José
de Matos-Cruz | 16 Outubro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal
– Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
PROXIMIDADES
Por
um destino insólito, mas que tem antecedentes sociopolíticos,
pouco existe disponível em edição portuguesa de banda desenhada
por autores espanhóis. Tal reflecte, afinal, implicações da
história recente, com significativo alcance cultural - lembre-se,
por exemplo, a bizarra situação no âmbito cinematográfico, em
que os filmes de Luís Berlanga ou Carlos Saura, anos atrás,
chegavam até nós, através da distribuição francesa. É certo,
mas chegavam! Este paradoxo ibérico - de lamentável reciprocidade,
e que coloca uma relação entre-fronteiras pelo remetente
além-Pirinéus - teve, aliás, uma rotura em quadradinhos, por
intervenção directa da BaleiAzul. A obra em causa intitula-se,
sugestivamente, O
Artefacto Perverso (1996),
trazendo a assinatura de Felipe Hernández Cava (argumento) &
Federico del Barrio (ilustração). Na vivência familiar dum
artista madrileno de bd, em finais da década de ’40 do Século
XX, marcada pelas expectativas de carreira e pelos compromissos do
passado, paira uma acção exemplar de fidelidades, repressão e
traições, sob um expressivo / perturbante grafismo a
preto-e-branco… IMAG.485
EPISTOLÁRiO
Estou
sempre e sempre tentando interpretar a Vida em termos de vidas, não
apenas vidas em termos de carácter. Mantenho-me sempre muito
consciente da Força que está por detrás de tudo – Destino,
Deus, nosso passado biológico criando o nosso presente, não
importando o nome que se dê a isso – Mistério, com certeza – e
da eterna tragédia do Homem em sua luta gloriosa, autodestrutiva
para fazer com que essa Força lhe dê expressão, em vez de fazer
que seja apenas, como um animal, um incidente infinitesimal da
expressão dessa Força. Tenho a profunda convicção de que este é
o único assunto sobre o qual vale a pena escrever e de que é
possível – ou poderia vir a ser – desenvolver uma expressão
trágica em termos de valores e símbolos modernos transfigurados no
teatro, que pode, até certo ponto, fazer que uma audiência moderna
possa experienciar uma enobrecedora identificação com as figuras
trágicas em cena. É claro que isso é um sonho, mas, quando se
trata de teatro, é necessário sonhar, e o sonho dos gregos na
tragédia é o mais nobre de todos os tempos!
Eugene
O’Neill
-
A Arthur Hobson Quinn (1925)
RELATÓRiO
18NOV1980
– Filósofo Louis
Althusser Estrangula a Mulher –
…Era domingo, uma manhã
cinzenta de domingo quando o filósofo Louis Althusser, de 62 anos,
anuncia aos gritos o que acontecera no interior do seu apartamento
na École Normale Supérieure, em Paris: «Estrangulei Hélène!»
No dia seguinte, já com o filósofo internado num hospital
psiquiátrico, a autópsia confirma: apesar de não existirem
quaisquer vestígios na pele do pescoço, nem quaisquer sinais de
resistência, Hélène Rytmann, de 70 anos, companheira de Althusser
há mais de 30, tinha sido estrangulada. Por ele, que um ano depois
é dado como inimputável. Althusser, um dos principais filósofos
comunistas, tinha um passado clínico de depressões e crises de
melancolia, conhecera já vários internamentos. Continuará a
entrar e sair de hospitais psiquiátricos até ao fim da sua vida,
em 1990. Entre internamentos, revolta-se contra a privação da
palavra que o seu acto acarretara, contra a ausência de testemunho.
O resultado é uma autobiografia, L’Avenir
Dure Longtemps, que começa
assim: «É provável que se considere chocante eu não me resignar
ao silêncio após o acto que cometi, e também o não-lugar que o
sancionou e do qual eu beneficiei. Mas se eu não tivesse tido este
benefício teria de ter comparecido. E se eu tivesse comparecido
teria de ter respondido. Este livro é essa resposta…» Saído de
«uma noite impenetrável», o que terá levado o filósofo a matar?
O que terá levado Hélène a não resistir? «Estrangulei a minha
mulher, que era tudo para mim, durante uma crise intensa e
imprevisível de confusão mental, ela que me amava a ponto de
querer apenas morrer, na falta de poder viver, e talvez eu tenha, na
minha confusão, e na minha inconsciência, prestado
esse serviço, do qual ela
não se defendeu mas do qual morreu».
16NOV2007
– Público
MEMÓRiA
16OUT1888-1953
- Eugene Gladstone O’Neill, aliás Eugene O’Neill: Escritor
e dramaturgo americano, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura
(1936) - «A solidão do ser humano não é outra coisa senão o seu
medo de viver… Para cada um de nós, a vida é como uma cela
solitária, cujos muros mais parecem espelhos». IMAG.199-444
16OUT1918-1990
- Louis Pierre Althusser, aliás Louis Althusser: Filósofo francês,
nascido na Argélia - «A ideologia tem pouco a ver com a consciência
- pelo contrário, trata-se de algo profundamente inconsciente».
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18OUT1898-1975
- Leopoldo Neves de Almeida, aliás Leopoldo de Almeida: Artista e
professor português - «É um escultor de forte marca classicizante
temperada por alguma emoção, que sabe com eficácia responder à
encomenda particular de gosto naturalista, bem como ao discurso do
modernismo histórico e encapotado do SNI» (José Luís Porfírio).
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1923-18OUT2008
- Xie Jin: Cineasta chinês, realizador de O
Destacamento Vermelho Feminino
(1957) - «O seu talento cintilou entre os contemporâneos que se
afirmaram após a instauração da República Popular em 1949, e foi
um dos poucos artistas que continuaram a dirigir filmes durante e
após a Revolução Cultural. Acusado de humanismo burguês, foi
condenado a fazer trabalho comunitário nas zonas rurais, e passou
algum tempo em prisão domiciliária. Mais tarde, houve quem o
denunciasse por oportunismo, quando a mulher de Mão Tsé-Tung, Jian
Qing, o envolveu na produção de fitas segundo o modelo
ópera, durante o Gangue dos
Quatro» (Ronald Bergan). IMAG.222-443
1923-19OUT2008
- Gianni Raimondi: Tenor lírico italiano, distinguido com o Prémio
Caruso (1990) - «Podia não ter uma grande
voz, mas era excitante e de grande beleza, com um top
cálido, pastoso, gradevole
e um timbre homogéneo, cantando com um estilo elegante e um
fraseamento requintado e muito agradável» (Joern H. Anthonisen).
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COMENTÁRiO
Um
estudo sistemático das actividades anarquistas do grande dramaturgo
ainda não foi empreendido, que eu saiba, porém existem muitos
ensaios sobre ele e os dados colhidos permitem estabelecer uma
trajectória, se não completa, pelo menos suficiente.
A
mais pormenorizada das biografias interessantes para o nosso assunto
é sem dúvida a do casal Arthur e Barbara Gelb, que chega quase a
mil páginas, mas tem também duas obras de Louis Sheaffer que
oferecem uma grande quantidade de informação. Descobre-se, assim,
que um dos primeiros contactos que O’Neill teve com anarquistas
data de 1907, quando conheceu Benjamin Tucker e começou a frequentar
a livraria dele em Nova Iorque: The Unique Bookshop, situada na Sexta
Avenida. Eugene não tinha ainda vinte anos, enquanto o pensador e
escritor anarquista alcançara já os cinquenta, com mais de trinta
anos de experiências como propagandista, redactor de periódicos,
autor de ensaios. Foi através do Tucker que O’Neill travou
conhecimento com a obra de Bacunin e Kropotkin, Proudhon e Tolstoi,
Stirner e Nietzsche. Definiu-se então «anarquista filosófico»,
uma etiqueta pouco usada em outros países, mas que se tornou comum
nos Estados Unidos e que equivale – ainda hoje – a «anarquista
não-violento». Distinção necessária, pois a opinião pública
tende a misturar anarquismo e terrorismo. Para bem da verdade, cabe
reconhecer que naquela época a associação com Czolgosz (que tinha
matado um Presidente) e Berkman (que atirara contra um capitalista
inflexível e cruel contra operários grevistas) era comum. Quem
apresentou O’Neill a Tucker foi Paul Holliday, outro anarquista,
irmão de Polly Holliday, gerente de um café boémio no Greenwich
Village, companheira de vida de outro militante activo muito
conhecido, Hippolyte Havel. O Paul foi um grande amigo de O’Neill
até sua trágica morte, poucos anos depois. Outro grande amigo
anarquista (e futuro personagem de sua obra) foi Terry Carlin
(verdadeiro nome Terence O’Carolan), que tinha a qualidade
adicional de ser de origem irlandesa, como O’Neill. Companheiro de
bebedeira, o escritor nunca o renegou quando ficou famoso e passou a
mandar-lhe cheques mensais para que nunca lhe faltasse a bebida. Os
Gelb escrevem «Carlin teve uma influência maior na filosofia de
O’Neill do que qualquer outra pessoa». Não devemos estranhar
isso, pois Carlin foi admirado por escritores importantes como Jack
London e Theodore Dreiser. Mais uma amizade importante – e que
durou até o fim da vida – foi a com Saxe Commins (verdadeiro nome
Cominsky), dentista que se tornou autor teatral, e sobrinho de Emma
Goldman. A ele se dirigiu O’Neill, para que lhe procurasse
documentação sobre algumas personagens anarquistas em suas peças.
Em gratidão pela hospitalidade recebida dele e de toda a família, e
por lhe ter cuidado dos dentes de graça, O’Neill sugeriu a sua
contratação pela Random House, onde se tornou seu editor pessoal.
Saxe foi também quem manteve contactos indirectos entre O’Neill,
com as duas primeiras esposas e os filhos que delas teve. Quando
fugiu para a França, onde vivia incógnito com Carlotta, que se
tornou sua terceira mulher, um dos poucos que sempre sabia onde ele
se encontrava foi justamente Commins. Aliás, O’Neill não era o
único que o estimava, pois tornou-se também amigo de Albert
Einstein, que conheceu quando ambos ensinavam em Princeton.
Pietro
Ferrua
-
Verve (excerto)
CALENDÁRiO
15JUN2017
- Terratreme produziu, e estreia Terceiro
Andar (2016) de Luciana Fina;
com Aissato Baldé, Fatumata Baldé.
22JUN-24SET2017
- No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta
Intricate Others - exposição
de pintura, dança e performance de Nick Mauss (EUA), sendo
comissário João Ribas.
19SET1928-09JUN2017
- William West Anderson, aliás Adam West: Actor americano,
protagonista de Batman no
cinema (1966) e em série televisiva (1966-1968) - «Bastava-me pôr
o capuz, e esperar que não me reconhecessem». IMAG.10-546
BREVIÁRiO
Livros
do Brasil edita A Pérola
de John Steinbeck (1902-1968); tradução de Clarisse Tavares.
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Elsinore
edita Crash de
J.G. Ballard (1930-2009); tradução de Marta Mendonça.
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