José
de Matos-Cruz | 08 Setembro 2018 | Edição Kafre | Ano XV – Semanal
– Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
IMPLICAÇÕES
Poderia comentar-se assim: o bom filho à casa paterna volta… em busca de inspiração. Tratando-se de alguém como Tim Burton, talvez pareça perverso - mas, perante um facto confessado e a motivação em causa, o estrito aforismo ganha pleno sentido. Trata-se de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça / Sleepy Hollow (1999) - uma recriação extravagante, baseada no clássico popular de Washington Irving, The Legend of Sleepy Hollow. Em 1912, Étienne Artaud dirigira uma primeira transposição fílmica, com Alec B. Francis. Porém, foi a versão animada (de Clyde Geronimi e Jack Kinney) sob chancela Walt Disney, em 1949 com narração de Bing Crosby, que - meio século depois - aliciou Tim Burton à sua tão peculiar e determinante revisão em imagem real. Para explorar esta mesma expressão, Tim Burton - um obscuro mas talentoso animador - abandonara os Estúdios Disney, há uma quinzena de anos. O sucesso cumpriu-se, garantindo-lhe um especial estatuto em Hollywood. Criador insólito, artista mágico, Tim Burton sublima sobretudo - em temas e formas - um fabuloso imaginário: com referências infantis, de implicações nostálgicas, estigmatizando as sombras, estilizando uma irónica e vibrátil transfiguração.
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Poderia comentar-se assim: o bom filho à casa paterna volta… em busca de inspiração. Tratando-se de alguém como Tim Burton, talvez pareça perverso - mas, perante um facto confessado e a motivação em causa, o estrito aforismo ganha pleno sentido. Trata-se de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça / Sleepy Hollow (1999) - uma recriação extravagante, baseada no clássico popular de Washington Irving, The Legend of Sleepy Hollow. Em 1912, Étienne Artaud dirigira uma primeira transposição fílmica, com Alec B. Francis. Porém, foi a versão animada (de Clyde Geronimi e Jack Kinney) sob chancela Walt Disney, em 1949 com narração de Bing Crosby, que - meio século depois - aliciou Tim Burton à sua tão peculiar e determinante revisão em imagem real. Para explorar esta mesma expressão, Tim Burton - um obscuro mas talentoso animador - abandonara os Estúdios Disney, há uma quinzena de anos. O sucesso cumpriu-se, garantindo-lhe um especial estatuto em Hollywood. Criador insólito, artista mágico, Tim Burton sublima sobretudo - em temas e formas - um fabuloso imaginário: com referências infantis, de implicações nostálgicas, estigmatizando as sombras, estilizando uma irónica e vibrátil transfiguração.
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CALENDÁRiO
03MAI-03SET2017 - No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves expõe Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… de Gordon Matta-Clark (1943-1978).
11MAI-27AGO2017
- Em Lisboa, Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado
apresenta Desterro
- intervenção de desenho, fotografia e vídeo de Susana Anágua. IMAG.405
16MAI-09JUL2017
- Em Lisboa, Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva apresenta, em
colaboração com Maria da Graça Carmona e Costa, Interferências
-
exposição de pintura e desenho de Jorge Martins. IMAG.102-333-341-386-392-460-486-617
18MAI2017 - Caos Calmo Filmes produziu, e estreia Uma Vida à Espera (2016) de Sérgio Graciano; com Miguel Borges e Isabel Abreu. IMAG.407-525
18MAI2017
- NOS Audiovisuais estreia Perdidos
(2017) de Sérgio Graciano; com Dânia Neto e Afonso Pimentel. IMAG.407-525
19MAI-25JUN2017
- Em Odivelas, Centro Cultural Malaposta apresenta Cumplicidades
| Encontro de Memórias
- exposição de pintura de Eduardo Teixeira e Eduardo Santos Neves.
19MAI-03SET2017
- No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta Uma
História Universal de Tudo e de Nada -
exposição de pintura e desenho de Julie Mehretu (Etiópia).
20MAI-03SET2017
-
Em Lisboa, Culturgest expõe O
Fotógrafo Acidental - Serialismo e Experimentação Em Portugal,
1968-1980.
VISTORiA
Angústia
Esta
noite, não vim domar o teu corpo, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar.
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar.
Busco
em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos.
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos.
Pois
o Vício, a roer a minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto o teu seio de pedra é cidade.
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto o teu seio de pedra é cidade.
De
um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Stéphane
Mallarmé
VISTORiA
Era
Outono. Pela estrada real duas carruagens seguiam a trote rápido. Na
da frente viajavam duas mulheres. Uma, a senhora, magra e pálida. A
outra, a criada, gorda e de um corado lustroso. Os seus cabelos
curtos e ressecados brotavam por baixo do chapéu desbotado, e a mão
avermelhada, coberta por uma luva puída, ajeitava-os com gestos
bruscos. O busto volumoso, envolto num lenço rústico, transpirava
saúde; os olhos negros e vivazes ora espiavam pela janela os campos
fugidios, ora observavam timidamente a senhora, ora lançavam olhares
inquietos para os cantos da carruagem. A criada tinha bem junto ao
nariz o chapéu da senhora pendurado na bagageira, um cãozinho
deitado nos joelhos, os pés acima dos pequenos baús dispostos no
chão, tamborilando sobre eles, em sons quase abafados pelo ruído
dos solavancos das molas e do tilintar dos vidros.
De
mãos cruzadas sobre os joelhos e de olhos fechados, a senhora
balouçava levemente nas almofadas que lhe serviam de apoio e, com um
leve franzir de cenho, dava tossidelas fundas. Tinha na cabeça uma
touquinha branca de dormir e um lencinho azul celeste envolto no
pescoço pálido e delicado. Uma risca brotava abaixo da touquinha e
repartia os cabelos ruços, excessivamente lisos e empastados; havia
qualquer coisa de seco e mortiço na brancura do couro daquela vasta
risca. A pele murcha, um tanto amarelada, mal conseguia modelar as
suas feições belas e esguias, que ganhavam um tom vermelho nas
maçãs do rosto. Os lábios secos mexiam-se intranquilos, as ralas
pestanas não se encrespavam, e o casacão de viagem formava rugas
entre os seios encovados. Mesmo de olhos fechados, o rosto da senhora
expressava cansaço, irritação e um sofrimento que lhe era
familiar.
Recostado
em seu banco, o criado dormitava na boleia; o postilhão gritava
animado e fustigava a possante quadriga suada; uma vez por outra
espreitava o outro cocheiro, que gritava de trás, da caleche. As
marcas paralelas e largas das rodas estendiam-se nítidas e iguais
pelo calcário lamacento da estrada. O céu estava cinzento e frio; a
bruma húmida espalhava-se pelos campos e pela estrada. A carruagem
estava abafada e recendia poeira e água-de-colónia. A doente
inclinou a cabeça para trás e abriu devagar os olhos, grandes,
brilhantes, de uma bela tonalidade escura.
Leon
Tolstoi
-
Três
Mortes
(excerto)
O Erro
de Desconhecer o Passado
Uma
obra não resolve nada, assim como o trabalho de uma geração
inteira não resolve nada. Os filhos – o amanhã – recomeçam
sempre e ignoram alegremente os pais, o já feito. É mais aceitável
o ódio, a revolta contra o passado do que esta beata ignorância. O
que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição, graças
à qual se olhava sempre para o passado. Este, o segredo da sua
inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra – de uma
geração – é sempre determinada pela quantidade de passado que
contém.
Cesare
Pavese
-
O
Ofício de Viver
(excerto)
EPISTOLÁRiO
A
Sissi
Receio
que tu não sigas o conselho do médico e continues a minar a tua
saúde, até quando for tarde demais e não houver mais remédio.
Nada mais posso fazer que rogar-te, sobretudo, que te alimentes.
Francisco
José I
MEMÓRiA
1391-09SET1438
- D. Duarte I, o Eloquente: Décimo-primeiro Rei de Portugal, autor
de Livro
da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela
e de Leal
Conselheiro
- «Isto se deve fazer como faz Nosso Senhor, que posto que a direita
carreira da perfeição seja tão estreita, que por mui poucos é
seguida, porém vendo bom propósito e tenção todos traz a porto
com saúde, dizendo que por muitos caminhos o podemos servir.». IMAG.194-266-322-446-552
09SET1828-1910
- Lev/Leon Nikolaievitch Tolstoi, aliás Lev/Leon Tolstoi: Escritor
russo - «Os homens distinguem-se entre si, também neste aspecto:
alguns primeiro pensam, depois falam e, em seguida, agem; outros,
pelo contrário, primeiro falam, depois agem e, por fim, pensam.». IMAG.56-194-299-305-358-363-444-506-515-527-593-602-616
1842-09SET1898
-
Étienne Mallarmé, aliás
Stéphane Mallarmé: Poeta francês, crítico literário - «E já
morro, e já amo / Seja a arte o vitral, ou seja uma cruz mística
/ Renascendo, a erguer o sonho em diadema / A um céu anterior e que
a beleza nimba!». IMAG.194-210-363-595
09SET1908-1950
- Cesare Pavese: Ficcionista e poeta italiano - «Chega o momento em
que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará, um
dia, em memória. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso,
justamente, ter já recordações.» (Diário
1935-1950). IMAG.
56-173-233-288-375
1837-10SET1898
- Imperatriz Isabel da Áustria, aliás Isabel da Baviera, aliás
Elisabeth Amalie Eugenie von Österreich-Ungarn, aliás Sissi:
«Deambulo solitária sobre a Terra, há muito tempo, alienada da
vida e do prazer; não tenho e nunca tive uma alma que me
entendesse.» (Diário). IMAG.395-518-640-651
15SET1938-2011
- José Manuel Niza Antunes Mendes, aliás José Niza: Médico,
político, escritor e músico português, criador de E
Depois do Adeus
- «Foi o maior compositor da nossa geração e um homem de
princípios que, desde a década de ’50, foi meu parceiro na poesia
e na música, para além de companheiro na política. Tinha uma
personalidade multifacetada» (Manuel Alegre). IMAG.377
BREVIÁRiO
Ignota
/ Sr. Teste edita Brincadeiras
Vagas - A Boneca
de Paul Éluard (1895-1932); tradução de Aníbal Fernandes. IMAG.13-53
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