quarta-feira, março 18, 2015

IMAGINÁRiO #548

José de Matos-Cruz | 24 Janeiro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PROJECÇÕES
Autor versátil e fulgurante, ao estilizar as potencialidades gráficas ou narrativas da banda desenhada, em que evoluem - pelo signo erótico - a aliciante insurreição ficcional ou uma perversa sofisticação estética, Milo Manara - argumentista & ilustrador - leva às últimas consequências, em Nua Pela Cidade (2001), uma subversão primordial sobre O Perfume do Invisível /Il Profumo dell'Invisibile (1986), estilizando em Bea - que se julga incorpórea e transparente - a mulher idealizada ou mutante… Ironia, exibicionismo - através de peripécias / experiências excitantes, sob uma vertigem obsessiva / exuberante - pontuam ou transgridem, além dos preconceitos e das convenções, este universo transfigurado, cuja heroína pretenderia consumar todas as ambições transgressivas, todos os impulsos fantasistas. Mesmo que, depois de inúmeras peripécias, as suas ilusões se dissolvam em busca da felicidade. Eis reincidências libidinosas ou dissolutas, entre visões de uma saga interminável - que se transferem, perturbantes, ao próprio olhar do leitor. Assim em causa e reexposto - pelo desafio libertino, libertário do imaginário…
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CALENDÁRiO

11DEZ2014-29MAR2015 - Em Lisboa, Museu do Design e da Moda/MUDE apresenta De Matrix à Bela Adormecida - exposição de figurinos de António Lagarto. IMAG.20

¸18DEZ2014 - Praça Filmes estreia O Gigante (2012) de Júlio Vanzeler e Luis da Matta Almeida; e Papel de Natal (2014) de José Miguel Ribeiro, com Crista Alfaiate e Ivo Canelas. IMAG.113-539

MEMÓRiA

¸24JAN1926-2013 - Georges Lautner: Cineasta francês, realizador de O Irresistível Avantureiro / Le Guignolo (1980) - «Tinha a ciência do cinema popular» (Rémy Julienne). IMAG.491

¨25JAN1746-1830 - Stéphanie Félicité du Crest de St-Aubin, Condessa de Genlis: Escritora francesa - «As qualidades do espírito produzem invejosos; as do coração, logram amigos».

¨1878-25JAN1946 - Afonso Lopes Vieira: Poeta português - «Se um inglês ao passar me olhar com desdém, / num sorriso de dó eu pensarei: – Pois bem! / se tens agora o mar e a tua esquadra ingente, / fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente. / Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa, / fui eu que t’as cedi num dote de princesa. / E para te ensinar a ser correcto já, / coloquei-te na mão a xícara de chá…» (Pois Bem! - excerto). IMAG.76-98-307-327

¨27JAN1826-1889 - Mikhail Yevgrafovich Saltykov-Stcherdrine, aliás Nikolai Shchedrin: Satírico russo - «Teve a sensação de que o tinham metido vivo num caixão, que estava entaipado, num sono letárgico, incapaz de mover um só membro, e que ouvia o Sanguessuga a insultar-lhe o cadáver…» (A Família Golovliov). IMAG.345

¨28JAN1916-01MAR1996 - Vergílio Ferreira: Escritor português - «Um autor fixa um tema. Mas esse tema, revelando, como revela, um interesse, revela sobretudo que foi só em torno dele que o artista pôde realizar-se como tal». IMAG.78-212-241-323

¨1940-28JAN1996 - Iosif Aleksandrovich Brodsky, aliás Joseph Brodsky: Poeta russo, naturalizado americano, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1987) - «Sou judeu - um poeta russo, e um ensaísta inglês». IMAG.276

¨29JAN1866-1944 - Romain Rolland: - Escritor francês, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1915) - «É belo ser-se justo. Mas a verdadeira justiça não permanece sentada diante da sua balança, a ver os pratos a oscilar. Ela julga e executa a sentença». IMAG.102-496

¨1880-29JAN1956 - Henry Louis Mencken, aliás Henry Mencken: Jornalista e analista social americano - «Em resumo, a fé pode ser definida como uma crença ilógica na ocorrência do improvável». IMAG.290

1871-31JAN1926 - José Luiz Gomes de Sá Júnior: Negociante de bacalhau, com armazém de Rua do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto; autor da receita Bacalhau à Gomes de Sá, oferecida ao proprietário do restaurante O Lisbonense, na Cidade Invicta. IMAG.309


VISTORiA     
Os Ninhos
¨Os passarinhos
Tão engraçados,
Fazem os ninhos
Com mil cuidados.
 
São p’ra os filhinhos
Que estão p’ra ter
Que os passarinhos
Os vão fazer.
 
Nos bicos trazem
Coisas pequenas,
E os ninhos fazem
De musgo e penas.
 
Depois, lá têm
Os seus meninos,
Tão pequeninos
Ao pé da mãe.
 
Nunca se faça
Mal a um ninho,
À linda graça
De um passarinho!
 
Que nos lembremos
Sempre também
Do pai que temos,
Da nossa mãe!
Afonso Lopes Vieira
         
INVENTÁRiO

O FILME DAS PALAVRAS
¨Em meados do século passado, Vergílio Ferreira tentava romper a chamada noite fascista com uma Manhã Submersa. Estava-se, mais propriamente, em 1953. Então, a censura impediu a publicação deste romance autobiográfico, que seria editado no ano seguinte - após o corte de um pequeno episódio que, mais tarde, foi reinserido na obra, um sucesso na sua carreira.
Tudo começa assim: «Tomei o comboio na estação de Castanheira, depois que o Calhau deixou de me abraçar. Foi ele que me trouxe no carro de bois de D. Estefânia, em cuja casa, como se sabe, me talharam o destino. Minha mãe veio ainda à igreja, pela madrugada, ver-me partir; mas sentindo-me tão distante como se eu fosse preso, como se eu já pertencesse a um mundo que não era o seu - mal me falou».
Cinco lustros depois, falava eu com Vergílio Ferreira como Reitor do Seminário onde António, o seu alter-ego, foi parar desentranhado do seio materno e do meio social de miséria, em que se vivia por uma suposta década de 1940. Encontrámo-nos num cenário de fantasmas e assombrações, de réplicas e mutantes. Vergílio Ferreira nascera na aldeia de Melo, em 1906. Em Lisboa veio a falecer, já com noventa anos.
O cenário em causa era onde Lauro António dirigia Manhã Submersa, distinguindo série de televisão (1979) e longa metragem (1980), um dos filmes mais amados do pós-25 de Abril de 1974. Vergílio Ferreira concordara em encarnar uma das suas criaturas literárias, exorcizando os próprios traumas espectrais de infância. A experiência da interpretação iniciara-a com apenas seis anos, em peças de amador.
Considerando o novo desafio «uma prova terrível», para Vergílio Ferreira «o teatro é diferente do cinema: este fatiga, quebra-se o elã, o entusiasmo posto na representação - uma dádiva tão íntima de nós. Há, por outro lado, o artificialismo, todas as luzes usadas: como poderá um criador trabalhar com tanto material, com tal multidão de elementos técnicos? Gosto muito de cinema, mas jamais seria realizador!»
O vínculo de Lauro António a Vergílio Ferreira, que este considerava «uma atenção especial», principiara em 1975 com o curto Prefácio a Vergílio Ferreira e, além da apresentação televisiva Vergílio Ferreira Numa Manhã Submersa (1979), estendeu-se ainda a Mãe Genoveva (1983), na série Histórias de Mulheres. O filho daquele, Frederico Corado, adaptou e transpôs, por sua vez, A Estrela (1994).
A produção do Prefácio coube a Lauro António e a Manuel Guimarães, que antes mantivera uma estreita ligação ao escritor. Este fizera o texto para o documentário (sobre Júlio) Resende (1969), e Manuel Guimarães evocara Alegria Breve nas palavras finais do seu filme Lotação Esgotada (1972). Já no pós-25 de Abril, cinematizou um crepuscular Cântico Final (1975), concluído pelo filho Dórdio Guimarães.
Pare rematar a precária ligação entre Vergílio Ferreira e a sétima arte, há que referir a média metragem O Encontro (1978) por António de Macedo. Vergílio Ferreira aparece ainda em O Dia das Comunidades (1977), a cargo da Unidade de Produção Cinematográfica Nº 1, e participou em Táxi Lisboa (1996) de Wolf Gaudlitz. Sem dúvida, trata-se de um autor a redescobrir, nas suas plenas virtualidades.
Vergílio Ferreira tinha uma clara consciência sobre o que distingue um romance, ou «a arte da palavra», da sua transposição para cinema, «através das imagens e dos sons». «Este desafio será sempre apaixonante, porém delimita duas obras distintas - cada uma, com expectativas próprias. Ao ver este filme, eu não vou reviver a minha experiência, nem sentir-me num ambiente pessoal. Serei, apenas, um espectador.»
Aliás, à distância, observando Vergílio Ferreira como actor precário, em intervalos da rodagem, foi curioso analisar o seu ensaio de gestos e expressões, para a personagem que ele configurara do real, e com a qual se debatia agora em outros ciclos da ficção. Por um estranho fenómeno, que eu não me atrevi a desvendar, às vezes sentava-se à secretária de Reitor, e o autor tomava notas com a sua letra meticulosa.
«Ainda hesitei em escrever Manhã Submersa. Após alguns capítulos, decidi parar. Publiquei o primeiro na revista Vértice. Então, o Fernando Namora mandou-me uma carta, entusiasmado, incitando-me a continuar. Não me interessava uma narrativa confessional, sobre a adolescência, motivação em que a Presença foi fértil. Mas o romance permitiu-me recriar, denunciando uma sociedade fechada, totalitarista.»
@José de Matos-Cruz

PARLATÓRiO

¨Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos.
Vergílio Ferreira

BREVIÁRiO

¨Museu do Fado edita, com INCM/Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Poetas Populares do Fado Tradicional de Daniel Gouveia e Francisco Mendes.

¯Sony edita em CD, Xscape por Michael Jackson (1958-2009). IMAG.204-256-411

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