domingo, março 01, 2015

IMAGINÁRiO #544

José de Matos-Cruz | 24 Dezembro 2015 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004
  
PRONTUÁRiO
 
CONVERGÊNCIAS

Um dos problemas mais interessantes que se colocam na arte em quadradinhos, é a relação entre os autores, quando a criatividade é partilhada por um argumentista e por um ilustrador. Aquele interroga-se, inevitavelmente: que resolução gráfica irá ter esta ideia? Qual será o aspecto das personagens? O segundo também terá questões a pôr: como imaginaria ele esta acção? Onde pretenderia inserir estes diálogos? É por isso que interessa que se conheçam bem, discutam projectos ou opções, mas sobretudo que possuam estilos conciliáveis e, ainda melhor, pretendam testemunhos com idêntica eficácia e direcção. Em circunstâncias extremas, nem assim seria possível uma conversão. Sem especiais escrúpulos ou obsessões, eis o que sucede - sempre na perspectiva de Art Spiegelman - com Maus (1980-1991), e explica o fenómeno do seu sucesso, das análises e interpretações que suscitou. Mas não é uma situação só de agora, reconhece o artista, ou apenas sua. Vejam-se um exemplo clássico como George Herriman, ou Chris Ware, que considera um dos melhores cartoonistas actuais. São inconfundíveis, e isso acaba por fundamentar o seu prestígio.

        
VISTORiA

A Fêmea da Espécie

¨Se o camponês do Himalaia encontra um urso feroz,
ele grita para o monstro, de modo a baixar-lhe o facho;
mas a ursa fêmea, acossada, mostra as garras, mostra os dentes,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.

Quando Nag, a cobra, astuto, ouve passos descuidosos,
se arrasta às vezes, de lado, evitando algum empacho;
mas a sua companheira não se arreda do caminho,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.

Quando os Jesuítas pregaram para os Hurons e os Choctaws,
rezavam por não ser presas do feminino penacho,
que elas – e não os guerreiros – é que os faziam tremer,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.
 
O peito tímido do Homem explode sem dizer nada,
pois da Mulher por Deus dada não se dispõe com despacho,
mas a história do marido confirma a do caçador –
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.

O Homem, urso em muitos casos, verme ou selvagem em outros,
propõe negociações e reconhece o contrato;
só muito raro é que torce a lógica da evidência
até a extrema conclusão, num imperdoável ato.

Medo ou tolice é que o impelem, antes de punir os maus,
a dar julgamento justo ao vilão mais irreflexo.
O júbilo aplaca-lhe a ira; dúvida e pena não raro
pasmam-no em muitas questões – para o escândalo do Sexo!

Mas a Mulher por Deus dada cada fibra de seu corpo
numa questão só aplica, de ânimo aceso em fogacho;
e por concluir a questão, prevendo falhas futuras,
a fêmea da espécie tem de ser mais mortal que o macho.

Quem Morte e tortura enfrenta pelos que tem junto ao seio,
não a detêm pena ou dúvida – não se curva a fato ou piada.
Isso é diversão para homens, de que a honra dela não pende;
Ela, a Outra Lei que nós temos, é aquela Lei e mais nada!

Ela não pode dar vida para além do que a engrandece,
como a Mãe do Infante ou como Companheira do seu Par;
e quando, faltando Infante e Homem, clama o seu direito
de femme (ou barão), é o mesmo o equipamento a empregar.

Com convicções é casada, pois faltam laços maiores;
suas rusgas são seus filhos, e ai de quem disso se esquece!
Não terá frios debates, mas pronta, desperta, instante,
a guerrear por esposo e filho, a fêmea da espécie.

Sem provocações e ameaças, a fêmea do urso assim briga;
e com a fala que envenena e rói, a cobra sem dó;
e vivisseção científica do nervo até que ele seque,
e de dor se estorça a vítima – como com o Jesuíta a squaw!

Assim é que o Homem, covarde, quando se ajunta em concílio
com seus bravos companheiros, para ela um lugar não rende
onde, em guerra com a Consciência e a Vida, levanta as mãos
a um Deus de abstrata justiça – que mulher alguma entende.

O Homem sabe! E sabe mais: que a Mulher que Deus lhe deu
deve ordenar sem impor-se, sem obrigá-lo ao agacho;
e Ela sabe, pois o avisa, e Seus instintos não falham,
que a fêmea da Sua espécie é mais mortal do que o macho!
Rudyard Kipling
- Tradução de Renato Suttana

TRAJECTÓRiA

FERNANDO LOPES – ORIGENS 
¸Dois títulos essenciais do Novo Cinema português, Belarmino (1964) e Uma Abelha Na Chuva (1971) são obras-primas realizadas por Fernando Lopes em períodos determinantes, e representativas de outras tantas abrangências sobre o ser humano e o seu universo vivencial.
Graças ao entusiasmo tutelar de António da Cunha Telles, o seu produtor, Belarmino assinala – em virtualidades estéticas e testemunhatórias – a convergência de cinco personalidades essenciais: Lopes como realizador; Baptista-Bastos pela entrevista, Augusto Cabrita na imagem, Manuel Jorge Veloso ao musicar, Belarmino Fragoso em protagonista. Sob a aparência linear de um documentário, transgredido já pelo desempenho do titular, seus reflexos e contradições, patenteia-se um projecto múltiplo, complexo, na abrangência das implicações quanto à realidade envolvente.
Assim, paralelamente à história de Belarmino, em causa ou mitificada, também Lisboa se contrasta – uma cidade no tempo e na acção, suas crises, tensões, ameaças e desafios. Com ele ídolo ou herói, cúmplice ou vítima. Cabeça de cartaz ou vulto anónimo. Tal dinâmica sobre o presente, tal dialéctica sobre o passado – pelos padrões de 1963, quando se filmou com quatrocentos contos – logo tiveram realce promocional: «Na multidão, um campeão destruído» revelava, pois, que era «urgente respeitar todos os homens». Expressão dramática, entre a matéria humana e a natureza urbana.
Cinco anos depois, Fernando Lopes iniciou a rodagem de Uma Abelha Na Chuva, em 1968. À partida, tudo parecia contrastante: ao deambulatório testemunho lisboeta, pelo recorte original duma figura típica, sucedeu a transposição do romance de Carlos de Oliveira, sobre imobilistas figuras rurais. Mais se distinguiriam, pela perfeita correspondência – em moldes conceptuais e estéticos – entre as crispações ou transes patentes no primeiro, e as tensões ou conflitos agora latentes. Com orçamento de oitocentos contos, «grande número de pessoas» colaborou monetariamente.
Pouco propenso a adaptações literárias, Lopes atraiu-se por várias «personagens e até um certo clima», recebendo inteira autonomia do autor original. Confrontando uma comunidade – através dos paradoxos sociais, dos exílios em que cada ser humano se aliena ou refugia. A produção coube à Média Filmes, reclamando Lopes uma leitura crítica – entre pesquisas e acertos – tendente «à criação dum novo código, articulado em termos áudio-visuais». Tal referencia Uma Abelha Na Chuva – expoente histórico e prospectivo, quanto à criatividade e como reflexão sobre o próprio cinema.
                        
CALENDÁRiO

04DEZ2014 - Em Lisboa, Opus 14 expõe Esboços de Uma Cidade de Pedro Cabral, João Catarino, Mónica Cid, Mário Linhares e José Louro, membros do colectivo Urban Sketchers Portugal. IMAG.393

05-07DEZ2014 - Em Matosinhos, Exponor apresenta Comic Con Portugal - megaevento cultural promovido por City, incluindo banda desenhada, cinema, televisão, videojogos, cosplay, anime e mangà.

MEMÓRiA

¯ 28DEZ1775-1842 - João Domingos Bomtempo: Compositor e pianista português, autor da Missa de Requiem à Memória de Camões (França, 1818), de Missa Pro Defunctis e de Variações «Alessandro In Éfeso», pedagogo, fundador e primeiro director do Conservatório Nacional (1835). IMAG.40-64-383-513

¸ 28DEZ1935-2012 - Fernando Lopes: Realizador português, entre os vultos do Novo Cinema - «Gostava de imaginar que, passadas muitas décadas, haveria espectadores a descobrir os seus filmes. Não por qualquer necessidade de reconhecimento, muito menos de consagração. Antes porque ele esperava que esses mesmos espectadores pudessem, de algum modo, revisitar o tempo em que cada filme tinha sido rodado» (João Lopes). IMAG.19-63-111-203-219-261-276-278-314-345-399-408-433-521
 
¨ 30DEZ1865-1936 - Rudyard Kipling: Escritor britânico, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1907) - «A mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso uma mulher extremamente sábia, para dominar um idiota». IMAG.229-339

¨ 1899-31DEZ1985 - João de Araújo Correia: Escritor português, médico e professor - «A primeira canção que ouvi / Foi a da água, / Que jorrava / Clara mágoa / No tanque onde bebiam, ao escurecer / Os animais cansados de sofrer.» (Lira Familiar). IMAG.349
     
ANTIQUÁRiO


¸ 28DEZ1895 - Nas caves do Grand Café do Boulevard des Capucines, em Paris, perante umas três dezenas de pessoas, tem lugar a primeira sessão pública, paga, do Cinématographe de Auguste e Louis Lumière; aí se viram, entre outros, La Sortie des Usines, Arrivé d’un Train à la Ciotat e L’Arroseur Arrosé. IMAG.64-163-181-504

¨ 29DEZ1865 - O livreiro-editor Campos Junior dá à estampa, em volume impresso, A Queda de Um Anjo, «romance político» de Camilo Castelo Branco (1825-1890), «uma sátira pungente a algumas cenas da vida parlamentar» (Diário de Notícias).  IMAG.27-31-41-87-111-113-145-146-161-171-179-180-185-209-227-236-237-244-256-277-293-328-334-389-390-414-421-432-453-497-507-520-529-534

30DEZ1865 - Em Portugal, recebem os diplomas de sócios do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil: Levy Maria Jordão (1831-1875), como correspondente; Alexandre Herculano (1810-1877) e Luiz Augusto Rebello da Silva (1822-1871), como honorários. IMAG.11-13-31-38-95-146-199-205-220-258-268-269-309-312-321-325-338-342-364-370-384-399-412-416-430-489-519-541
        
BREVIÁRiO

Bertrand edita Maus de Art Spiegelman. IMAG.7-12-27-124-342

¯Harmonia Mundi edita em CD, Joseph Haydn [1732-1809]: Die Sieben Leftzen Worte Unseres Erlősers am Kreuze por Cuarteto Casals. IMAG.40-219-228-240-269-271-272-273-275-276-282-285-295-296-322-349-365-407-440-472

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