sexta-feira, janeiro 22, 2016

IMAGINÁRiO #593

 José de Matos-Cruz | 01 Janeiro 2017 | Edição Kafre | Ano XIV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
 
PRIMÓRDIOS
A coisa pior e mais certa que se comentou sobre os primórdios de Bryan Singer, é que se tratou de um cruzamento entre Woody Allen e Quentin Tarantino. Essa mutação brotaria num filme insólito, fenomenal - Os Suspeitos do Costume / The Usual Suspects (1995). Mas o realizador de X-Men (2000) já tivera Public Access (1992), e lá está a matriz essencial de um cineasta que, com ironia e inteligência, explora um imaginário subtilmente perverso, nos estigmas entre o bem e o mal, enquadrados pelo padrão psicológico de cada personagem distorcida; estilhaçando tais referências sob as pulsações de uma intriga insinuante e fatídica. Ao assinar a sua terceira longa metragem, as características em causa encontraram um protagonista excepcional em Ian McKellen, que contra os X-Men assumiu Magneto, a trágica nemésis dos super-heróis. 
Começando a filmar em adolescente, com uma câmara de 8 mm, Singer estudou na School of Visual Arts em Nova Iorque, prosseguindo a sua aprendizagem na University of South California de Los Angeles, revelando-se com a curta metragem Lion’s Dead (1988). Public Access distinguiu Singer com o Grande Prémio do Júri no Sundance Film Festival, mas a consagração chegaria com Os Suspeitos do Costume: Oscars para os Melhores Actor Secundário (Kevin Spacey) e Argumento Original (Christopher McQuarrie) - manipulando uma acção equívoca, surpreendente, estilizada por Singer com olhar brutal, fascinador, quanto às (ex)tensões do thriller no cinema independente. IMAG.109

CALENDÁRiO
 
¢SET-31DEZ2015 - Em Lisboa, Galeria São Roque Too expõe António Costa Pinheiro [1932-2015] - O Pintor Por Ele-Mesmo, sendo comissário Bernardo Pinto de Almeida. IMAG.239-312-486-569-590

¸17OUT2015-30ABR2016 - Em Vila Franca de Xira, Museu do Neo-Realismo expõe Manuel Guimarães [1915-1975], Sonhador Indómito, sendo curadora Leonor Areal. IMAG.47-74-86-131-137-150-223-334-347-500-521-527-548-572

O31OUT2015-23JAN2016 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação Luís I apresenta D. Luís de Portugal - Perspectivas; ciclo de Conferências / Concerto sobre El-Rei D. Luís I (1838-1889). IMAG.200-247-368-531
 
¸1933-01NOV2015 - José Fonseca e Costa: Cineasta português, realizador e produtor - «A burocracia mata a criatividade. A criatividade devia matar a burocracia, a criatividade somos nós» (2014). IMAG.63-77-117-126-158-192-223-334-508

¢02NOV-19DEZ2015 - Em Lisboa, Casa da Liberdade - Mário Cesariny apresenta Artur Bual [1926-1999] - Exposição Retrospectiva (1940-1999).
  
PARLATÓRiO

¨A caridade é isto: é este condescender incessante com todos os apelos; é esta concorrência ofegante e apressada a todos os chamamentos! E a sua influência são amanhã as enfermidades saradas, os pobres consolados, e as tristezas sem dor… Deixem-me alevantar o espírito neste país que talhou a pique as suas formas esculturais, e recortou, como de pólo a pólo, as suas feições gigantescas n’uma montanha imensa, que atira com a sua testa para o meio das nuvens para que as estrelas lhe emoldurem lá em cima tiara esplêndida, e cá em baixo assenta as suas bases n’um mundo imenso, onde Alexandre d’Humbold, sábio imenso como ele, viu, à luz poderosa da sua presciência enorme, o empório da civilização futura!
Vieira de Castro
- Discurso Sobre a Caridade (excerto)
- Recitado no Salão do Theatro Lyrico do Rio de Janeiro, em 26JAN1867


TRAJECTÓRiA

João Gaspar Simões
¨ Escritor, ensaísta, crítico literário e jornalista português nascido a 25 de Fevereiro de 1903, na Figueira da Foz, e falecido a 6 de Janeiro de 1987, em Lisboa. Enquanto cursava Direito em Coimbra, colaborou com José Régio e Branquinho da Fonseca, participando, em 1927, na fundação da revista Presença, aí se revelando como crítico literário especialmente atento aos valores intrínsecos da obra literária na sua conexão, com eixos biográficos e geracionais. Foi também bibliotecário na Biblioteca da Imprensa Nacional, em Lisboa. Como outros críticos da Presença, pertence-lhe o mérito de ter divulgado o primeiro modernismo, tendo, com Luís de Montalvor, editado as Obras Completas, de Fernando Pessoa (Ática, 1942-45) e publicado uma biografia exaustiva sobre o autor de Mensagem, umas e outra responsáveis, de modo diverso, pela difusão da estética pessoana junto de gerações posteriores ao Orpheu, e, muito especialmente, junto da geração de 50. Tendo, entre os anos 30 e 70, marcado a história da crítica literária em Portugal, por uma metodologia especialmente atenta à análise da obra literária na sua interdependência com o percurso biográfico e geracional dos autores abordados, de que se destaca como modelares as obras Eça de Queirós, o Homem e o Artista (1945) e Vida e Obra de Fernando Pessoa (1950), exerceu a crítica literária de modo sistemático nas páginas de publicações periódicas como Diário de Lisboa, Diário Popular, Primeiro de Janeiro, Mundo Literário, Diário de Notícias, Átomo, entre outras. No domínio da criação literária, tentado pelo teatro, com cinco peças de factura pouco inovadora, distinguiu-se essencialmente como romancista, tendo-se, com a publicação de Elói, afirmado como representante, em Portugal, de um romance de cunho introspectivo e psicologista. Desenvolveu ainda uma vastíssima actividade como tradutor, tendo vertido para português autores como Balzac, Bernanos, Charlotte Brontë, Caldwell, Jean Cocteau, Diderot, Dostoievski, Gogol, Aldous Huxley, Joyce, Kafka, D. H. Lawrence, Thomas Mann, Merimée, Tchekov, Tolstoi, Turguenev, Oscar Wilde, Voltaire ou Zola.
http://www.infopedia.pt/$joao-gaspar-simoes

VISTORiA
 
¨ Em Juvenal, a inteligência dava-lhe para aquilo: para se negar, para se complicar, para se dissolver por dentro. Assim, inútil pensar em viver. Para viver há que fechar os olhos e parecer cego. Para amar também.
João Gaspar Simões
- Pântano (1940 - excerto)
MEMÓRiA

¯1666-02JAN1747 - Jean-Féry Rebel: Compositor e violinista francês, ao estilo barroco, autor de Les Éléments (1737). IMAG.294-559

¨ 02JAN1837-1872 - José Cardoso Vieira de Castro: Escritor e político português - «Um dirigente académico com alguma importância; um jornalista menor; um escritor sem talento; um político sem poder; um criminoso e um degredado» (Vasco Pulido Valente - Glória). IMAG.389

¨ 1903-06JAN1987 - João Gaspar Simões: Escritor e ensaísta português, biógrafo e crítico literário - «Tudo o que tenho dito sobre o romance acaba na mesma trivialidade: não há romance onde não houver imaginação psicológica».  IMAG.128-131-191-203-502
       

INVENTÁRiO

Vieira de Castro
¨ No dia 7 de Maio de 1870, a tragédia aproxima-se, quando, julgando confirmadas as suas suspeitas de infidelidade da sua esposa, com o sobrinho de Almeida Garrett, acaba por assassinar a sua jovem esposa, quando esta dormia, usando para isso, uma almofada com clorofórmio.
No dia seguinte entregou-se às autoridades, confessando o crime. Em 1871, é julgado, partindo para Angola, a fim de cumprir a pena de 10 anos de degredo, vindo a falecer nos arredores de Luanda em 5 de Outubro de 1872, com apenas 36 anos de idade.
Miguel Monteiro
- José Cardoso Vieira de Castro (excerto)
¸Revelando-se com O Recado (1971), após notável experiência pela via documental, José Fonseca e Costa voltou às longas metragens, para exorcizar Os Demónios de Alcácer-Kibir (1975). A produção coube à Tobis Portuguesa - com a participação do Centro Português de Cinema / CPC - executada por Artur Semedo, também protagonista, e coordenada por Paulo de Morais. António H. Escudeiro dirigiu a fotografia em exteriores no Alentejo, e nos estúdios da Tobis Portuguesa - decorados por Madalena & Fernando Pinto Coelho e Jasmim de Matos - de que se manteve o som directo. Também argumentista, com a colaboração de Augusto Sobral, Fonseca e Costa sagra uma visão épica / simbólica de Portugal contra os fantasmas do passado, sobre as vitórias a conquistar de arma na mão. No elenco, destacam-se António Beringela, Ana Zanatti, Sérgio Godinho, Luís Barradas e João Guedes. Os Demónios de Alcácer-Kibir estreou no Quarteto, em 1977, tendo Fonseca e Costa reivindicado uma reflexão «sobre o fim do Império, sem parecer que o faça. Há sinais básicos - como o mito de Dom Sebastião, a independência nacional… É como se, de certa forma, se advertissem as pessoas de que podemos perdê-la de novo. A maior parte dos textos são resultado de leituras da História Trágico-Marítima, d’A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, da História de Portugal de Oliveira Martins. Em minha opinião, só poderá ser bem compreendido em Portugal e por Portugueses, ou então por gente do Terceiro Mundo».
 
BREVIÁRiO
 
Na série Astérix o Gaulês de René Gosciny & Albert Uderzo, Asa edita O Papiro de César de Jean-Yves Ferri e Didier Conrad. IMAG.2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136-179-206-245-248-275-290-342-356-390-406-418-431-453-504-574


sexta-feira, janeiro 15, 2016

IMAGINÁRiO #592

José de Matos-Cruz | 24 Dezembro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
 
CELEBRAÇÕES
Por finais de Novembro, o coração das crianças começa a bater mais forte, e no rosto dos adultos desenha-se um sorriso de candura. Enfim, após umas semanas de ansiedade, chega a noite especial, e está tudo preparado para a grande festa - que se celebra a 25 de Dezembro - e para receber quem todos esperaram ao longo do ano… Imaginem, agora, a realidade desta fascinante fantasia - alguém que exista mesmo e não seja um mero símbolo, com barbas brancas e trajando de vermelho! Eis a proposta de Bom Dia, Menino Pai Natal / Bonjour, Petit Pére Noel (2000) - na alegre e adorável concepção de Lewis Trondheim, para a ilustração ágil e alusiva de Thierry Robin.
Cada página deste álbum colorido, divertido, é outra faceta de um universo mágico que, da infância, se estiliza em banda desenhada sob os auspícios da escola franco-belga. Mas, até o Pai Natal tem os seus problemas: calculem que não pode fabricar mais brinquedos, por falta de combustível - o vulgar lixo que cada um de nós vai deitando fora, e assim reciclado em salvaguarda da mãe Natureza. Ora, não se apoquentem os mais pequeninos, pois há sempre resíduos urbanos para tratar, e o Pai Natal põe em cada aventura um final feliz!


VISTORiA

De Vuelta a Casa

¨ Desde mi cielo a despedirme llegas
fino orvallo que lentamente bañas
los robledos que visten las montañas
de mi tierra, y los maíces de sus vegas.

Compadeciendo mi secura, riegas
montes y valles, los de mis entrañas,
y con tu bruma el horizonte empañas
de mi sino, y así en la fe me anegas.

Madre Vizcaya, voy desde tus brazos
verdes, jugosos, a Castilla enjuta,
donde fieles me aguardan los abrazos

de costumbre, que el hombre no disfruta
de libertad si no es preso en los lazos
de amor, compañero de la ruta.
Miguel de Unamuno

Legenda Para a Vida de Um Vagabundo

¨Nasci vagabundo em qualquer país,
minhas fronteiras são as do mundo.
Esta sina vem-me no sangue:
não me fartar! Um desejo morto,
mais de dez a matar.

O caminho é longo!…
― Mas nada é longe e distante
quando se quer realmente…
E nunca o cansaço é tão grande
que um passo mais se não possa dar.
Joaquim Namorado
- Antologia de Poetas Alentejanos
 
¨Quem não tem razão é sempre insolente o bastante para apoquentar a paciência de quem tem razão. A razão ferve em pouca água, a ausência de razão aventa sempre uma aparência de descuido frívolo e orgulhoso. Quem tem boas e apaixonadas intenções (Kraus) sucumbe sempre às mãos de quem (eu, portanto) não preza tanto o que é bom e útil. Eu triunfo porque fico ainda deitado na cama… São-me infinitamente simpáticas as pessoas que se zangam… O indignado tem sempre de ser confrontado pelo pecador, caso contrário falta alguma coisa.
Robert Walser
- Jakob von Gunten - Um Diário
(1909 – excerto - Tradução de Isabel Castro Silva)
CALENDÁRiO
 
¸1920-24OUT2015 - Maureen FitzSimons, aliás Maureen O’Hara: Actriz e cantora americana, de origem irlandesa - «Os seus papéis foram sempre de grandeza humana, de firmeza absoluta, marcada nuns olhos de constante espanto» (Inês Lourenço). IMAG.114

MEMÓRiA

¨ 1878-25DEZ1956 - Robert Walser: Escritor suíço de língua alemã - «Quando estamos assim, sem nada que fazer, pressentimos subitamente quão dolorosa pode ser a existência. A energia dispendida a fazer alguma coisa não é nada quando comparada à energia de nada fazer e ainda assim ter de manter a postura». IMAG.200-376

¯1933-25DEZ2006 - James Joseph Brown Jr., aliás James Brown, aliás Mr. Dynamite: Cantor americano, precursor da música funk - «O cabelo é a primeira coisa importante. Os dentes, a segunda. Os cabelos e dentes. Um homem tem essas duas coisas como deve ser, pode considerar-se que ele possui tudo aquilo de que precisa para ter sucesso». IMAG.57-90-125-328

®1881-22DEZ1926 - André Francisco Brun, aliás André Brun: Escritor português, ficcionista e dramaturgo - «Para se desenhar em termos um acto heróico, é preciso pelo menos um recuo de duzentos quilómetros… De perto, a heroicidade confunde-se com coisas que de heróico não têm a mínima parcela.» (A Malta das Trincheiras - Migalhas da Grande Guerra: 1917-1918). IMAG.327-339-416

¨ 1875-29DEZ1926 - Reiner Maria Rilke: Poeta alemão - «Ser amado é consumir-se na chama. Amar, é luzir com uma luz inesgotável. Ser amado é passar; amar é durar.» (Cadernos de Malte Laurids Brigge). IMAG.102-112-541

­ 1889-29DEZ1946 - Abel de Lima Salazar, aliás Abel Salazar: Médico português, investigador e professor, artista plástico - «Um médico que só sabe medicina, nem medicina sabe!» (Instituto de Biomédicas do Porto). IMAG.101-112-304-488-553

¸ 1932-29DEZ1986 - Andrei Arsenyevich Tarkovski, aliás Andrei Tarkovski: Cineasta soviético - «A questão da vanguarda é peculiar ao Século XX, à época em que a arte vem, progressivamente, perdendo a sua espiritualidade. A situação é ainda pior nas artes visuais, que hoje estão quase inteiramente privadas de espiritualidade». IMAG.32-112-383-470

¨ 1914-29DEZ1986 - Joaquim Vitorino Namorado, aliás Joaquim Namorado: Poeta português, membro do grupo neo-realista de Coimbra - «Então / os teus versos estarão na primeira fila dos pioneiros / cobertos de cicatrizes / porque fizeram todo o caminho do tempo / multiplicados por milhões de vozes / pela alta potência dos alto-falantes / como uma bandeira erguida / sobre os anos futuros.» (Poeta - excerto). IMAG.472

¨ 1864-31DEZ1936 - Miguel de Unamuno y Jugo, aliás Miguel de Unamuno: Escritor e filósofo espanhol - «O céu da fama não é muito grande e, quantos mais ali entrarem, menos fica para cada um deles». IMAG.112-226-382-484
         
COMENTÁRiO
 
¨ Toda a arte é pela arte e toda a arte é humana; depende isso do sentido que se queira ligar às frases, as quais só por si nada significam. Se alguém diz que lhe não interessa a arte quando ela não tem por tema um caso social, esse alguém diz uma coisa com sentido, que tem um legítimo direito de afirmar; mas se esse alguém diz que toda a arte deve ser social, ou que a arte não deve ser senão social ou humana, faz então uma afirmação puramente gratuita, vazia de sentido e absolutamente estéril.
Abel Salazar
- Que É a Arte? (1940 - excerto)
PARLATÓRiO
 
¸ Se tentarmos agradar ao público, aceitando acriticamente as suas preferências, isso significará apenas que não temos respeito algum por ele, que só queremos o seu dinheiro. Em vez de educarmos o espectador através de obras de arte inspiradoras, estaremos apenas a ensinar o artista a garantir o seu lucro. Por sua parte, o público ― satisfeito com aquilo que lhe dá prazer ― continuará firme na convicção de estar certo, uma convicção no mais das vezes sem fundamento. Deixar de desenvolver a capacidade crítica do público equivale a tratá-lo com total indiferença.
Andrei Tarkovski
¯ A minha obra Funky [1997] é sobre injustiças, sobre as coisas que se tornam erradas, como as crianças esfomeadas que vão para a escola tentando aprender. Funky é sobre o que faz as pessoas movimentarem-se - como o gospel e o jazz.
James Brown
(2000 - à CNN)

EPISTOLÁRiO
 
Carta a Franz Kapus (1904)

+ A rapariga e a mulher, neste seu novo e próprio desenvolvimento, imitarão o jeito e os vícios dos homens e copiarão as profissões masculinas apenas por algum tempo. Uma vez vencida a insegurança destas transições, ver-se-á que esta multiplicação e constante mudança de disfarces (quantas vezes ridículos) ajudarão as mulheres a depurarem a sua natureza das influências desfiguradoras do outro sexo. As mulheres, em que a vida mora e perdura de maneira mais imediata, fértil e confiada, ter-se-ão no fundo tornado pessoas mais amadurecidas, pessoas mais humanas, quando comparadas com a leveza do homem, que é incapaz de penetrar a superfície da vida com o peso de um fruto carregado no ventre, que é demasiado petulante e precipitado para dar valor ao que julga amar. Esta humanidade da mulher, moldada pela dor e pela humilhação, será trazida à luz do dia quando ela se despir das convenções da feminilidade estrita, ao longo das metamorfoses da sua condição exterior, e os homens, que hoje não pressentem ainda esta mudança, serão surpreendidos e abalados por ela. Chegará o dia (e nos países nórdicos temos já sinais evidentes que anunciam e iluminam este dia) em que surgirão a rapariga e a mulher cujo nome já não designa nada que se oponha ao ser masculino, mas antes qualquer coisa que existe para si, qualquer coisa que não fará pensar em complemento ou limite, mas apenas na vida e na presença no mundo: o ser humano feminino.
Este progresso, contrariando de início a vontade dos homens ultrapassados, trará uma metamorfose da experiência do amor, que a mudará desde o seu fundamento até lhe dar a forma de uma relação entre um ser humano e outro ser humano, e já não entre um homem e uma mulher. E este amor mais humano (que se consumará num movimento infinitamente atencioso e discreto, e bom e claro, de prendimento e libertação) será semelhante àquele que arduamente preparamos e pelo qual lutamos, o amor de duas solidões que se protegem, delimitam e saúdam.
Rainer Maria Rilke
- Cartas a Um Jovem Poeta
(Tradução de Isabel Castro Silva)
BREVIÁRiO
 
¨Caminho edita Meu Pai, o General Sem Medo - Memórias de Iva Delgado; sobre Humberto Delgado (1906-1965). IMAG.61-436


terça-feira, janeiro 12, 2016

IMAGINÁRiO #591

José de Matos-Cruz | 16 Dezembro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
 
OUSADIAS
«A literatura infantil, os contos de fadas, estão estreitamente ligados às sensações e, sobretudo, ao medo» - referia François Truffaut nas célebres conversas sobre O Cinema de Alfred Hitchcock, tendo motivado mais um ambíguo comentário ao mestre do suspense: «Mas é esse, precisamente, o fascínio do imaginário». Tal poderia simbolizar o apelo dos clássicos sobre a banda desenhada, de que é exemplar Aprender a Ter Medo / Apprendre à Frissonner (1998) - na versão escrita e ilustrada por Pierre Lavaud, aliás Mazan, artista da Escola de Angoulême - também autor de O Alfaiatezinho Valente / Le Vaillant Petit Tailleur (1997), premiado como Melhor Álbum Juvenil no Festival de Erlangen. A partir da narrativa concebida pelos irmãos Jacob & Wilhelm Grimm, e publicada em antologia nos princípios do Século XIX, eis a saga de um jovem que, por ousadia ou inconsciência, não sabe o que é temor, indo pelo mundo em busca de emoções fortes, mas permanecendo impávido ante espectros, monstros ou fantasmas…
Sobressai a recriação irónica e fantasista, estilizada por um grafismo solto mas alusivo. IMAG.562


CALENDÁRiO
 
¢17SET-15NOV2015 - Em Lisboa, Galeria Ratton expõe O Azulejo e a Palavra de Andreas Stöklein e Pedro Proença.

16OUT2015-27FEV2016 - Em Lisboa, Museu do Dinheiro - Sede do Banco de Portugal apresenta (Re)Fundações de Lisboa - exposição sobre a estacaria da Baixa Pombalina.

¢24OUT-24NOV2015 - No Porto, Palacete dos Viscondes de Balsemão apresenta Luz Acesa Nos Bastidores - exposição de desenho de Luís Manuel Gaspar. IMAG.399-417-459-554

24OUT2015-31JAN2016 - Em Cascais, Fundação D. Luís I expõe com Adico, na Casa de Santa Maria, Homenagem à Cadeira Portuguesa.

¨13NOV2015-15FEV2016 - Em Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian expõe, em colaboração com a Fundação da Casa de Bragança e a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, D. Manuel II e os Livros de Camões, sendo curador José Augusto Cardoso Bernardes.

COROLÁRiO
 
David Levine contribuiu com cerca de 3800 desenhos para a revista The New York Review, mais de mil para a Esquire e centenas de caricaturas que encheram páginas e fizeram capas de publicações como Rolling Stone, Playboy ou The New Yorker.
30DEZ2009 - The New York Times

TRAJECTÓRiA

¨Penelope Fitzgerald é uma das vozes notáveis da ficção britânica. Autora tardia, publicou o primeiro livro, uma biografia sobre o pintor Edward Burne-Jones, em 1975, a que se seguiu, dois anos depois, o seu primeiro romance, quando já tinha sessenta anos. Depois de licenciar-se em Somerville College, Oxford, trabalhou na BBC. Durante a guerra, foi editora de um jornal literário, geriu uma livraria e ensinou em várias escolas, incluindo uma de teatro. Autora de nove romances, três dos quais - A Livraria, The Beginning of Spring e The Gate of Angels - estiveram na shortlist para o Booker Prize, Fitzgerald foi finalmente distinguida com o prémio em 1979, por Offshore. O seu último romance, A Flor Azul, o mais admirado de 1995, foi repetidamente eleito pela imprensa internacional como Livro do Ano. Ganhou ainda o Circle Award, atribuído pela America’s National Book Critics, contribuindo para que se tornasse conhecida de um público mais vasto. Reconhecida biógrafa e crítica, Penelope Fitzgerald escreveu ainda acerca da vida da poetisa Charlotte Mew e publicou a obra The Knox Brothers sobre o seu extraordinário pai - Edmund Knox, editor da revista Punch - e irmãos. Fitzgerald faleceu em Londres em Abril de 2000, aos oitenta e três anos.

VISTORiA
 
¨ O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo a que toda a gente, em seu íntimo, chama religião…
Vivemos com o baralho viciado contra nós, e depois morremos: é só isso? Nada, a não ser um sono sem sonhos e sem fim? Onde é que está a justiça nisto tudo? É desolador, brutal, impiedoso. Não deveríamos ter uma segunda oportunidade numa arena nivelada?
Assim seria, se o mundo fosse idealizado, pré-planeado, justo. Assim seria, se os que sofrem com a dor e o tormento recebessem o consolo que merecem.
Carl Sagan
- O Mundo Infestado de Demónios (excertos)
     
MEMÓRiA
 
¢16DEZ1866-1944 - Wassily Wassilyevich Kandinsky, aliás Wassily Kandinsky: Artista plástico russo, nacionalizado alemão (1928) e francês (1939), professor da Bauhaus e pioneiro da abstracção - «Não devemos tender à limitação, mas à libertação. Só a liberdade nos permite acolher o futuro».

¯ 17DEZ1906-1994 - Fernando Lopes-Graça: Compositor e maestro português - «Que hei-de dizer-lhes acerca da Música, que os interesse e que esteja ao meu alcance? Poderia dizer-lhes enfim, como além de uma Arte a considero uma Religião, a minha única religião e como visiono uma única Religião do Futuro, a única Religião de uma Humanidade Livre, Justa e Sábia». IMAG.15-48-106-111-140-146-175-261-262-326-332-342-492-536-541-587

¨ 17DEZ1916-2000 - Penelope Knox, aliás Penelope Fitzgerald: Ficcionista, poeta, biógrafa e historiadora inglesa, distinguida com o Booker Prize (1979) - «Uma terra sem livraria é, muito possivelmente, uma terra que não merece qualquer livraria.» (A Livraria). IMAG.404

¸ 19DEZ1916-2010 - Roy Ward Baker: Realizador britânico de televisão e cinema - dirigiu Uma Noite Inesquecível / A Night To Remember (1958) - «Nunca fui um exibicionista como Hitchcock. E paguei o preço de não ter investido em ser famoso. Aliás, isso não me interessa» (2000). IMAG.328

¸ 1924-19DEZ1996 - Marcello Vincenzo Domenico Mastroianni, aliás Marcello Mastroianni: Actor italiano - «A mulher é como o sol, uma extraordinária criatura que permite à nossa imaginação partir em cavalgada». IMAG.72-254-484-551

20DEZ1926-2009 - David Levine: Artista gráfico e caricaturista norte-americano - «As imagens engraçadas de famosos podem incitar alguma humildade ou auto-consciência» - «Herdeiro dos mestres da ilustração do Século XIX, Honoré Daumier e Thomas Nast» (The New York Times). IMAG.284

R 1934-20DEZ1996 - Carl Edward Sagan, aliás Carl Sagan: Astrobiólogo, astrónomo, astrofísico, cosmólogo, escritor e divulgador científico americano - «Será interessante registar que, enquanto se verificou que alguns golfinhos aprenderam a falar inglês (mais de cinquenta palavras usadas num contexto correcto), não houve ainda qualquer referência a um ser humano que tenha aprendido a falar golfinhês». IMAG.111-490

¨ 21DEZ1926-2011 - Arnost Lustig: Escritor checo - «Nasci de uma mamã judia e de um papá judeu, no país checo. Isso marcou o meu destino». IMAG.345

¨ 22DEZ1876-1944 - Filippo Tommaso Emilio Marinetti: Escritor e editor italiano, ideólogo do Movimento Futurista - «Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu capot ornado com grossos tubos semelhantes a serpentes de sopro explosivo… Um automóvel que ruge e parece correr sobre a metralha é mais belo que a Vitória de Samotrácia». IMAG.404-493

¯1919-22DEZ2006 - Galina Ivanovna Ustvolskaya, aliás Galina Ustvolskaya: Compositora soviética - «…Não houve injustiça maior no retrato que ao longo dos anos se foi pintando da russa do que a que a caracterizou como uma compositora desprovida de ingenuidade» (João Santos).

¯ 1599-c.23NOV1676 - Étienne Moulinié: Compositor francês - «No que concerne ao meu peculiar modo de compor, sinto-me obrigado a observar que os mais arrojados dos meus gestos podem afigurar-se algo licenciosos aos olhos daqueles que preferem a austeridade da maneira antiga face aos prazeres da nova».

¨ 23DEZ1896-1957 - Giuseppe Tomasi di Lampedusa: Escritor italiano - «O amor. Claro, o amor. Fogo e chamas por um ano, cinzas por trinta. Ele bem sabia o que era o amor.» (O Leopardo). IMAG.105-189-276-295-410

BREVIÁRiO
 
¯ Harmonia Mundi edita em CD, Étienne Moulinié [1599-1676]: Meslanges Pour la Chapelle d’Un Prince por Ensemble Correspondances, sob a direcção de Sébastian Daucé.

¨Quarto de Jade edita Histórias Naturais de Jules Renard (1864-1910); ilustrações de Maria João Worm, tradução de Carlos Pombo. IMAG.275-289-301-325-359-386-409-416-430-444-451-553

¯Distrijazz edita em CD, sob chancela ECM, Violin Sonata; Clarinet Trio; Duet de Galina Ustvolskaya (1919-2006), por Patricia Kopatchinskaja (violino), Markus Hinterhäuser (piano) e Reto Bieri (clarinete).

¨ Dom Quixote edita O Fotógrafo e a Rapariga de Mário Cláudio. IMAG.51-220-520-522-541