sexta-feira, fevereiro 22, 2019

IMAGINÁRiO #758

José de Matos-Cruz | 08 Junho 2020 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

DILEMAS
Pola X (1999) perturbou a crítica e o público, no Festival de Cannes. Em causa está um criador que gosta de contaminar o vício de um olhar mitificador, com o vírus da cegueira nas relações. Leos Carax foi muito apreciado com Má Raça (1986), pelo fascínio entre a ilusão e a erosão. Aspecto fundamental, atendendo aos pretexto ficcionais que emanam de Pola X, e em que se dissipam os jovens protagonistas… Um escritor embrionário que partilha com a mãe um tranquilo castelo na Normandia, Pierre prepara-se para formalizar com a noiva a data do casamento. Porém, no mesmo dia encontra a estranha Isabelle, sua suposta irmã e cuja insinuante pronúncia (do Leste?) subverterá a sedução pelos estímulos da culpa ancestral. O dilema excepcional da verdade que fractura Pola X, sob um auge de catástrofe dilacerante, precipita-se decisivo e ambíguo: a angústia para Pierre não é uma questão de vínculo, origem ou talento, mas a sua consciência assombrada. E arrostá-la-á até Paris por uma provação limite, existencial, qual estigma de incesto ou refúgio da paixão, talvez buscando uma autenticidade perdida, ou nunca assumida - entre a vertigem e o naufrágio, eis a carisma de Guillaume Depardieu. A atmosfera romanesca (avassalada pela música de Scott Walker) jamais é explícita ou realista - reflectindo um universo, pois, tão radical como peculiar.

CALENDÁRiO

09OUT-10NOV2018 - Em Coimbra, Casa Municipal da Cultura apresenta Trabalho | Colecção Encontros de Fotografia - com obras de António Júlio Duarte, Augusto Brázio, Filipa César, Inês Gonçalves, Paulo Catrica e Pedro Letria, sendo curador Albano Silva Pereira.

18OUT2018-13JAN2019 - Em Lisboa, Atelier-Museu Júlio Pomar apresenta O Material Não Aguenta - diálogo artístico entre Júlio Pomar (1926-2018) e Luísa Cunha, sendo curadora Sara Antónia Matos.  
IMAG.19-312-449-495-505-534-552-553-562-582-596-604-610-620-631-635-646-652-676-710-715-731-734

20OUT2018-06JAN2018 - Em Lisboa, Culturgest apresenta El Jardín de los Senderos Que Se Bifurcan - exposição de pintura de Juan Araujo (Venezuela), sendo curador Delfim Sardo.

25OUT2018-11JAN2019 - Em Évora, Galeria da Casa de Burgos apresenta Caligrafias - exposição de fotografia de Santiago Macias.

08NOV2018-21ABR2019 - Em Lisboa, Museu do Oriente expõe Três Embaixadas Europeias à China, sendo comissário Jorge dos Santos Alves.

22NOV2018-14JAN2019 - Em Lisboa, Museu do Oriente apresenta Purity, Purification - exposição de Arte Contemporânea Chinesa, sendo curadora Liu Chunfeng.

VISTORiA

Estival

A imensa praia. O sol rubro, preciso.
E o mar de sempre, impetuoso e vário.
Meu corpo nu, aberto no solário,
Sorve o final do dia, lento e liso.

Estio é estar assim, sem pensamento;
Sentir apenas, sobre a pele doirada,
A saliva do mar, fria e salgada,
E o arrepio cálido do vento.

Nada mais. Quando muito, um vago olhar,
Um vulto jovem, ágil, que se afasta,
Diluído na luz crepuscular.

E só porque o seu ritmo contrasta
Com a serena vibração do ar
E a paz da minha carne gorda e gasta.
António Manuel Couto Viana
- Voo Doméstico
VISTORiA
Verdes São os Campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Luiz de Camões

O céu estava sombrio – céu de Dezembro – e o pavimento das ruas desaparecia sob a neve, neve de Londres, meio derretida e lamacenta. Nunca se me varrera da memória a recordação dessa neve, apesar de terem passado quinze anos desde a última vez que vira a sua triste cor.
Ali a tinha, diante de mim, com os mesmos sulcos e ocultando os mesmos perigos para os transeuntes. Havia apenas uma hora que eu tinha chegado da América do Sul a bordo do vapor-correio de Southampton, e ora estava encostado à janela do meu quarto no Hotel Morley, Charing Cross, contemplando com ar sombrio os jogos de água da Praça de Trafalgar, ora passeava agitadamente de um extremo ao outro do aposento, fazendo esforços para me distrair e pensando que não era um vagabundo desterrado, mas um homem que regressava ao seu país.
Aproximei a cadeira da chaminé e, enquanto atiçava o lume, evoquei através da chama o quadro da minha vida passada. Recordei-me da infância que tornou extremamente desgraçada a dependência de um tio velho e rico que me olhava como a um obstáculo, porque não acreditava que eu viesse um dia a honrar o seu nome e os seus benefícios. Esta excelente pessoa tinha quase tanto de avaro como de vaidoso.
Charles Dickens
- A Órfã

Se por ora não aparecem em maior número escritoras dignas da pública atenção, deve isso atribuir-se a uma educação acanhada, que no Brasil reduzia uma Senhora à curta esfera do manejo doméstico, como se as belas-letras fossem vedadas ao seu sexo.
Mas a civilização vai já fazendo desaparecer esses prejuízos.
Januário da Cunha Barbosa
- Parnazo Brasileiro

ANTIQUÁRiO

08JUN1940 - Iniciativa do professor Bissaya Barreto (1886-1974), é inaugurado em Coimbra o Portugal dos Pequenitos; projecto do arquitecto Cassiano Branco (1897-1970), reproduz - em escala reduzida - o património cultural e edificado português, tanto no país como no mundo. IMAG.142-272-299-447-622-634-752

MEMÓRiA

08JUN1810-1856 - Robert Alexander Schumann: Compositor e pianista alemão - «Sendo uma arte, a música é a linguagem que me permite comunicar com o além».
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1923-08JUN2010 - António Manuel Couto Viana: Ficcionista, poeta, ensaísta, actor, dramaturgo, encenador e figurinista, autor de contos infantis e argumentista de histórias em quadradinhos - «E, agora, o que faremos? / A quem legar o que resta / Do simulacro de festa / Que tivemos? // Quem aproveita os detritos / De uma alegria forçada? / Quem confunde aflitos gritos / Com imposta gargalhada? // Iremos por onde alguém / Descubra os nossos farrapos. / Vês flores no jardim de além? / – Vejo sapos.» (Despojo). IMAG.107-308-332-403-431

1812-09JUN1870 - Charles John Huffam Dickens, aliás Charles Dickens: Escritor inglês, crítico social - «Cada fracasso ensina aos homens algo que necessitavam aprender… Aquele que alivia o fardo do mundo em relação aos outros, não é inútil quanto à sua existência sobre a Terra».  
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1524-10JUN1580 - Luiz Vaz de Camões, aliás Luiz de Camões: Ficcionista e poeta português - «Enquanto quis Fortuna que tivesse / Esperança de algum contentamento, / O gosto de um suave pensamento / Me fez que seus efeitos escrevesse. // Porém, temendo Amor que aviso desse / Minha escritura a algum juízo isento, / Escureceu-me o engenho co’o tormento, / Para que seus enganos não dissesse. // Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos / A diversas vontades! Quando lerdes / Num breve livro casos tão diversos, // Verdades puras são e não defeitos; / E sabei que, segundo o amor tiverdes, / Tereis o entendimento de meus versos.».
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10JUN1780-1846 - Januário da Cunha Barbosa: Poeta, historiador e biógrafo brasileiro - «N(o contexto d)a boa sociedade imperial, composta por uma elite imperial definida pela intersecção entre poder económico, político e intelectual, desempenharia um papel fundamental na formação da nacionalidade brasileira» (Lia Ramos Jordão). IMAG.551

1893-15JUN1970 - José Sobral de Almada Negreiros: Escritor e artista plástico português, ligado ao modernismo - «O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades!» (Textos de Intervenção).  
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BREVIÁRiO

Cavalo de Ferro edita A Língua Resgatada de Elias Canetti (1905-1994); tradução de Maria Hermínia Brandão. IMAG.388-478-524-736

Warner edita em CD, Camané Canta [Alfredo] Marceneiro (1891-1982) por Camané. IMAG.166-175-261-314-317-334-371-376-390-537

Dom Quixote edita Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água de António Lobo Antunes. IMAG.136-438-460-609-633-690
 

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