sábado, janeiro 06, 2018

IMAGINÁRiO #696

 José de Matos-Cruz | 24 Fevereiro 2019 | Edição Kafre | Ano XVI – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PASSAGENS
Um dos mais controversos e empreendedores cineastas italianos, Franco Zefirelli regressou à Florença natal para um Chá Com Mussolini (1998). Entre fantasias e desaires, vivências e violências. A partir de 1934, assinalando a ascensão do fascismo, no modo como as transformações sociais e políticas afectam um grupo de damas fora do seu país - sobretudo inglesas, e já maduras. Eis uma cidade mágica, de refúgio ou de exílio, para aquelas que ali revestem as pequenas experiências do quotidiano, encontrando-se à hora do chá no acolhedor Doney’s Café, da Via Tornabuoni. Ora, também elas se converterão em vítimas ou comparsas, na esperança dos mais jovens…
Justificando o investimento artístico pela estratégia romanesca, Chá Com Mussolini privilegia a figura de vedetas - como Joan Plowright igual a si mesma, uma tocante Maggie Smith, ou Cher já sem máscaras. Afinal, modeladas pelo figurino da denúncia - sobre uma realidade contaminada sob a opressão, pela tragédia, através da qual irradiam porém, irresistíveis, a coragem e a libertação.

VISTORiA

Elegia

Colham-se as rosas na manhã da vida;
Ao menos no fugir da primavera,
Das flores os perfumes se respirem.
O peito se franqueie aos castos gozos;
Amemos sem medida, ó cara amante!

Quando o nauta, no meio da tormenta,
Vê o frágil baixel quase afundir-se,
Às praias que deixou dirige as vistas,
E tarde chora a paz que ali gozava.
Ah! quanto dera por volver o triste
Aos amigos da aldeia, ao lar paterno,
E de novo passar junto à que adora
Dias talvez sem glória, mas tranquilos!
Assim um velho, curvo ao peso d’anos,
Da mocidade, em vão, os tempos chora;
Diz: «Volvei-me essas horas profanadas
De que eu, ó céus, não soube aproveitar-me».
Só lhe responde a morte; os céus são surdos
E inflexíveis o arrojam ao sepulcro,
Não consentindo que se abaixe ao menos,
A apanhar essas flores desprezadas.

Amemos, vida minha!
E riamos do afã que os homens levam
Atrás de um fumo vão que lhes consome
Metade da existência, desperdiçada
Em sonhos e quimeras.

Não invejemos seu orgulho estéril;
Deixemos à ambição os seus castelos;
Mas nós, da hora incertos,
Tratemos de esgotar da vida a taça,
Enquanto as mãos a empunham.
Quer os louros nos cinjam,
E, nos fastos sangrentos de Belona,
Nosso nome se inscreva em bronze e mármore;
Quer da singela flor que as belas colhem
Se entrance a humilde c’roa,
Vamos todos saltar na mesma praia.

De que vale, no momento do naufrágio,
Em pomposo galeão ir navegando,
Ou num batel ligeiro,
Solitário viajante,
Ter só junto da margem bordejando?

Alphonse de Lamartine
(Tradução de Castro Alves)

MEMÓRiA

1742-24FEV1799 - Georg Christoph Lichtenberg: Escritor, filósofo e matemático alemão - «As pessoas que cedem e concordam com tudo são sempre as mais saudáveis, as mais belas e de figura mais harmoniosa. Basta alguém ter um defeito, para haver uma opinião própria… No mundo, encontramos mais frequentemente lições, que conforto». IMAG.377

1873-26FEV1929 - Augusto César Ferreira Gil, aliás Augusto Gil: Poeta português - «Ficaste a rezar até / Manhã dentro, manhã alta. / Como é que tens tanta fé / E a caridade te falta?…» (Grão de Incenso - excerto). IMAG.307

1790-28FEV1869 - Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine, aliás Alphonse de Lamartine: Ficionista, poeta e político francês - «Não há homem completo que não tenha viajado muito, que não tenha mudado vinte vezes de vida e de maneira de pensar». IMAG.216-295

VISTORiA

Balada da Neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil

INVENTÁRiO

A PROMESSA - ANTÓNIO DE MACEDO


Regressando à transposição dum original literário - após Domingo à Tarde (1965), baseado no romance de Fernando Namora - António de Macedo concretizou A Promessa em 1972, sobre a peça de Bernardo Santareno. Uma produção do Centro Português de Cinema - com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian - avaliada em 2.500 contos, sob direcção de Henrique Espírito Santo; a que se associaram o realizador, Francisco de Castro e a Tobis Portuguesa - que cedeu os estúdios decorados por António Casimiro, e revelou a película a cores. Macedo utilizou vários expedientes técnicos - como uma série de filtragens, lentes e difusores, de acordo com o estado do tempo - que emprestaram «um aspecto físico, uma transparência pouco habituais». Elso Roque foi responsável pela fotografia, com exteriores na Tocha e Palheiros da Tocha, Figueira da Foz, Buarcos, Gala e Costa de Lavos. Numa aldeia de pescadores, o cumprimento do voto de castidade feito por jovem casal, ao salvar-se de naufrágio o pai do marido, gera tensões e conflitos, agravados pela chegada de um estranho… Para Macedo, «a força dramática da história, o seu contexto sociológico e etnográfico, têm raízes autênticas» - através dum envolvimento com a música popular e os cantos tradicionais, registados por Michel Giacometti; a propósito, a Censura pôs a condição de que fossem retirados na cena final, para permitir a estreia no Condes - onde a fita foi lançada, já em Janeiro de 1974; autorizava, no entanto, uma versão integral prevista para o Apolo 70! Além dos protagonistas - Guida Maria, Sinde Filipe e João Mota - destacam-se no elenco Luís Santos, Maria e Fernando Loureiro. Primeiro filme português escolhido para a Selecção Oficial do Festival de Cannes em 1973, recebendo o apreço da crítica internacional, A Promessa foi galardoado com o Mujol de Oro no Festival de Cartagena (Espanha), e com um Prémio Especial no certame de Teerão em 1974.
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CALENDÁRiO

28SET-18NOV2017 - No Porto, Galeria CódigoDesign apresenta Recollection - exposição de quadros-esculturas de Paulo Ramunni.

11OUT2017-14JAN2018 - Em Lisboa, Museu Colecção Berardo apresenta Trilogia - exposição de fotografia de Lu Nan (China), sendo curador João Miguel Barros.

11OUT-11DEZ2017 - Em Lisboa, Galeria Art Lounge apresenta Enter In the Square To Be Band Apart - exposição de pintura de Brice Mounier (França).

14OUT2017 - A Biblioteca Móvel de Cascais começa a circular, por iniciativa da Fundação D. Luís I, com a colaboração com a Câmara Municipal.

27OUT-12NOV2017 - No Fórum Luís de Camões, decorre 28º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd 2017.

BREVIÁRiO

Relógio D’Água edita Os Maias de Eça de Queiroz (1845-1900).
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