quarta-feira, agosto 09, 2017

IMAGINÁRiO #674

José de Matos-Cruz | 08 Setembro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
IMPLICAÇÕES
Poderia comentar-se assim: o bom filho à casa paterna volta… em busca de inspiração. Tratando-se de alguém como Tim Burton, talvez pareça perverso - mas, perante um facto confessado e a motivação em causa, o estrito aforismo ganha pleno sentido. Trata-se de
A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça / Sleepy Hollow (1999) - uma recriação extravagante, baseada no clássico popular de Washington Irving, The Legend of Sleepy Hollow. Em 1912, Étienne Artaud dirigira uma primeira transposição fílmica, com Alec B. Francis. Porém, foi a versão animada (de Clyde Geronimi e Jack Kinney) sob chancela Walt Disney, em 1949 com narração de Bing Crosby, que - meio século depois - aliciou Tim Burton à sua tão peculiar e determinante revisão em imagem real. Para explorar esta mesma expressão, Tim Burton - um obscuro mas talentoso animador - abandonara os Estúdios Disney, há uma quinzena de anos. O sucesso cumpriu-se, garantindo-lhe um especial estatuto em Hollywood. Criador insólito, artista mágico, Tim Burton sublima sobretudo - em temas e formas - um fabuloso imaginário: com referências infantis, de implicações nostálgicas, estigmatizando as sombras, estilizando uma irónica e vibrátil transfiguração.
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CALENDÁR
iO

03MAI-03SET2017 - No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves expõe Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… de Gordon Matta-Clark (1943-1978).

11MAI-27AGO2017 - Em Lisboa, Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado apresenta Desterro - intervenção de desenho, fotografia e vídeo de Susana Anágua. IMAG.405

16MAI-09JUL2017 - Em Lisboa, Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva apresenta, em colaboração com Maria da Graça Carmona e Costa, Interferências - exposição de pintura e desenho de Jorge Martins. IMAG.102-333-341-386-392-460-486-617

18MAI2017 - Caos Calmo Filmes produziu, e estreia Uma Vida à Espera (2016) de Sérgio Graciano; com Miguel Borges e Isabel Abreu. IMAG.407-525

18MAI2017 - NOS Audiovisuais estreia Perdidos (2017) de Sérgio Graciano; com Dânia Neto e Afonso Pimentel. IMAG.407-525

19MAI-25JUN2017 - Em Odivelas, Centro Cultural Malaposta apresenta Cumplicidades | Encontro de Memórias - exposição de pintura de Eduardo Teixeira e Eduardo Santos Neves.

19MAI-03SET2017 - No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta Uma História Universal de Tudo e de Nada - exposição de pintura e desenho de Julie Mehretu (Etiópia).

20MAI-03SET2017 - Em Lisboa, Culturgest expõe O Fotógrafo Acidental - Serialismo e Experimentação Em Portugal, 1968-1980.

VISTORiA
Angústia

Esta noite, não vim domar o teu corpo, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar.

Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos.

Pois o Vício, a roer a minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto o teu seio de pedra é cidade.

De um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Stéphane Mallarmé
VISTORiA

Era Outono. Pela estrada real duas carruagens seguiam a trote rápido. Na da frente viajavam duas mulheres. Uma, a senhora, magra e pálida. A outra, a criada, gorda e de um corado lustroso. Os seus cabelos curtos e ressecados brotavam por baixo do chapéu desbotado, e a mão avermelhada, coberta por uma luva puída, ajeitava-os com gestos bruscos. O busto volumoso, envolto num lenço rústico, transpirava saúde; os olhos negros e vivazes ora espiavam pela janela os campos fugidios, ora observavam timidamente a senhora, ora lançavam olhares inquietos para os cantos da carruagem. A criada tinha bem junto ao nariz o chapéu da senhora pendurado na bagageira, um cãozinho deitado nos joelhos, os pés acima dos pequenos baús dispostos no chão, tamborilando sobre eles, em sons quase abafados pelo ruído dos solavancos das molas e do tilintar dos vidros.
De mãos cruzadas sobre os joelhos e de olhos fechados, a senhora balouçava levemente nas almofadas que lhe serviam de apoio e, com um leve franzir de cenho, dava tossidelas fundas. Tinha na cabeça uma touquinha branca de dormir e um lencinho azul celeste envolto no pescoço pálido e delicado. Uma risca brotava abaixo da touquinha e repartia os cabelos ruços, excessivamente lisos e empastados; havia qualquer coisa de seco e mortiço na brancura do couro daquela vasta risca. A pele murcha, um tanto amarelada, mal conseguia modelar as suas feições belas e esguias, que ganhavam um tom vermelho nas maçãs do rosto. Os lábios secos mexiam-se intranquilos, as ralas pestanas não se encrespavam, e o casacão de viagem formava rugas entre os seios encovados. Mesmo de olhos fechados, o rosto da senhora expressava cansaço, irritação e um sofrimento que lhe era familiar.
Recostado em seu banco, o criado dormitava na boleia; o postilhão gritava animado e fustigava a possante quadriga suada; uma vez por outra espreitava o outro cocheiro, que gritava de trás, da caleche. As marcas paralelas e largas das rodas estendiam-se nítidas e iguais pelo calcário lamacento da estrada. O céu estava cinzento e frio; a bruma húmida espalhava-se pelos campos e pela estrada. A carruagem estava abafada e recendia poeira e água-de-colónia. A doente inclinou a cabeça para trás e abriu devagar os olhos, grandes, brilhantes, de uma bela tonalidade escura.
Leon Tolstoi
- Três Mortes (excerto)

O Erro de Desconhecer o Passado

Uma obra não resolve nada, assim como o trabalho de uma geração inteira não resolve nada. Os filhos – o amanhã – recomeçam sempre e ignoram alegremente os pais, o já feito. É mais aceitável o ódio, a revolta contra o passado do que esta beata ignorância. O que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição, graças à qual se olhava sempre para o passado. Este, o segredo da sua inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra – de uma geração – é sempre determinada pela quantidade de passado que contém.
Cesare Pavese
- O Ofício de Viver (excerto)
EPISTOLÁRiO

A Sissi
Receio que tu não sigas o conselho do médico e continues a minar a tua saúde, até quando for tarde demais e não houver mais remédio. Nada mais posso fazer que rogar-te, sobretudo, que te alimentes.
Francisco José I
MEMÓRiA

1391-09SET1438 - D. Duarte I, o Eloquente: Décimo-primeiro Rei de Portugal, autor de Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela e de Leal Conselheiro - «Isto se deve fazer como faz Nosso Senhor, que posto que a direita carreira da perfeição seja tão estreita, que por mui poucos é seguida, porém vendo bom propósito e tenção todos traz a porto com saúde, dizendo que por muitos caminhos o podemos servir.». IMAG.194-266-322-446-552

09SET1828-1910 - Lev/Leon Nikolaievitch Tolstoi, aliás Lev/Leon Tolstoi: Escritor russo - «Os homens distinguem-se entre si, também neste aspecto: alguns primeiro pensam, depois falam e, em seguida, agem; outros, pelo contrário, primeiro falam, depois agem e, por fim, pensam.». IMAG.56-194-299-305-358-363-444-506-515-527-593-602-616

1842-09SET1898 - Étienne Mallarmé, aliás Stéphane Mallarmé: Poeta francês, crítico literário - «E já morro, e já amo / Seja a arte o vitral, ou seja uma cruz mística / Renascendo, a erguer o sonho em diadema / A um céu anterior e que a beleza nimba!». IMAG.194-210-363-595

09SET1908-1950 - Cesare Pavese: Ficcionista e poeta italiano - «Chega o momento em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará, um dia, em memória. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso, justamente, ter já recordações.» (Diário 1935-1950). IMAG. 56-173-233-288-375

1837-10SET1898 - Imperatriz Isabel da Áustria, aliás Isabel da Baviera, aliás Elisabeth Amalie Eugenie von Österreich-Ungarn, aliás Sissi: «Deambulo solitária sobre a Terra, há muito tempo, alienada da vida e do prazer; não tenho e nunca tive uma alma que me entendesse.» (Diário). IMAG.395-518-640-651

15SET1938-2011 - José Manuel Niza Antunes Mendes, aliás José Niza: Médico, político, escritor e músico português, criador de E Depois do Adeus - «Foi o maior compositor da nossa geração e um homem de princípios que, desde a década de ’50, foi meu parceiro na poesia e na música, para além de companheiro na política. Tinha uma personalidade multifacetada» (Manuel Alegre). IMAG.377

BREVIÁR
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Ignota / Sr. Teste edita Brincadeiras Vagas - A Boneca de Paul Éluard (1895-1932); tradução de Aníbal Fernandes. IMAG.13-53

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