José
de Matos-Cruz | 08 Fevereiro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado
em 2004
PRONTUÁRiO
Além das peripécias aventurescas que
popularizaram os paladinos juvenis, através de gerações, a escola franco-belga
adquiriu maturidade por distintas vertentes, em que se virtualizam outros
horizontes do imaginário. Assim contribuíram artistas como François Bourgeon - cuja inspiração histórica culminaria com Os
Companheiros do Crepúsculo ou Os Passageiros do Vento. Em 1993, estas séries tiveram uma
fascinante alternativa, com a apresentação de A FOnte da SOnda - iniciando a saga fantástica O
Ciclo de Cyann, graças à colaboração entre Bourgeon e o argumentista Claude Lacroix. A revelação deste épico
impressionante, sensual, prosseguiria, depois, com Seis Estações em IlФ - mais um estranho planeta onde a
indómita Cyann buscará o precioso antídoto, para as terríveis febres amarelas que vitimam o seu povo,
num outro mundo a anos-luz de distância… Imprevisível, surpreendente, tal
jornada heróica - sob meticulosa concepção / exploração por Bourgeon &
Lacroix - simboliza, também, a aprendizagem íntima e afectiva, de uma mulher em
resgate da própria humanidade.
CALENDÁRiO
¸1930-07JAN2015
- Rodney Sturt Taylor, aliás Rod Taylor: Actor australiano de cinema e
televisão, radicado nos EUA, protagonista de Os Pássaros / The Birds (1963 - Alfred Hitchcock) - «Foi um grande
companheiro, e tornou-se um enorme apoio para mim. Éramos muito, muito bons
amigos» (Tippi Hedren). IMAG.429-500
07JAN2015
- Em Paris, durante um ataque terrorista às instalações do jornal satírico Charlie Hebdo, por dois homens armados,
conotados ao extremismo islâmico, morrem doze pessoas, entre as quais cinco
artistas/ilustradores - Stéphane Charbonnier/Charb (director - n. 1967),
Bernard Verlhac /Tignous (n. 1957), Philippe Honoré (n. 1941), Jean Cabut/Cabu
(n. 1938) e Georges Wolinski (n. 1934).
IMAG.499
MEMÓRiA
¨1920-11FEV1986
- Frank Herbert: Escritor americano de ficção científica, autor de Dune / Duna (1963-65) - «O homem é um
idiota em não dar tudo de si, sempre, no acto de criação. Alguém escreve algo
num papel. Não está a destruir, está a plantar uma semente. Então, não tem que
se preocupar com inspiração, ou qualquer coisa no género. É apenas uma questão
de se sentar e de pôr-se a trabalhar. Eu nunca tive problemas por escrever,
apenas, um parágrafo. Fala-se muito nisso. Pela minha parte, havia dias em que
me sentia relutante em escrever, ou às vezes durante semanas inteiras, outras
até mais tempo. Então, preferiria muito mais pescar, por exemplo, ou pôr-me a
afiar lápis, ou ia nadar, ou… Por que não? Mas, depois, voltando à leitura do
que havia produzido, era incapaz de distinguir entre o que me ocorreu
facilmente e o que elaborei, sentando-me e decidindo: “Bem, chegou a hora de
escrever, e é isso que agora vou fazer”. Não havia diferença entre uma coisa e
outra que registei no papel». IMAG.111-462
¸11FEV1926-2010
- Leslie William Nielsen, aliás Leslie Nielsen: Actor canadense - «A violência
nas comédias ao estilo vaudeville
corresponde a uma técnica muito própria; assumimo-la, estamos a fazer algo
específico… Isto é, fazemos o público rir».IMAG.333
¨12FEV1856-1931
- Henrique Lopes de Mendonça: Ficcionista, poeta, dramaturgo e cronista
português - «Mulher que anda no paço há de ter embaraço. / Se o crédulo marido
ignorava este adágio, / Que se queixe de si, quando vir o naufrágio / Que lhe
escangalha o lar.» (A Morta - 1890). IMAG.
87-258-336
¨13FEV1906-1994
- Agostinho da Silva: Filósofo, ensaísta e pedagogo português - «Quem pretende
servir os homens tem aí a melhor dádiva a fazer-lhes: a de se manter sem desvio
nas épocas piores, quando todos os outros recorreram ao subterfúgio e a todos
cegou a mesma escuridão de um mal presente» (Considerações - excerto).
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1910-14FEV1996 - Fernando
Carvalho Trindade Bento, aliás Fernando Bento: Ilustrador, figurinista, pintor,
autor de banda desenhada - transpôs As
Mil e Uma Noites de Adolfo Simões Muller, e colaborou no Cavaleiro Andante a partir de 1952.IMAG.257-299-307-328-367-533
O Povo
Culto
¨Os
povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se
negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre
vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo
político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis
da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as
ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem
injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.
Agostinho da Silva
- Diário de Alcestes (excerto)
TRAJECTÓRiA
Fernando
Bento, As Aventuras de Uma Vida
Chamava-se
Fernando Bento e foi um dos mais
notáveis autores portugueses de banda desenhada, no tempo em que esta ainda era
(apenas) histórias aos quadradinhos. Em Fevereiro último fez
dez anos que nos foi servido um dos últimos tesouros coloridos por Fernando
Bento. Foi nas páginas da revista Selecções BD (II série) e era uma
vinheta do seu (inacabado) Regresso à Ilha do Tesouro, uma
sequela do clássico de Stevenson, que o mestre português dos quadradinhos
adaptou com argumento de Jorge Magalhães. Nele, o jovem Jim Hawkins,
enquanto desce por uma amarra de um barco encalhado, afirma: «A aventura correu
melhor do que eu esperava!» O mesmo se pode dizer, sem dúvida, da vida e obra de Fernando Carvalho Trindade Bento, nascido em Lisboa a 26 de Outubro de
1910.
Com os seus heróis fez A
Volta ao Mundo em 80 Dias, levando muitos leitores ao longo de várias
gerações a dar consigo A Volta a Portugal em Bicicleta,
conhecer Histórias da Nossa História, partilhar uma Viagem ao Centro da Terra,
percorrer Vinte Mil Léguas Submarinas, subir A Montanha do Fim do Mundo ou
avançar pelo espaço Da Terra à Lua, em companhia de Um Herói de 15 Anos, 34
Macacos e Eu, Beau Geste, Matias Sandorf ou Quintino
Durward, até à Ilha do Tesoiro, tudo em Mil e
Uma Noites maravilhosas e mágicas.
Vividas, sentidas,
sofridas em constantes sobressaltos, sem sair de casa, descobertas nas
fantásticas, vibrantes e envolventes páginas aos quadradinhos que delineou com
um traço elegante, único e personalizado, vivo, ágil e dinâmico, se bem que
fosse (ou porque era) autodidacta, apenas com um curso de desenho por
correspondência, obtido na escola parisiense ABC.
Na sua formação «prática»,
no entanto, encontram-se também longos períodos nos movimentados bastidores
teatrais do Coliseu dos Recreios, local de trabalho do pai, onde, quem sabe,
foi beber o sentido dos diálogos, a noção de movimento, a agilidade na
composição das pranchas, a técnica de picado e contrapicado, o ritmo narrativo,
a legibilidade e a eficácia da narrativa sequencial que viriam a distingui-lo
como um caso único na nona arte nacional.
No entanto, nada parecia
dirigi-lo para a BD, pois foi no mundo do teatro, na concepção de figurinos e
cenários (muito elogiados) para A Última
Maravilha e O Fim do Mundo que se
fez notado, tinha apenas 25 anos. E só três anos depois surgiriam os primeiros
quadradinhos, na secção infantil do jornal República.
Estava longe de saber,
certamente, mas muitas seriam as revistas que se lhe seguiriam - Pim-Pam-Pum!,
Diabrete, Cavaleiro
Andante, foram as mais significativas - onde, a par da BD, espraiou
também a sua arte por capas, ilustrações, caricaturas e desenhos humorísticos,
como maquetista e director gráfico… Tudo feito em serões e tempos livres pois,
«profissionalmente», foi sempre funcionário de escritório da BP.
A sua bibliografia - em
que muitas vezes teve ao lado argumentistas como Helena Neves, Maria Amélia
Bárcia ou Adolfo Simões Müller - é feita especialmente da adaptação de
episódios da história pátria e de clássicos infantis, da literatura ou de
aventuras (especialmente Júlio Verne, mas também Robert Louis Stevenson, Herman
Melville, Enid Blyton…), que soube recriar como poucos, em verdadeiras versões
em quadradinhos, que patenteavam o espírito e todas as qualidades dos originais
no novo suporte e que faziam igualmente sonhar. Foram cerca de três décadas de
redobrado labor, até aos anos 1970, vividos mais longe das páginas desenhadas,
às quais só regressaria de forma pontual.
Até ao tal Regresso
à Ilha do Tesoiro, corria a década de 1990 e tinha Fernando Bento
ultrapassado já a barreira dos 80 anos, em que (re)encontrou energia e mestria
para, num traço com todas as qualidades que lhe eram conhecidas mas renovado na
forma, de uma surpreendente modernidade, voltar a fazer vibrar todos os que
leram as novas pranchas de reencontro com Jim Hawkins, Ben Gunn ou o pirata
Long John Silver!
A morte - invejosa da sua
arte? - levá-lo-ia a 14 de Fevereiro de 1996, pondo um ponto final nas suas
aventuras, impedindo-o de terminar esta obra e de ver impressos os seus últimos
desenhos.
F. Cleto e Pina
- 30OUT2010
- NS - Diário de Notícias / Jornal de Notícias
PARLATÓRiO
¨Em
minha opinião, a ficção científica é inspiradora, e aponta em direcções muito
interessantes. Isto é, orienta-nos para dimensões eventuais. Graças à nossa
imaginação, podemos tentar outras oportunidades, tomar opções distintas. Por
tendência, ficamos presos a escolhas limitadas. Pensamos: «Bom, a única
possibilidade é...» ou «Se, pelo menos...» Algo que se siga a tais suposições
elimina, de imediato, quaisquer alternativas. Torna tão básica a nossa
perspectiva, que não conseguimos ver para além do que sucede à nossa volta. O
ser humano tem tendência a não olhar para mais longe. Actualmente, porém,
sentimo-nos impelidos a ampliar o nosso raio de visão, a reparar em tudo o que
infligimos ao mundo que nos rodeia. Então, em meu entender, a ficção científica
pode tornar-se significativa, e relevante. Não me parece que, apenas, escrever
um livro como Admirável Mundo Novo, ou como 1984, evite que as coisas ali tratadas acabem por ocorrer. Mas
considero que esses testemunhos, especulativos, tornam menos provável que assim
aconteça. Em suma, ganhamos consciência de que, porventura, se está a correr o
risco de que possam tornar-se realidade.
Frank Herbert
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