sábado, maio 02, 2015

IMAGINÁRiO #555

José de Matos-Cruz | 16 Março 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SUBVERSÕES

Alargando o território da aventura a todo o mundo, a banda desenhada europeia amplia também as implicações temáticas e as expectativas de entretenimento, suscitando aos leitores a consciencialização para problemáticas que escapam às convenções e às vivências do quotidiano. Em alternativa ao ciclo Reflets d’Écume (1994), que lhe proporcionou justo prestígio, o artista de origem portuguesa Alberto Varanda sondou, em 1996, um ambíguo universo político-criminal, ambientado em futuro próximo, no qual se estigmatizam os desafios e as tensões de um realismo fantástico. Eis Bloodline – um tríptico perturbante, sobre argumento da dupla Anje (aliás, Anne & Gérard Guero) – em coloração por computador de Stew Patrikian. A acção decorre em 2003. Tendo assistido ao massacre da família, sem razões aparentes, os gémeos Kevin e Lauren são forçados a uma sobrevivência de traições e ameaças, motivada pelos seus extraordinários dons psíquicos… Uma aventura fascinante, que Varanda transfigurou ao seu estilo insólito mas sugestivo.


CALENDÁRiO

13FEV-18ABR2015 - Em Lisboa, Galeria Quadrado Azul expõe Protótipos de Francisco Tropa, sendo curadora Simone Menegoi. IMAG.399

27JUL1955-18FEV2015 - Albano Melo Matos, aliás Albano Matos: Jornalista português, ligado ao Diário de Notícias - «Era um representante de um certo jornalismo que está a acabar, com uma cultura vastíssima, de conhecimento sólido e sedimentado, com uma prosa absolutamente notável» (Feliciana Ferreira).

¸19FEV-19ABR2015 - No âmbito do 15º aniversário do festival Monstra, Museu da Marioneta expõe Papel de Natal - cenários e personagens do filme de animação (2014) de José Miguel Ribeiro; e Entre a Realidade e a Fantasia - marionetas, cenários e adereços de todos os filmes de marionetas da eslovena Špela Cadež. IMAG.548

MEMÓRiA

¯1710-16MAR1736 - Giovanni Battista Pergolesi: Compositor, organista e violinista italiano, autor de La Serva Padrona (1733 - «o primeiro andamento é o dueto mais completo e mais comovente jamais composto» - Rousseau) ou Stabat Mater (1736). IMAG.296-318-327-387-490-512

¯17MAR1446 - Morre o padre Martim Lourenço, natural de Lisboa e educado no Paço, ao tempo de El-Rei D. João I, homem de letras e pregador - a quem, pela sua estremada eloquência, chamavam Boca de Oiro.

¸02NOV1906-17MAR1976 - Luchino Visconti: Cineasta e encenador italiano - «Parece que o tédio é uma das grandes descobertas do nosso tempo. A ser assim, eis um aspecto em que somos pioneiros». IMAG.105-222-319-320-331-475

¸19MAR1946-2013 - Bigas Luna: Cineasta espanhol, realizador de Bilbao / História de Um Fascínio (1978) - «O desejo é como um marrón glacé envolto em papel de prata». IMAG.460

R1937-19MAR2006 - Fernando Gil: Filósofo português, distinguido com o Prémio Pessoa (1993) - autor de Mimésis e Negação (1984), Traité de l'Évidence (1993) ou Viagens do Olhar: Retrospecção, Visão e Profecia No Renascimento Português (com Hélder Macedo - 1998) - «…Um dos mais interessantes e importantes na renovação da filosofia em Portugal nos últimos vinte e cinco anos» (Eduardo Lourenço).

21MAR1846-1905 - Raphael Bordallo Pinheiro: Artista português, pintor, caricaturista, escultor, ceramista, criador do Zé Povinho - «…Retratos muito mais vivos, muito mais parecidos com o original do que as próprias fotografias das personagens que representam, desenhou-os ele de um só jacto na pedra litográfica ou no papel autógrafo, entre a meia-noite e as cinco horas da madrugada, em pé à banca, sob a luz crua e mordente do gás, sempre à última hora, febricitante de pressa, escorrendo suor, com a testa e o nariz manchados de preto pelas dedadas de craião, fumando avidamente cigarrettes, falando sempre, cantando, assobiando ou deitando complacentemente a língua de fora às figuras» (pxRamalho Ortigão - As Farpas, ABR1882). IMAG.22-32-43-59-77-98-115-197-208-242-246-256-304-365-381-499-517-518-545


VISTORiA

Bordallo
Rafael Bordallo foi um artista eminentemente progressivo. Como caricaturista, como ceramista e até como estatuário, satisfez essas condições máximas. Antes de Bordallo, em Portugal, a caricatura não ia muito além duma tentativa infantil. Ele veio, num período de luta e de indecisão para a Arte Portuguesa, quando sobre tabiques românticos erguidos em entulhos clássicos se construíam águas-furtadas naturalistas. Ele veio com a sua cabeleira de romântico e o seu monóculo de observador, e topou no entulho, encostado aos tabiques, toda transida e a tremer, uma caricatura seca, enfezadinha, mal nascida e moribunda. Pegou nela, mirou-a, acariciou-a e sorriu-se. Aquele sorriso luminoso, aquele sorriso superior foi para a pobre enfezadinha, que até ali só vivera de ódios, a ressurreição e a esperança. Ele, então, transformou-a. Deu-lhe forma, deu-lhe força, deu-lhe vida, deu-lhe originalidade; e, pela escolha dos assuntos, pela análise contínua do nosso viver político, pela compreensão das tendências nacionais, pela sua grande confiança no futuro - sempre trazendo a caricatura atenta - contribuiu mais que qualquer tratadista dogmático para que entre nós a crítica social se desenvolvesse, independente, nos espíritos e a esperança nascesse nas almas frouxas. Foi um reformador, não só da Arte, mas dos costumes. Foi reformador… e talvez um precursor.
O português até ali não soubera rir. Era sorumbático e encolhido, apegando-se à tradição, sem pensamento nem critério, por hábito já inveterado, como uma beata, de cangalhas no nariz, e gato no regaço, se apega ao seu rosário. Com a caricatura política ele libertou-o da melancolia e da tradição, isto é, da instituição. Fazendo-o rir, tornou-o mais agudo, mais liberal, mais independente. Do riso nasceu a liberdade de crítica, a liberdade natural de quem reconhece que tem direito a ser o que é, independentemente do que os outros já foram. Se politicamente em Portugal, isto pode parecer revolução, em Arte é Progresso; e aí está porque digo que Rafael Bordallo foi como artista, eminentemente progressivo.
Logo no Álbum das Glórias a caricatura de Fontes - caro como o oiro - se desenha em linhas sóbrias, mas profundamente sugestivas. Aí se encontra já o poder criador do Artista na figura da Universidade e, sobretudo, na admirável síntese, criação genial de ironia e amor, que enche ao depois toda a obra de Bordallo e é um dos seus melhores títulos de glória: Zé Povinho, o soberano. A sua independência manifesta-se logo na primeira fase da sua obra, que é O António Maria, onde estão talvez as suas melhores composições de detalhe e os seus mais fundos ataques à política arbitrária dos homens-ídolos.
É a fase política, a que se segue a fase que se poderia chamar social: Pontos Nos ii. Aí o seu espírito, já mais sereno, observa a vida portuguesa com mais imparcialidade e mais risonho cuidado. Mas com a vida activa, vem a experiência, vem o cansaço, vem o cepticismo também; o labor aumenta, multiplicam-se-lhe as aptidões. O Artista, na sua oficina das Caldas, continua como louceiro o seu inquérito à vida nacional. Tem um riso de esperança, confia na sua obra, cria jóias de altíssimo valor… Curto instante de renascença artística! O público não compreende ainda, os governos abandonam-no, e o grande homem, com uma lágrima a adoçar-lhe o riso irónico, de cabeleira já grisalha e monóculo suspenso na mão trémula, de novo se volta para a caricatura, vestindo-a, como um bom amante, de novas galas…
É a sua última fase, e o título da obra define ainda o estado de alma do Artista. Se luta e cria, é por dever, por necessidade talvez; porque parece que já não vale a pena, no meio dessa indiferença geral, dessa incompreensão dos dirigentes, desse arremedo da vida nacional, lutar e criar. Não vale a pena…
Isto já nem é vida de confiança nem sequer marcha do progresso. Não há sinceridade nem critério. Isto não é vida real, é uma comédia, é uma Paródia. E o que é a Paródia? Ele mesmo o diz: «é a caricatura ao serviço da tristeza pública, é a dança da Bica no cemitério dos Prazeres».
A.M.
20FEV1910 - O Círculo das Caldas

GALERiA

PROTÓTIPOS
De acordo com o dicionário, protótipo é «o modelo no qual se baseiam ou ao qual podem ser reportados factos ou fenómenos que se verificam subsequentemente», ou ainda, «o modelo realizado na última fase de um projecto (de uma máquina, dispositivo, etc.) que se destina a servir de ponto de partida para a produção em série». Ambas as definições se aplicam às obras apresentadas nesta exposição. Boa parte delas datam da década de 1990, e contêm ideias que Francisco Tropa continuaria a explorar e a desenvolver até hoje: são «protótipos», ou precedentes, de grande parte da sua produção. E quase todas se inspiram na ideia de obra enquanto utensílio / instrumento / máquina, seja do ponto de vista formal (adoptando uma estética que habitualmente é associada a objectos com intuitos práticos), seja do ponto de vista filosófico. Apesar de não se poder falar de uma produção em série, em alguns casos, a primeira versão da obra – o «protótipo», desta vez na segunda acepção da palavra – é seguida, à distância de um tempo, por uma ou mais instâncias que são aqui expostas lado a lado com a original.
E as máquinas de Francisco Tropa são, evidentemente, instrumentos paradoxais. Os seus «painéis solares» (Placas Solares, 1992), que explodem se forem expostos ao sol, os seus instrumentos de medição linear (Cana, 2006; Metros, 2007), que não respeitam a norma, ou os seus objectos para recolher poeira ou orvalho (propósitos que são, por si só, singulares) não respondem ao imperativo da eficiência (quanto muito, ao da elegância).

BREVIÁRiO

¨Abysmo edita Que Luz Estarias a Ler? de José António Gomes/João Pedro Mésseder (escrita) e Ana Biscaia (ilustração). IMAG.310-416-430-509-531

¯Legacy edita em CD, Band of Brothers por Willie Nelson. IMAG.211-317

¨Relógio D’Água edita Henderson, o Rei da Chuva de Saul Bellow (1915-2005); tradução de João Palma-Ferreira. IMAG.36-87-360-421-518-546-553

¨Dom Quixote edita Um Circo Que Passa de Patrick Modiano; tradução de Ana Cristina Costa. IMAG.535-552-553


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