quinta-feira, setembro 07, 2017

IMAGINÁRiO #679

José de Matos-Cruz | 16 Outubro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

PROXIMIDADES
Por um destino insólito, mas que tem antecedentes sociopolíticos, pouco existe disponível em edição portuguesa de banda desenhada por autores espanhóis. Tal reflecte, afinal, implicações da história recente, com significativo alcance cultural - lembre-se, por exemplo, a bizarra situação no âmbito cinematográfico, em que os filmes de Luís Berlanga ou Carlos Saura, anos atrás, chegavam até nós, através da distribuição francesa. É certo, mas chegavam! Este paradoxo ibérico - de lamentável reciprocidade, e que coloca uma relação entre-fronteiras pelo remetente além-Pirinéus - teve, aliás, uma rotura em quadradinhos, por intervenção directa da BaleiAzul. A obra em causa intitula-se, sugestivamente, O Artefacto Perverso (1996), trazendo a assinatura de Felipe Hernández Cava (argumento) & Federico del Barrio (ilustração). Na vivência familiar dum artista madrileno de bd, em finais da década de ’40 do Século XX, marcada pelas expectativas de carreira e pelos compromissos do passado, paira uma acção exemplar de fidelidades, repressão e traições, sob um expressivo / perturbante grafismo a preto-e-branco… IMAG.485

EPISTOLÁRiO

Estou sempre e sempre tentando interpretar a Vida em termos de vidas, não apenas vidas em termos de carácter. Mantenho-me sempre muito consciente da Força que está por detrás de tudo – Destino, Deus, nosso passado biológico criando o nosso presente, não importando o nome que se dê a isso – Mistério, com certeza – e da eterna tragédia do Homem em sua luta gloriosa, autodestrutiva para fazer com que essa Força lhe dê expressão, em vez de fazer que seja apenas, como um animal, um incidente infinitesimal da expressão dessa Força. Tenho a profunda convicção de que este é o único assunto sobre o qual vale a pena escrever e de que é possível – ou poderia vir a ser – desenvolver uma expressão trágica em termos de valores e símbolos modernos transfigurados no teatro, que pode, até certo ponto, fazer que uma audiência moderna possa experienciar uma enobrecedora identificação com as figuras trágicas em cena. É claro que isso é um sonho, mas, quando se trata de teatro, é necessário sonhar, e o sonho dos gregos na tragédia é o mais nobre de todos os tempos!
Eugene O’Neill
- A Arthur Hobson Quinn (1925)
RELATÓRiO


18NOV1980 – Filósofo Louis Althusser Estrangula a Mulher …Era domingo, uma manhã cinzenta de domingo quando o filósofo Louis Althusser, de 62 anos, anuncia aos gritos o que acontecera no interior do seu apartamento na École Normale Supérieure, em Paris: «Estrangulei Hélène!» No dia seguinte, já com o filósofo internado num hospital psiquiátrico, a autópsia confirma: apesar de não existirem quaisquer vestígios na pele do pescoço, nem quaisquer sinais de resistência, Hélène Rytmann, de 70 anos, companheira de Althusser há mais de 30, tinha sido estrangulada. Por ele, que um ano depois é dado como inimputável. Althusser, um dos principais filósofos comunistas, tinha um passado clínico de depressões e crises de melancolia, conhecera já vários internamentos. Continuará a entrar e sair de hospitais psiquiátricos até ao fim da sua vida, em 1990. Entre internamentos, revolta-se contra a privação da palavra que o seu acto acarretara, contra a ausência de testemunho. O resultado é uma autobiografia, L’Avenir Dure Longtemps, que começa assim: «É provável que se considere chocante eu não me resignar ao silêncio após o acto que cometi, e também o não-lugar que o sancionou e do qual eu beneficiei. Mas se eu não tivesse tido este benefício teria de ter comparecido. E se eu tivesse comparecido teria de ter respondido. Este livro é essa resposta…» Saído de «uma noite impenetrável», o que terá levado o filósofo a matar? O que terá levado Hélène a não resistir? «Estrangulei a minha mulher, que era tudo para mim, durante uma crise intensa e imprevisível de confusão mental, ela que me amava a ponto de querer apenas morrer, na falta de poder viver, e talvez eu tenha, na minha confusão, e na minha inconsciência, prestado esse serviço, do qual ela não se defendeu mas do qual morreu».
16NOV2007 – Público

MEMÓRiA

16OUT1888-1953 - Eugene Gladstone O’Neill, aliás Eugene O’Neill: Escritor e dramaturgo americano, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1936) - «A solidão do ser humano não é outra coisa senão o seu medo de viver… Para cada um de nós, a vida é como uma cela solitária, cujos muros mais parecem espelhos». IMAG.199-444

16OUT1918-1990 - Louis Pierre Althusser, aliás Louis Althusser: Filósofo francês, nascido na Argélia - «A ideologia tem pouco a ver com a consciência - pelo contrário, trata-se de algo profundamente inconsciente». IMAG.199-295

18OUT1898-1975 - Leopoldo Neves de Almeida, aliás Leopoldo de Almeida: Artista e professor português - «É um escultor de forte marca classicizante temperada por alguma emoção, que sabe com eficácia responder à encomenda particular de gosto naturalista, bem como ao discurso do modernismo histórico e encapotado do SNI» (José Luís Porfírio). IMAG.55-639

1923-18OUT2008 - Xie Jin: Cineasta chinês, realizador de O Destacamento Vermelho Feminino (1957) - «O seu talento cintilou entre os contemporâneos que se afirmaram após a instauração da República Popular em 1949, e foi um dos poucos artistas que continuaram a dirigir filmes durante e após a Revolução Cultural. Acusado de humanismo burguês, foi condenado a fazer trabalho comunitário nas zonas rurais, e passou algum tempo em prisão domiciliária. Mais tarde, houve quem o denunciasse por oportunismo, quando a mulher de Mão Tsé-Tung, Jian Qing, o envolveu na produção de fitas segundo o modelo ópera, durante o Gangue dos Quatro» (Ronald Bergan). IMAG.222-443

1923-19OUT2008 - Gianni Raimondi: Tenor lírico italiano, distinguido com o Prémio Caruso (1990) - «Podia não ter uma grande voz, mas era excitante e de grande beleza, com um top cálido, pastoso, gradevole e um timbre homogéneo, cantando com um estilo elegante e um fraseamento requintado e muito agradável» (Joern H. Anthonisen). IMAG.222-415

COMENTÁRiO


Um estudo sistemático das actividades anarquistas do grande dramaturgo ainda não foi empreendido, que eu saiba, porém existem muitos ensaios sobre ele e os dados colhidos permitem estabelecer uma trajectória, se não completa, pelo menos suficiente. 
 
A mais pormenorizada das biografias interessantes para o nosso assunto é sem dúvida a do casal Arthur e Barbara Gelb, que chega quase a mil páginas, mas tem também duas obras de Louis Sheaffer que oferecem uma grande quantidade de informação. Descobre-se, assim, que um dos primeiros contactos que O’Neill teve com anarquistas data de 1907, quando conheceu Benjamin Tucker e começou a frequentar a livraria dele em Nova Iorque: The Unique Bookshop, situada na Sexta Avenida. Eugene não tinha ainda vinte anos, enquanto o pensador e escritor anarquista alcançara já os cinquenta, com mais de trinta anos de experiências como propagandista, redactor de periódicos, autor de ensaios. Foi através do Tucker que O’Neill travou conhecimento com a obra de Bacunin e Kropotkin, Proudhon e Tolstoi, Stirner e Nietzsche. Definiu-se então «anarquista filosófico», uma etiqueta pouco usada em outros países, mas que se tornou comum nos Estados Unidos e que equivale – ainda hoje – a «anarquista não-violento». Distinção necessária, pois a opinião pública tende a misturar anarquismo e terrorismo. Para bem da verdade, cabe reconhecer que naquela época a associação com Czolgosz (que tinha matado um Presidente) e Berkman (que atirara contra um capitalista inflexível e cruel contra operários grevistas) era comum. Quem apresentou O’Neill a Tucker foi Paul Holliday, outro anarquista, irmão de Polly Holliday, gerente de um café boémio no Greenwich Village, companheira de vida de outro militante activo muito conhecido, Hippolyte Havel. O Paul foi um grande amigo de O’Neill até sua trágica morte, poucos anos depois. Outro grande amigo anarquista (e futuro personagem de sua obra) foi Terry Carlin (verdadeiro nome Terence O’Carolan), que tinha a qualidade adicional de ser de origem irlandesa, como O’Neill. Companheiro de bebedeira, o escritor nunca o renegou quando ficou famoso e passou a mandar-lhe cheques mensais para que nunca lhe faltasse a bebida. Os Gelb escrevem «Carlin teve uma influência maior na filosofia de O’Neill do que qualquer outra pessoa». Não devemos estranhar isso, pois Carlin foi admirado por escritores importantes como Jack London e Theodore Dreiser. Mais uma amizade importante – e que durou até o fim da vida – foi a com Saxe Commins (verdadeiro nome Cominsky), dentista que se tornou autor teatral, e sobrinho de Emma Goldman. A ele se dirigiu O’Neill, para que lhe procurasse documentação sobre algumas personagens anarquistas em suas peças. Em gratidão pela hospitalidade recebida dele e de toda a família, e por lhe ter cuidado dos dentes de graça, O’Neill sugeriu a sua contratação pela Random House, onde se tornou seu editor pessoal. Saxe foi também quem manteve contactos indirectos entre O’Neill, com as duas primeiras esposas e os filhos que delas teve. Quando fugiu para a França, onde vivia incógnito com Carlotta, que se tornou sua terceira mulher, um dos poucos que sempre sabia onde ele se encontrava foi justamente Commins. Aliás, O’Neill não era o único que o estimava, pois tornou-se também amigo de Albert Einstein, que conheceu quando ambos ensinavam em Princeton.
Pietro Ferrua
- Verve (excerto)
CALENDÁRiO

15JUN2017 - Terratreme produziu, e estreia Terceiro Andar (2016) de Luciana Fina; com Aissato Baldé, Fatumata Baldé.

22JUN-24SET2017 - No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta Intricate Others - exposição de pintura, dança e  performance de Nick Mauss (EUA), sendo comissário João Ribas.

19SET1928-09JUN2017 - William West Anderson, aliás Adam West: Actor americano, protagonista de Batman no cinema (1966) e em série televisiva (1966-1968) - «Bastava-me pôr o capuz, e esperar que não me reconhecessem». IMAG.10-546

BREVIÁRiO

Livros do Brasil edita A Pérola de John Steinbeck (1902-1968); tradução de Clarisse Tavares. IMAG.35-360-635-656

Elsinore edita Crash de J.G. Ballard (1930-2009); tradução de Marta Mendonça. IMAG.46-247-298-638
 

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