quinta-feira, julho 04, 2019

IMAGINÁRiO #779

José de Matos-Cruz | 16 Novembro 2020 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

HUMORES
Parece incrível, mas é uma verdade sensacional: Charlie Brown e os seus compinchas, mais conhecidos por Peanuts, celebraram meio século em pleno ano 2000. Tudo começou a 2 de Outubro de 1950, em tira diária publicada no Saturday Evening Post. Tinha assinatura de Charles Monroe Schulz, um artista simpático mas reservado, nascido em Minneapolis, a 26 de Novembro de 1922. Aquela que se converteria na mais popular e estilizada expressão pós-moderna dos quadradinhos americanos, pelo humor sofisticado ao nível infantil, familiar e social, Peanuts simboliza, afinal, uma saga histórica e cultural da própria América. Tudo culminaria a 13 de Fevereiro de 2000, quando se consumou a morte há meses anunciada dos Peanuts. Horas antes, Schulz falecera, de cancro no cólon. Assim, do nascimento à despedida, expande-se a glória dos Peanuts. Com publicação em mais de dois mil e seiscentos jornais em todo o mundo, sendo na terra natal a favorita para noventa milhões de leitores. Mas Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy ou Woodstock foram reproduzidos em milhares de artigos - bonecos, vestuário, cartazes - que rendem anualmente uns cinquenta milhões de dólares.
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CALENDÁRiO

23JAN-20MAI2019 - Em Lisboa, Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia / MAAT apresenta Anátema - exposição de escultura de Ana Santos, sendo curadora Ana Anacleto.

08MAR-12MAI2019 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Si Tú Me Olvidas de Tamia Dellinger e Alejandra Ferrer.

13MAR-14ABR2019 - Centro de Exposições de Odivelas/CEO apresenta Espaço Interrompido - exposição de escultura de Pedro Figueiredo. IMAG.626

14MAR2019 - Desforra Apache estreia Chuva É Cantoria Na Aldeia dos Mortos (2018) de João Salaviza e Renée Nader Messora; com Henrique Ijhãc Krahô e Raene Kôtô Krahô. IMAG.269-409-595

14MAR2019 - Pris Audiovisuais estreia Ladrões de Tuta e Meia (2019) de Hugo Diogo; com Rui Unas e Leonor Seixas. IMAG.325-778

BREVIÁRiO

Caminho edita A Revolução de 1383 de António Borges Coelho. IMAG.131-189-219-614

VISTORiA

que eu aprenda tudo desde a morte,
mas não me chamem por um nome nem pelo uso das coisas,
colher, roupa, caneta,
roupa intensa com a respiração dentro dela,
e a tua mão sangra na minha,
brilha inteira se um pouco da minha mão sangra e brilha,
no toque entre os olhos,
na boca,
na rescrita de cada coisa já escrita nas entrelinhas das coisas,
fiat cantus! e faça-se o canto esdrúxulo que regula a terra,
o canto comum-de-dois,
o inexaurível,
o quanto se trabalha para que a noite apareça,
e à noite se vê a luz que desaparece na mesa,
chama-me pelo teu nome, troca-me,
toca-me
na boca sem idioma,
já te não chamaste nunca,
já estás pronta,
já és toda
Herberto Helder
- A Faca Não Corta o Fogo (2008)
MEMÓRiA

1901-16NOV1960 - William Clark Gable, aliás Clark Gable: Actor americano de cinema - «Francamente, minha cara, eu não estou interessado» (como Rhett Buttler para Scarlett O’Hara, aliás Vivien Leigh, em E Tudo o Vento Levou / Gone With the Wind - 1939). IMAG.46-230-312-334-449-652

17NOV1910-2003 - Rachel de Queiroz: Ficcionista, poeta e dramaturga brasileira - «Na minha infância, todas as velhas só viviam na igreja… Velha sem religião, quem inaugurou foi minha geração.» (Rachel - Vida e Obra - excerto, 1998). IMAG.299-441

18NOV1910-2011 - Gunnar Fischer: Director de fotografia sueco, mestre do preto e branco, trabalhou com Ingmar Bergman em O Sétimo Selo e Morangos Silvestres (1957) - «Desde início, fizemos o pacto de que nunca seríamos escravos ou bajuladores um do outro». IMAG.362

19NOV1920-29AGO1980 - António Martinho do Rosário, aliás Bernardo Santareno: Escritor português, ficcionista e poeta, dramaturgo - «Tenho 45 anos e estou farto, cansado, já não acredito em nada. Esta será a minha última peça. Estou desesperado e a vida dói-me horrivelmente. Sim, esta representação é, gostaria que fosse, uma despedida. Uma despedida sem amor. Perdi tudo.» (Português, Escritor, 45 Anos de Idade - excerto, 1974). IMAG.155-169-288-635-648-696

20NOV1900-1985 - Chester Gould: Autor americano de banda desenhada, criador de Dick Tracy (1931) - «Convenci-me de que, se a polícia não conseguia capturar os bandidos, tinha eu de criar um herói capaz de lhes dar caça». IMAG.24-151-277-341-514

1828-20NOV1910 - Lev/Leon Nikolaievitch Tolstoi, aliás Lev/Leon Tolstoi: Escritor russo - «Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descerem dos seus ombros».
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20NOV1940-2014 - Helma Sanders-Brahms: Realizadora alemã, argumentista, actriz e produtora, membro destacado do novo cinema alemão, Oficial da Ordem das Artes e das Letras de França. IMAG.518

23NOV1930-2015 - Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, aliás Herberto Helder: Poeta e ficcionista português, autor de Retrato Em Movimento (1967) - «O melhor que disseram de mim foi quando estiveram calados» (1965).
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VISTORiA

Uma mulher foi visitar a sua irmã mais nova que vivia no campo; a primeira estava casada com um mercador da cidade, a outra com um camponês da aldeia; quando estavam a tomar o chá, a mais velha começou a gabar a vida da cidade, dizendo que se vivia por lá com todo o conforto, que toda a gente andava bem arranjada, que as filhas tinham vestidos lindíssimos, que se bebiam e comiam coisas magníficas e que se ia ao teatro, a passeios e a festas. A irmã mais nova, um pouco despeitada, mostrou todos os inconvenientes da vida do comércio e exaltou as vantagens da existência dos camponeses.
Não trocaria a minha vida pela vossa; é certo que vivemos com alguma rudeza, mas, pelo menos, não estamos sempre ansiosos; vocês vivem com mais conforto e mais elegância, mas ganham muitas vezes mais do que precisam e estão sempre em riscos de perder tudo; lá diz o ditado: «Estão juntos na merca o ganho e a perca»; quem está rico num dia pode, no dia seguinte, andar a pedir pão pelas portas; a nossa vida é mais segura; se não é farta é, pelo menos, comprida; nunca seremos ricos, mas sempre teremos bastante que comer.
A irmã mais velha replicou com zombaria:
Bastante? Sim, bastante, se vocês se contentarem com a vida dos porcos e das vitelas. Que sabem vocês de elegância e de boas maneiras? Por mais que o teu marido trabalhe como um escravo, vocês hão-de morrer como têm vivido num monte de estrume; e os vossos filhos na mesma.
Bem, e depois? retorquiu-lhe a outra. Não nego que o nosso trabalho seja rude e grosseiro; mas em compensação é seguro e não precisamos de nos curvar diante de ninguém; vocês, na cidade, vivem rodeados de tentações; hoje tudo corre bem, mas amanhã o Diabo pode tentar o teu marido com a bebida, o jogo ou as mulheres e lá se vai tudo. Bem sabes que é o que sucede muitas vezes.
Pahóm, o dono da casa, estava deitado à lareira e escutava a conversa das mulheres.
«É realmente assim» pensava ele. «Os lavradores ocupados desde meninos no amanho da terra não têm tempo para pensar em tolices; o que nos consome é, só, não termos terra bastante; se eu tivesse toda a terra que quero, nem o Diabo seria capaz de me meter medo.»
Leon Tolstoi
- De Quanta Terra Precisa o Homem (excerto, 1886)

O homem feliz é o que não tem passado. O maior dos castigos, para o qual só há pior no inferno, é a gente recordar. Lembrança que vem de repente e ataca como uma pontada debaixo das costelas, ali onde se diz que fica o coração. Alguém pode ter tudo, mocidade, dinheiro no bolso, um bom cavalo debaixo das pernas, o mundo todo ao seu dispor. Mas não pode usufruir nada disso por quê? Porque tem as lembranças perturbando. O passado te persegue, como um cão perverso nos teus calcanhares. Não há dia claro, nem céu azul, nem esperança de futuro, que resista ao assalto das lembranças.
Rachel de Queiroz
- Memorial de Maria Moura (excerto, 1992)
 

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