José
de Matos-Cruz | 24 Janeiro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em
2004
PRONTUÁRiO
PROJECÇÕES
Autor versátil e fulgurante, ao
estilizar as potencialidades gráficas ou narrativas da banda desenhada, em que
evoluem - pelo signo erótico - a aliciante insurreição ficcional ou uma
perversa sofisticação estética, Milo Manara - argumentista & ilustrador -
leva às últimas consequências, em Nua Pela Cidade (2001), uma subversão primordial sobre O Perfume do Invisível /Il Profumo
dell'Invisibile (1986), estilizando em Bea - que se julga incorpórea e
transparente - a mulher idealizada ou mutante… Ironia, exibicionismo - através
de peripécias / experiências excitantes, sob uma vertigem obsessiva /
exuberante - pontuam ou transgridem, além dos preconceitos e das convenções,
este universo transfigurado, cuja heroína pretenderia consumar todas as
ambições transgressivas, todos os impulsos fantasistas. Mesmo que, depois de
inúmeras peripécias, as suas ilusões se dissolvam em busca da felicidade. Eis
reincidências libidinosas ou dissolutas, entre visões de uma saga interminável
- que se transferem, perturbantes, ao próprio olhar do leitor. Assim em causa e
reexposto - pelo desafio libertino, libertário do imaginário…
IMAG.3-13-52-64-132-140-147-221-305-365-501
CALENDÁRiO
11DEZ2014-29MAR2015 - Em Lisboa, Museu do
Design e da Moda/MUDE apresenta De Matrix
à Bela Adormecida - exposição de figurinos de António Lagarto. IMAG.20
¸18DEZ2014 - Praça
Filmes estreia O Gigante (2012) de
Júlio Vanzeler e Luis da Matta Almeida; e Papel
de Natal (2014) de José Miguel Ribeiro, com Crista
Alfaiate e Ivo Canelas. IMAG.113-539
MEMÓRiA
¸24JAN1926-2013 -
Georges Lautner: Cineasta francês, realizador de O Irresistível Avantureiro / Le Guignolo (1980) - «Tinha a ciência
do cinema popular» (Rémy Julienne). IMAG.491
¨25JAN1746-1830 -
Stéphanie Félicité du Crest de St-Aubin, Condessa de Genlis: Escritora francesa
- «As
qualidades do espírito produzem invejosos; as do coração, logram amigos».
¨1878-25JAN1946 -
Afonso Lopes Vieira: Poeta português - «Se um inglês ao passar me olhar com
desdém, / num sorriso de dó eu pensarei: – Pois bem! / se tens agora o mar e a
tua esquadra ingente, / fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente. / Se nas
Índias flutua essa bandeira inglesa, / fui eu que t’as cedi num dote de
princesa. / E para te ensinar a ser correcto já, / coloquei-te na mão a xícara
de chá…» (Pois Bem! - excerto). IMAG.76-98-307-327
¨27JAN1826-1889 -
Mikhail Yevgrafovich Saltykov-Stcherdrine, aliás Nikolai Shchedrin: Satírico
russo - «Teve a sensação de que o tinham metido vivo num caixão, que estava
entaipado, num sono letárgico, incapaz de mover um só membro, e que ouvia o
Sanguessuga a insultar-lhe o cadáver…» (A
Família Golovliov). IMAG.345
¨28JAN1916-01MAR1996 - Vergílio
Ferreira: Escritor português - «Um autor fixa um tema. Mas esse tema,
revelando, como revela, um interesse, revela sobretudo que foi só em torno dele
que o artista pôde realizar-se como tal». IMAG.78-212-241-323
¨1940-28JAN1996 - Iosif Aleksandrovich
Brodsky, aliás Joseph Brodsky: Poeta russo, naturalizado americano, distinguido
com o Prémio Nobel da Literatura (1987) - «Sou judeu - um poeta russo, e um
ensaísta inglês». IMAG.276
¨29JAN1866-1944 -
Romain Rolland: - Escritor francês, distinguido com o Prémio Nobel da
Literatura (1915) - «É belo ser-se justo. Mas a verdadeira justiça não
permanece sentada diante da sua balança, a ver os pratos a oscilar. Ela julga e
executa a sentença». IMAG.102-496
¨1880-29JAN1956 - Henry Louis Mencken, aliás Henry Mencken: Jornalista e analista social americano - «Em resumo, a fé pode ser
definida como uma crença ilógica na ocorrência do improvável». IMAG.290
1871-31JAN1926 - José Luiz Gomes de Sá Júnior: Negociante de
bacalhau, com armazém de Rua do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto;
autor da receita Bacalhau à Gomes de Sá, oferecida ao proprietário do
restaurante O Lisbonense, na Cidade Invicta. IMAG.309
VISTORiA
Os Ninhos
¨Os passarinhos
Tão engraçados,
Fazem os ninhos
Com mil cuidados.
Tão engraçados,
Fazem os ninhos
Com mil cuidados.
São
p’ra os filhinhos
Que estão p’ra ter
Que os passarinhos
Os vão fazer.
Que estão p’ra ter
Que os passarinhos
Os vão fazer.
Nos
bicos trazem
Coisas pequenas,
E os ninhos fazem
De musgo e penas.
Coisas pequenas,
E os ninhos fazem
De musgo e penas.
Depois,
lá têm
Os seus meninos,
Tão pequeninos
Ao pé da mãe.
Os seus meninos,
Tão pequeninos
Ao pé da mãe.
Nunca
se faça
Mal a um ninho,
À linda graça
De um passarinho!
Mal a um ninho,
À linda graça
De um passarinho!
Que
nos lembremos
Sempre também
Do pai que temos,
Da nossa mãe!
Sempre também
Do pai que temos,
Da nossa mãe!
Afonso Lopes Vieira
INVENTÁRiO
O
FILME DAS PALAVRAS
¨Em meados do século passado, Vergílio
Ferreira tentava romper a chamada noite
fascista com uma Manhã Submersa.
Estava-se, mais propriamente, em 1953. Então, a censura impediu a publicação
deste romance autobiográfico, que seria editado no ano seguinte - após o corte
de um pequeno episódio que, mais tarde, foi reinserido na obra, um sucesso na
sua carreira.
Tudo começa assim: «Tomei o comboio na
estação de Castanheira, depois que o Calhau deixou de me abraçar. Foi ele que
me trouxe no carro de bois de D. Estefânia, em cuja casa, como se sabe, me
talharam o destino. Minha mãe veio ainda à igreja, pela madrugada, ver-me
partir; mas sentindo-me tão distante como se eu fosse preso, como se eu já
pertencesse a um mundo que não era o seu - mal me falou».
Cinco lustros depois, falava eu com
Vergílio Ferreira como Reitor do Seminário onde António, o seu alter-ego, foi parar desentranhado do
seio materno e do meio social de miséria, em que se vivia por uma suposta
década de 1940. Encontrámo-nos num cenário de fantasmas e assombrações, de
réplicas e mutantes. Vergílio Ferreira nascera na aldeia de Melo, em 1906. Em
Lisboa veio a falecer, já com noventa anos.
O cenário em causa era onde Lauro António
dirigia Manhã Submersa, distinguindo
série de televisão (1979) e longa metragem (1980), um dos filmes mais amados do
pós-25 de Abril de 1974. Vergílio Ferreira concordara em encarnar uma das suas
criaturas literárias, exorcizando os próprios traumas espectrais de infância. A
experiência da interpretação iniciara-a com apenas seis anos, em peças de
amador.
Considerando o novo desafio «uma prova
terrível», para Vergílio Ferreira «o teatro é diferente do cinema: este fatiga,
quebra-se o elã, o entusiasmo posto na representação - uma dádiva tão íntima de
nós. Há, por outro lado, o artificialismo, todas as luzes usadas: como poderá
um criador trabalhar com tanto material, com tal multidão de elementos
técnicos? Gosto muito de cinema, mas jamais seria realizador!»
O vínculo de Lauro António a Vergílio
Ferreira, que este considerava «uma atenção especial», principiara em 1975 com
o curto Prefácio a Vergílio Ferreira
e, além da apresentação televisiva Vergílio
Ferreira Numa Manhã Submersa (1979), estendeu-se ainda a Mãe Genoveva (1983), na série Histórias de Mulheres. O filho daquele,
Frederico Corado, adaptou e transpôs, por sua vez, A Estrela (1994).
A produção do Prefácio coube a Lauro António e a Manuel Guimarães, que antes
mantivera uma estreita ligação ao escritor. Este fizera o texto para o
documentário (sobre Júlio) Resende
(1969), e Manuel Guimarães evocara Alegria
Breve nas palavras finais do seu filme Lotação
Esgotada (1972). Já no pós-25 de Abril, cinematizou um crepuscular Cântico Final (1975), concluído pelo
filho Dórdio Guimarães.
Pare rematar a precária ligação entre
Vergílio Ferreira e a sétima arte, há que referir a média metragem O Encontro (1978) por António de Macedo.
Vergílio Ferreira aparece ainda em
O Dia das Comunidades (1977), a cargo da
Unidade de Produção Cinematográfica Nº 1, e participou em Táxi
Lisboa (1996) de Wolf Gaudlitz. Sem dúvida, trata-se de
um autor a redescobrir, nas suas plenas virtualidades.
Vergílio Ferreira tinha uma clara
consciência sobre o que distingue um romance, ou «a arte da palavra», da sua
transposição para cinema, «através das imagens e dos sons». «Este desafio será
sempre apaixonante, porém delimita duas obras distintas - cada uma, com
expectativas próprias. Ao ver este filme, eu não vou reviver a minha
experiência, nem sentir-me num ambiente pessoal. Serei, apenas, um espectador.»
Aliás, à distância, observando Vergílio
Ferreira como actor precário, em intervalos da rodagem, foi curioso analisar o
seu ensaio de gestos e expressões, para a personagem que ele configurara do
real, e com a qual se debatia agora em outros ciclos da ficção. Por um estranho
fenómeno, que eu não me atrevi a desvendar, às vezes sentava-se à secretária de
Reitor, e o autor tomava notas com a sua letra meticulosa.
«Ainda hesitei em escrever Manhã Submersa. Após
alguns capítulos, decidi parar. Publiquei o primeiro na revista Vértice. Então, o Fernando Namora
mandou-me uma carta, entusiasmado, incitando-me a continuar. Não me interessava
uma narrativa confessional, sobre a adolescência, motivação em que a Presença
foi fértil. Mas o romance permitiu-me recriar, denunciando uma sociedade
fechada, totalitarista.»
@José de Matos-Cruz
PARLATÓRiO
¨Há dentro de nós um poço. No fundo
dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a
fonte do que nos enriquece no em que somos humanos.
Vergílio Ferreira
BREVIÁRiO
¨Museu do Fado edita,
com INCM/Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Poetas
Populares do Fado Tradicional de Daniel Gouveia e Francisco Mendes.
¯Sony edita em CD, Xscape por Michael Jackson (1958-2009). IMAG.204-256-411
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