quinta-feira, março 05, 2015

IMAGINÁRiO #545

José de Matos-Cruz | 01 Janeiro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FIDELIDADES
Há uns quinze anos, Donald Duck ficava duplamente órfão, com a morte de Carl Barks (1901-2000), em Oregon (EUA). Por uma estranha coerência, que entre os mais velhos significa fidelidade, o pai adoptivo de Donald emancipara-o, faz agora meio século, quando faleceu o seu criador público, Walt Disney (1901-1966). Antes, Barks foi carpinteiro, metalúrgico, cowboy, tipógrafo e… trabalhou num aviário! Deram-lhe continuidade outros artistas talvez mais inventivos, mas bem menos originais. Donald Duck nasceu no grande ecrã, em The Wise Little Hen (1934), cedendo-lhe voz Clarence Nash. E como herói de papel na mesma altura, com a adaptação em quadradinhos do filme curto animado; em 1937, era já titular de uma revista. Em português, apareceu através do Brasil - em 1950, a editora Abril lançou O Pato Donald, nessa altura com as autênticas aventuras sob chancela Disney; as proezas apócrifas vieram depois. A rebaptizada Margarida, sua noiva eterna, surgira na América em 1937; quanto ao resto da família, os sobrinhos Huguinho, Luisinho e Zezinho iniciaram diabruras no ano seguinte. Testemunham as memórias de Carl Barks: «A princípio, pretendi apenas divertir. Mas, à medida que as personagens ganharam vida própria, cada uma passou a ter uma filosofia especial». IMAG.7-8-31-298-391-463-470
                                                                  

CALENDÁRiO

¸04DEZ2014 - Midas Filmes estreia Cavalo Dinheiro de Pedro Costa; com Ventura e Vitalina Varela. IMAG.31-65-115-120-279-363

¸04DEZ2014 - NOS Audiovisuais estreia Famel Top Secret de Jorge Monte Real; com Pedro Anjos e Merche Romero.

¸04DEZ2014 - Leopardo Filmes estreia Variações de Casanova / The Casanova Variations de Michael Sturminger; com John Malkovich e Veronika Ferres.

06DEZ2014-06ABR2015 - Em Lisboa, Pavilhão dos Descobrimentos expõe Os Arquitectos São Poetas Também; sobre Cottinelli Telmo (1897-1948), sendo comissário João Paulo Martins. IMAG.78-94-95-115-130-154-164-180-222

¢11DEZ2014-12ABR2015 - Em Cascais, Casa das Histórias Paula Rego expõe Paródias - Paula Rego /Rafael Bordalo Pinheiro [1846-1905]. IMAG.11-13-22-31-32-43-59-77-98-115-197-199-205-208-236-242-246-258-269-304-325-342-351-357-364-365-370-381-399-416--464-486-489-499-515-517-518
            
MEMÓRiA

¸02JAN1896-1954 - Denis Abramovich Kaufman, aliás Dziga Vertov: Cineasta russo - «Eu, cine-olho, crio um homem muito mais perfeito do que aquele que criou Adão, crio milhares de homens diferentes segundo desenhos distintos e esquemas pré-estabelecidos. Eu sou o cine-olho. Tomo os braços de um, mais fortes e hábeis, tomo as pernas de outro, melhor construídas e mais velozes, a cabeça de um terceiro, mais bonita e expressiva e, pela montagem, crio um homem novo, um homem perfeito» (A Revolução dos Kinoks - 1923, excerto). IMAG.250-454

¨1883-02JAN1936 - Leonardo Coimbra: Filósofo, pedagogo e político português - «A ciência anula a criação, mutila a vida, dispersa, fragmenta, reduz a categorias teóricas. A vida permanece, evolui, quebra os símbolos e, senhora da ciência, ajusta-a de novo ao real. A poesia é o impulso do ser, sentido, vivido no ritmo do indivíduo. Dionisios criando Apolo» (Illustração Portuguesa - 1909). IMAG.224-252-448

¨03JAN106 aC-43 aC - Marcus Tullius Cicero, aliás Cícero: Filósofo, escritor e orador romano - «Fica sabendo que és um deus, se é deus aquele que possui força, sentimento e memória, que prevê e que domina, modera e faz mover este corpo ao qual está ligado» (Da República). IMAG.445-521

¨1917-07JAN1986 - Juan Nepomuceno Carlos Pérez Rulfo Vizcaíno, aliás Juan Rulfo: Escritor mexicano - «Vivi, portanto, numa zona devastada. Não apenas de devassidão humana, mas de devassidão geográfica» (Los Muertos No Tienen Ni Tiempo Ni Espacio). IMAG.66-83-339

GALERiA

Cottinelli Telmo - Os Arquitectos São Poetas Também
José Ângelo Cottinelli Telmo, arquitecto, cineasta, poeta, autor de banda desenhada, fotógrafo, ilustrador e músico, foi uma personalidade marcante da cultura portuguesa na primeira metade do Século XX. Figura associada à arquitetura do Estado Novo e da CP, começou por ser conhecido como ilustrador e autor de banda desenhada. Inaugurou o género de comédia com A Canção de Lisboa (1933), o primeiro filme sonoro inteiramente rodado em Portugal.
Em 1940, Cottinelli Telmo foi o arquiteto-chefe da Exposição do Mundo Português. São seus os planos da Praça do Império e da sua Fonte Monumental, e o do Padrão dos Descobrimentos. Os desenhos do monumento foram agora restaurados, com o objetivo de integrar a exposição e de serem preservados.




VISTORiA

A Mulher Era o Mistério
¨Quando, colegial numa verde cidade provinciana, saía aos domingos a passeio e acontecia atravessar as ruas da cidade, era um rumor de asas, que, dentro em mim, se abriam ao olhar os afastados vultos femininos, recortando a luz das janelas. Eram primaveras de ignorados mundos a lançarem sobre mim misteriosos perfumes, tépidos segredos, orgias inocentes, bacanais castíssimas; e o corpo, em jeitos de alma, evocava castelos à beira-rio, jardins sobre terraços ao crepúsculo, ânforas de água carregando pajens, brancos jasmins esparsos, todo um mundo de brandura, enlevo, afago, devoções, renovados encantos de novas harmonias.
Leonardo Coimbra
- A Alegria, a Dor e a Graça
(1920)

A Terra Que Nos Deram
¨Depois de caminhar tantas horas sem encontrar nem uma sombra de árvore, nem uma raiz de nada, ouve-se o ladrar dos cachorros.
A gente às vezes chegava a pensar, no meio deste caminho sem margens, que nada existiria depois; que não se poderia encontrar nada, ao final desta planura rajada de gretas e de arroios secos. Mas sim, existe algo. Há um povoado. Ouve-se o ladrar dos cachorros e sente-se no ar o cheiro da fumaça, e se saboreia esse perfume das pessoas como se fora uma esperança.
Mas o povoado está ainda muito lá adiante. É o vento que o aproxima.
Estamos caminhando desde o amanhecer. Agorinha é por volta das quatro da tarde. Alguém se vira para o céu, estira os olhos até onde está dependurado o sol e diz:
– São mais ou menos as quatro da tarde.
Esse alguém é Militão. Junto com ele, vamos Faustino, Estevão e eu. Somos quatro. Eu nos conto: dois adiante, outros dois atrás. Olho mais atrás e não vejo ninguém. Então me digo: «Somos quatro». Não faz muito, lá pelas onze, éramos vinte e tantos, mas aos pouquinhos foram se dispersando até não restar nada mais que este punhado que somos nós.
Faustino diz:
– É capaz que chova.
Todos levantamos a cara e miramos uma nuvem negra e pesada que passa por cima de nossas cabeças. E pensamos «É capaz, sim».
Não dizemos o que pensamos. Já faz tempo que se acabou nossa vontade de falar. Acabou-se com o calor. Qualquer um conversaria muito à vontade em outra parte, mas aqui dá trabalho. A gente conversa aqui e as palavras se esquentam na boca com o calor de fora, e ressecam a língua da gente até que acabam com o fôlego. As coisas aqui são assim. Por isso ninguém está para conversas.
Cai uma gota d'água, grande, gorda, fazendo um furo na terra e deixando uma pasta como de uma cusparada. Cai só ela. Esperamos que continuem caindo outras e as buscamos com os olhos. Mas não há mais nenhuma. Não chove. Agora, se a gente olha o céu, vê a nuvem escura correndo lá longe, a toda pressa. O vento que vem do povoado se encosta nela, empurrando-a contra as sombras azuis dos morros. E a gota caída por engano, esta a terra come e desaparece com ela em sua sede.
Quem diabos faria este llano tão grande? Para que serve, hein?
Voltamos a caminhar, havíamos parado para ver chover. Não choveu. Agora tornamos a caminhar. E a mim me ocorre que temos caminhado mais do que temos andado. Ocorre-me isto. Tivesse chovido talvez me ocorressem outras coisas. Afinal eu sei que, desde que eu era garoto, nunca vi chover sobre o llano o que se chama chover.
Não, o llano não é coisa que sirva. Não há coelhos, nem pássaros. Não há nada. A não ser uns quantos arbustos enfezados e uma que outra manchinha de carrapicho com as folhas enroscadas, a não ser isso não há nada.
E por aqui nos vamos nós. Os quatro a pé. Antes andávamos a cavalo e trazíamos uma carabina terçada. Agora não trazemos nem sequer a carabina.
Juan Rulfo
- O Llano Em Llamas (excerto
- Tradução de Eglê Malheiros)

ANTIQUÁRiO

¯ 01JAN1856 - Na freguesia da Graça, em Lisboa, D. Maria de Abranches funda o Convento das Mónicas, da Ordem das Religiosas de Santo Agostinho.

ü03JAN1786 - Naufraga em Peniche, a leste de Papôa, o galeão espanhol San Pedro, procedente da América e com um carregamento de dinheiros do Estado, na quantia de setenta e dois milhões de cruzados, que ficaram sepultados nas profundezas do mar.
 
BREVIÁRiO

¨Sextante edita Passagens de Teolinda Gersão. IMAG.372-384

¯Warner edita em CD, sob chancela Elektra, Weird Scenes Inside the Gold Mine por The Doors. IMAG.173-202-446

¨Dom Quixote edita Os Memoráveis de Lídia Jorge. IMAG.16-144-187-286-314-373-536-540


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