1912 - Francisco Lázaro: Atleta português, participou na prova da Maratona dos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912), durante a qual desfaleceu, vindo a morrer horas depois, por causas múltiplas. IMAG.7-378-437

22JAN1788-1824 - George Gordon Noel Byron, aliás Lord Byron: Poeta britânico - «Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri; / Que renuncie a terra aos ossos meus. / Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme / Lábios mais repugnantes do que os teus.» (Versos Inscritos Numa Taça Feita de Um Crânio). IMAG.79-163-463