sexta-feira, julho 04, 2014

IMAGINÁRiO #512

José de Matos-Cruz | 24 Abril 2015 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
ASSOMBRAÇÕES
Prosseguindo a sua deambulação - no exílio de todas as consciências sobre um passado de pesadelo, em busca da dimensão íntima que lhe restitua o ideal de paz - Luís Ferchot trocara o Velho Continente pelo Novo Mundo. Entre os becos de Harlem, pelas docas de Brooklyn ou na penitenciária de Sing-Sing, o inferno humano foi-lhe mostrado em Nova Iorque. Pelo final de Leo, um Luís maduro mas perturbado voltou a atravessar o Atlântico, até Paris, ao encontro de um irmão que desconhecia, porém capaz de desvendar-lhe os volúveis laços familiares. Mas nem tudo correu bem, e os dois tiveram que escapar para Espanha - como Etchezabal nos desvendou, por 1936, em plena Guerra Civil. Um ano depois, no mês de Julho, Luís e a fotógrafa americana Kim tentam opor-se aos sabotadores da rectaguarda, A Quinta Coluna. Nesse volúvel conflito entre opressão ou dignidade, violência ou rebelião, a aprendizagem da liberdade definir-se-á como a lição mais perturbante, no palco da história… Eis fragmentos de Luís Má Sorte /Louis la Guigne (1982) - um clássico da banda desenhada franco-belga, concebido por Frank Giroud (texto) & Jean-Paul Dethorey (ilustração). Um relato denso, complexo, sobre heróis precários, assombrados pela realidade e as memórias ancestrais. IMAG.4-16-20-46-125

CALENDÁRiO
24OUT1925-29ABR2014 - Albert Bernard Feldstein, aliás Al Feldstein: Argumentista e ilustrador americano, editor de Mad (1956-1985) - «Foi responsável pelo imenso sucesso da Mad nas décadas de 50, 60 e 70, quando a revista viveu a sua era de ouro, fixando a sua identidade editorial, alcançando tiragens de quase três milhões de exemplares, destacando-se como um viveiro de talentos e impondo-se como a mais destemida, influente e divertida publicação satírica dos EUA» (Diário de Notícias).

¢1934-02MAI2014 - Rui-Mário de Melo e Sousa Gonçalves, aliás Rui Mário Gonçalves: Ensaísta português, crítico e divulgador de artes plásticas, professor universitário - «Pertencia à aristocracia do pensamento, daquela que é cada vez mais rara em Portugal. Um pedagogo brilhante, cujas aulas estavam sempre lotadas de alunos, porque ele sabia transformar qualquer conteúdo numa coisa apaixonante» (Maria João Cantinho). IMAG.84-454

¸08MAI2014 - ZON Audiovisuais estreia Nirvana de Tiago P. de Carvalho; com Catarina Urbani e Daniel Martinho.

¸08MAI2014 - Terratreme produziu, e estreia Vida Activa de Susana Nobre.

¸O8MAI2014 - ZON Audiovisuais estreia Fátima No Mundo de Manuel Arouca.

MEMÓRiA
¸1911-25ABR1995 - Virginia Katherine McNath, aliás Ginger Rogers: Actriz, bailarina e cantora americana - «Uma parte da alegria de dançar, está na conversa. O pior é que alguns homens não sabem falar e dançar ao mesmo tempo». IMAG.40-331-377-415

¸27ABR1935-2012 - Theo Angelopoulos: Cineasta grego - «Os filmes pré-existem. Eu apenas os faço. Obedeço a alguma força que diz “vá lá, faz”. Não me perguntem por quê. As explicações muitas vezes tiram o mistério, o senso da poesia». IMAG.287-393

¢28ABR1855-1933 - José Malhoa: Pintor português - «Deu-se bem em todos os ciclos políticos, pintou a nobreza e o povo e, com a sua cotação, ia esvaziando os espaços de exposição para os outros artistas, que tiveram de começar a procurar locais alternativos, como a Brasileira» (Sara Pereira). IMAG.54-198-208-312-440

¨30ABR1845-1894 - Joaquim Pedro de Oliveira Martins: Escritor, político e historiador português - «O homem, conforme existiu, está para ele como o vaso está para a essência, ou para a crisálida o casulo». IMAG. 15-90-214-319-479

¾30ABR1935-2004 - José Manuel Bastos Fialho Gouveia: Profissional da rádio, apresentador da televisão, co-autor do programa A Visita da Cornélia (1977) - «Um comunicador que ajudou a revolucionar a tv» (Diário de Notícias). IMAG.14-485

VISTORiA
…Não admira, pois, que desde então Camões ficasse na alma popular como símbolo da nação, e Os Lusíadas como a sua bíblia. Não admira que tivesse passado à condição de epónimo desta pequena pátria, tão semelhante a Atenas, e mais ainda a Esparta, na agitação da sua vida política, na grandeza da sua missão colonial, e também na miséria fúnebre da sua decomposição.
Não admira que, desde o século XVII, por toda a parte onde surgisse, de entre as ruínas do edifício nacional, algum fuste de coluna ainda de pé, ou algum friso inteiro onde se visse correr agitada a tragédia de outras eras; por toda a parte onde se erguesse do matagal de urzes e cardos da história a haste florida de uma açucena de saudade ou de esperança, a corola dessa flor ou a forma dessa evocação, tivesse o perfume e a cor dos Lusíadas e se considerasse uma revelação de Camões o paracleto português. Cantando os Lusíadas, os últimos leões da Índia defenderam Columbo perdidamente; e no nosso século o invasor, querendo regalar-nos como César, prometia-nos um Camões para cada província.
Camões e D. Sebastião, os Lusíadas e Alcácer Quibir, eis aí os dois homens e os dois actos que ficaram para serem gravados na imaginação colectiva, como uma fé e uma esperança, como um mandamento e um cativeiro. Este Israel do extremo ocidente, em que a plasticidade da imaginação grega se fundira com a tenacidade obscura do fenício e com o profetismo genial do judeu, possuía afinal a sua bíblia, e também chorava as ruínas do Templo, ajoelhado aos pés do vencedor que transformara Sião numa Babilónia castelhana. O sebastianismo que foi a religião lusitana, forma epilogal do nossa patriotismo, veio até os dias de hoje propondo Camões como o precursor de tudo quanto há mais avesso ao pensamento próprio do poeta.
Fazer-se um profeta da democracia o homem em cujo cérebro ferviam os pensamentos clássicos da monarquia universal, não é mais contraditório do que arvorar-se em apóstolo do livre-pensamento aquele que levou a vida no ardor do combate religioso contra o mouro e a acabou desvairado pela quimera da conquista do Santo Sepulcro, ardendo em indignação contra os luteranos, aceso sempre em uma fé inexgotável.
E todavia, este contra-senso é só aparente e exterior. No fundo, o erro é um acerto; e a crítica, se o não dissesse, provaria um limite de vistas incapaz de descortinar as miragens vagas da imaginação dos povos. A consagração histórica de Camões vem ainda moldar-se no processo remoto pelo qual os deuses foram abstraídos da consciência nebulosa das gentes primitivas. A magia das palavras e dois ou três momentos sintéticos da vida, tanto basta para que a imaginação plástica levante um mito e de uma suposta realidade à visão dos próprios desejos que passou, aérea, nos horizontes do espírito. Essa nuvem toma corpo, a apoteose substitui-se à biografia; e a imagem verdadeira do homem que foi some-se, deixando em seu lugar a figura que o povo abstraiu da iluminação dos próprios corações.
Não admira, pois, que nós próprios, ao pretender pôr de pé a figura de Camões, obedecêssemos à vibração transmitida, e que, amalgamando a lenda com a história, déssemos porventura significado e proporções demasiadas a factos e estados de alma comezinhos. Talvez a nossa vista amplificasse as proporções da imagem, impressionada pelo prestígio que essa imagem exerce nas imaginações. Talvez; mas, se assim for, não nos arrependemos dessa culpa. Por patriotismo, em primeiro lugar; e por amor à crítica, em segundo.
Oliveira Martins
- Camões, Os Lusíadas e a Renascença Em Portugal
(1872, excerto)

PARLATÓRiO
¸Não sei se os meus filmes são memórias históricas. São réquiens, mas sem o tom fúnebre, não são lamentos pela morte de um período. No livro A Morte de Um Apicultor, do sueco Lars Gustafsson, uma frase é sempre repetida: «Não nos rendemos. Continuamos…». É um réquiem, mas não nos rendemos, continuamos.
Theo Angelopoulos
(2011)
       
ANTIQUÁRiO
ü26ABR1925 - O coronel britânico Percy Harrison Fawcett, cartografista e explorador, penetra na selva da Amazónia, em busca dos vestígios da civilização Z, que presumia altamente culta e desenvolvida, tendo ao longo dos anos estabelecido um método próprio de abordagem ao «inferno verde». Não voltou a aparecer, tendo inspirado Sir Arthur Conan Doyle à escrita do romance O Mundo Perdido (1912). IMAG.17-66-71-116-128-140-184-227-281-298-487

29ABR1865 - O activo/passivo do Banco de Portugal é de 18:551:049$790 réis, sendo o seu capital de 8:000:000$000 réis.
 
COMENTÁRiO
¢Só visando o alargamento dos seus horizontes imaginéticos o homem pode entender e utilizar os símbolos para a sua autoexpressão no mundo.
Rui Mário Gonçalves
- Primeiro Olhar

BREVÁRiO
¨Dom Quixote edita A Infância de Jesus de J.M. Coetzee; tradução de J. Teixeira de Aguiar. IMAG.216

¯Harmonia Mundi edita em CD, Giovanni Battista Pergolesi [1710-1736]: Septem Verba a Christo por Akademia für Alte Musik Berlin, sob a direcção de René Jacobs. IMAG.296-318-327-387-490

¨Sistema Solar edita Bruges-a-Morta de Georges Rodenbach (1855-1898); tradução de Aníbal Fernandes.



      
EXTRAORDINÁRiO
OS ALTERNATIVOS
- Folhetim Aperiódico         

ATRAPALHADO NA CARCAÇA  O ESCARAVELHO FAZ-SE MORTO - 6
Um instante, porém, e Graciosa estava, já, absorta no vazio embaciado que era a sua pasmaceira crónica. Com um turvo bocejo, o contrafeito Damião recolheu-se ao mesmo torpor letárgico.
Ambos ficariam assim uma eternidade, como se vagueassem pela fronteira híbrida entre a razão ausente e a terra de ninguém. Seres e senhores de um exílio mutante, como humano ou animal.

Continua

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