terça-feira, setembro 20, 2016

IMAGINÁRiO #628

José de Matos-Cruz | 24 Setembro 2017 | Edição Kafre | Ano XIV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

AVENTURAS
Suriá era bem pequenininha quando nasceu. O pai e a mãe são malabaristas, e ela é uma miúda cheia de ideias trepidantes. E malabarista… Eis a apresentação de Suriá - A Garota do Circo! (2000), revelando mais uma vertente do prolífico talento de Laerte Coutinho, em sua peculiar expressão sensível e divertida. Confessando que tem um pé em Portugal, pois «meu bisavô Miguel veio de Ponte do Lima», o popular artista brasileiro dedicou à filha Laila este livro, que resulta de uma aliança editorial entre a Jacarandá e a Devir. Em rodapé às aventuras de Suriá com os amigos (Marion, Luca, Sílvio, Robledo) e bichos (o leão Daniel, a elefanta Úrsula, o urso Kurtz, o camelo Gaspar, o macaco Fred), Laerte apresenta a história e as estórias sobre O Mundo do Circo. Suriá foi criada para a Folhinha, suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo, tendo original publicação em 1997-98. Aí prosseguiu Laerte - com site na internet: www.laerte.com.br - a sua actividade regular e irresistível. Formando com Angeli uma cumplicidade de nomes maiores dos quadrinhos, em sátira aos costumes e vivências sociopolíticas, através de uma leitura irreverente e corrosiva, para adultos. IMAG.560

CALENDÁRiO

¨1928-27JUN2016 - Alvin Toffler: Escritor e futurista americano, autor de Choque do Futuro (1970) - «Os analfabetos do próximo século, não serão aqueles que não sabem ler ou escrever, mas aqueles que se recusam a aprender, reaprender e voltar a aprender».

¸1929-27JUN2016 - Carlo Pedersoli, aliás Bud Spencer: Nadador e actor italiano, intérprete de Trinitá - Cowboy Insolente (1970) com Mario Girotti / Terence Hill - «Era daqueles actores populares cujo carisma poucos conseguiam explicar» (Rui Pedro Tendinha).

®1924-02JUL2016 - Camilo Venâncio de Oliveira, aliás Camilo de Oliveira: Actor e argumentista português - «Foi tanta gente nos palcos e na televisão, nunca deixando de ser um exigente trabalhador para que o povo se risse de si próprio e sobretudo desta condição de sermos portugueses» (Júlio Isidro).

¸1939-02JUL2016 - Michael Cimino: Cineasta americano, produtor e argumentista, realizador de O Caçador / The Deer Hunter (1978) - «A indústria de Hollywood não mudou absolutamente nada. Continua exactamente igual ao que sempre foi. A única coisa que se alterou foi o rosto dos jogadores. As pessoas morrem, desaparecem, reformam-se, mas o sistema permanece de pé» (a Vincent Maraval - Sofilm#03 - registo de Brieux Férot). IMAG.72-287-331-443

BREVIÁR
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Dom Quixote edita Açores - O Segredo das Ilhas de João de Melo. IMAG.94-157-191-297-298-627

NOTICIÁR
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O Primeiro Telégrafo
O Governo americano deseja comprar o aparelho telegráfico, como curiosidade histórica. Esse aparelho foi construído por Alfred Vail, e deve custar nove contos de réis.
21JUL1888 - Diário de Notícias

COMENTÁRiO

O amor não é senão o desejo; e assim, o desejo é o princípio original de que todas as nossas paixões decorrem, como os riachos da sua origem; por isso, sempre que o desejo de um objecto se acende nos nossos corações, pomo-nos a persegui-lo e a procurá-lo, e somos levados a mil desordens.
Miguel de Cervantes
PARLATÓRiO

É indubitável que entre a minha obra, a minha maneira de pintar e a publicidade, há uma relação muito directa. Às vezes, censuram-me por, com o meu estilo, contribuir para tornar mais aceitável essa publicidade e incrementar o consumismo. Porém, existe uma enorme ironia no meu trabalho. Pelo menos, procuro assumir uma postura crítica face aos temas que represento, de sarcasmo perante a nossa cultura industrial e de desprendimento visual quanto à sociedade industrializada. Aquilo que, a princípio, parecia tipicamente americano, converteu-se, actualmente, num fenómeno internacional. Daí que a minha pintura já possa ser compreendida em todo o mundo.
Roy Lichtenstein (1983)


VISTORiA

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Os longos duzentos quilómetros não a deixavam mais triste nem a faziam sentir-se mais isolada do que a consciência de que eles eram eles, e estavam juntos, e ela era apenas ela, longe deles, sozinha. E, sentindo um enjoo, causado por essa sensação, ocorreu-lhe, de repente, um pensamento e uma explicação, e quase disse em voz alta: «Eles são o ‘nós’ de mim!». Na véspera, e em todos os doze anos de sua vida, fora apenas Frankie. Era uma pessoa «eu», que tinha de se virar e fazer as coisas sozinha. Todas as outras pessoas tinham um «nós» a reivindicar, todas, menos ela. Quando Berenice dizia «nós», referia-se a Honey, a sua mãe, ao seu barracão ou à sua igreja. O «nós» do pai dela era a loja. Todos os sócios de clubes têm um «nós» a que pertencem, e a respeito do qual falam. Os soldados no exército podem dizer «nós», e até mesmo os criminosos, acorrentados uns aos outros. Mas a velha Frankie não tinha nenhum «nós» a reivindicar, a menos que fosse o terrível «nós» do seu verão com John Henry e Berenice – e aquele era o último «nós» que desejava.
Carson McCullers
- A Sócia do Casamento (excerto)
MEMÓRiA

25SET1807-1859 - Alfred Lewis Vail, aliás Alfred Vail: Mecânico e inventor americano, autor do panfleto The American Electro Magnetic - Dots, Lines and Spaces Created on Board the Packet Sully, By Prof. Samuel F.B. Morse (1945); fez parceria com Morse, após a sua demonstração pública do aparelho telegráfico (1837), contribuindo ainda para melhorar os instrumentos, em especial o relé. IMAG.24

25SET1897-1962 - William Cuthbert Faulkner, aliás William Faulkner: Escritor americano, Prémio Nobel da Literatura em 1949 - «Olhando de perto, um sonho não é algo que esteja isento de perigos. É como uma pistola com dois gatilhos… Se existe durante muito tempo, acaba por ferir alguém». IMAG.86-153-231-232-305-340-356-377-438-578

1894-26SET1937 - Bessie Smith: Cantora americana de blues - «It’s all about a man, who always kicks and dogs me aroun’ / And when I try to kill him, that’s when my love for him come down.». IMAG.148

1834-27SET1917 - Edgar Hilaire Germain Degas, aliás Edgar Degas: Pintor francês - «Eu gostava de ser famoso, mas desconhecido». IMAG.81-148-416-459-488

27SET1627-1704 - Jacques Bossuet: Teólogo francês - «A ambição é, entre todas as paixões humanas, a mais ferina nas suas aspirações e a mais desenfreada nas suas cobiças e, todavia, a mais astuta no intento e a mais ardilosa ao planear». IMAG.462

1905-2SET1957 - Leopoldo Longanesi, aliás Leo Longanesi: Pintor, gráfico, humorista, escritor, jornalista e editor italiano - «O paradoxo é o luxo das pessoas de espírito… A verdade é o lugar-comum dos medíocres». IMAG.528

29SET1547-1616 - Miguel de Cervantes Saavedra: Ficcionista, poeta e dramaturgo castelhano, autor de Dom Quixote (1605) - «A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida». IMAG.25-38-79-92-103-349-503-559-609-616

¨ 16FEV1917-29SET1967 - Lula Carson Smith, aliás Carson McCullers: Escritora americana - «Muitas vezes, o amado desencadeia a força lentamente acumulada no coração daquele que ama. O amor é uma coisa solitária. É esta descoberta que faz sofrer». IMAG.317-392

1923-29SET1997 - Roy Fox Lichtenstein, aliás Roy Lichtenstein: Pintor americano, ligado à Pop Art e inspirado pela banda desenhada - «Agrada-me presumir que a minha arte não tem nada a ver comigo». IMAG.70-440-463

INVENTÁR
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Miguel de Cervantes
Miguel de Cervantes Saavedra foi um génio, e pode-se dizer mesmo o génio do bom senso. Na sua obra, cujo herói é um dementado, vibram-se profundos gilvazes a todas as demências humanas: e ela não fere tão vivamente o espírito de todos só porque é cáustica: mas sim porque é causticamente, crudelissimamente, sensata. Daí todo o seu sucesso. Daí toda a perdurabilidade desta obra que não teria um carácter tão imutável se fosse unicamente alegre, ou se fosse simplesmente imaginosa. A imaginação é um grande dom, que tem uma larga influência nos povos infantis; mas o bom senso é uma faculdade rara, quando aliada à imaginação, que se esculpe imperecivelmente nos povos lógicos, nos povos racionalistas, nos povos reflectidos das civilizações adiantadas. Quando, porém, à imaginação e ao bom senso se acrescenta a irresistível, a demolidora ironia, essa obra toma um carácter mais imutável do que o bronze de Corinto, ou a estátua grega de um mestre, feita com mármore pentélico.
Assim se explica a acolhida que ela tem ainda hoje, como no tempo de Filipe III, e que continuará a alcançar dos nossos pósteros, quando já não restar na memória do homem um hexâmetro grego de Homero, nem um versículo hebraico do Pentateuco de Moisés. Acrescente-se a isto que o seu herói tem o carácter profundamente objectivo, na sua subjectividade, e ter-se-á explicado as causas que fizeram deste livro um monumento verdadeiramente cosmopolita e humano. Neste género, com tais requisitos, só uma obra conhecemos que rivalize com D. Quixote, e que talvez para os espíritos delicados e subtis, se avantaja ainda: é As Viagens de Gulliver, de Swift.
Nesta obra tudo tem um carácter de mais originalidade e de mais subtileza. Sendo eminentemente humana, isto é, sendo uma sátira dum carácter verdadeiramente universal, tem talvez como vantagem para nós, empregar um humour muito mais ático, – se é possível fazer ático sinónimo de delicado, – em vez do grosso sal de cozinha de que em largas doses se serve Cervantes, como condimento. A sua imaginação é decerto muito mais rica: e em bom senso cáustico não lhe fica também, em nada, inferior. Falta porém ao seu herói aquele entusiasmo simpático do D. Quixote, que tanto nos prende a ele, mau grado todas as suas demências, e todas as suas insânias cavaleirosas e andantes. Falta-lhe também aquele já hoje lendário escudeiro Sancho Pança, cavalgando no seu lendário sendeiro, através dos montes e dos vales de Espanha, atrás do seu cavaleiro, que vai em demanda de gigantes e do elmo de Mambrino: tipo patusco e bon vivant, folião e pantagruélico, tão dementado como positivo, tão burlesco como escudeiro leal, símbolo de burguês de todas as eras, e do materialismo ventrúdo de todos os tempos. A firmeza de traços com que estão pintadas, à Velásquez, estas duas figuras típicas, no meio dos episódios e dos vários acidentes, sem nunca se desmentirem, nem nunca se desmancharem, é decerto dum relevo cómico, que os não torna inferiores, antes os sobreleva aos personagens do teatro de Lope de Vega, ou de Calderón de la Barca.
- Gomes Leal (excerto)

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