PRONTUÁRiO
SINGULARIDADES
«A literatura infantil, os contos de fadas, estão estreitamente
ligados às sensações e, sobretudo, ao medo» - referia François Truffaut nas
célebres conversas sobre O Cinema de Alfred Hitchcock, tendo
motivado ao mestre do suspense mais
um ambíguo comentário: «Mas é esse, precisamente, o fascínio do imaginário…»
Tal poderia simbolizar o apelo dos clássicos sobre a banda desenhada, de que é
exemplar O Alfaiatezinho Valente / Le Vaillant
Petit Tailleur (1997) - na versão escrita e ilustrada por Pierre Lavaud,
aliás Mazan, autor da Escola de Angoulême. A partir da narrativa concebida
pelos irmãos Jacob & Wilhelm Grimm, e publicada em antologia nos princípios
do Século XIX, eis a saga de Valente - que se gaba «Matei sete de uma vez!»,
sem referir que eram moscas que estavam a perturbá-lo, no intervalo da
confecção de um belo gibão. Assim, o vaidoso alfaiatezinho de Cirinte inicia as
suas proezas heróicas - que o levam a enfrentar gigantes, ogres e unicórnios -
dispondo-se, enfim, a conquistar o coração da Princesa, filha do rei Odon o
Justo... Premiado como Melhor Álbum Juvenil no Festival de Erlangen, sobressai
a recriação irónica e fantasista, estilizada por um grafismo solto mas alusivo.
CALENDÁRiO
¨1930-23MAR2015 - Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, aliás
Herberto Helder: Poeta e ficcionista português, autor de A Colher Na Boca (1961) - «é na morte de um poeta que se principia
a ver que o mundo é eterno» (Os Passos Em
Volta - 1963). IMAG.221-245-325-440-487-504-519
¢28MAR-20SET2015 - Em Lisboa, Museu do Fado e Atelier-Museu Júlio
Pomar expõem Sem Capricho ou Presunção -
O Fado Por Júlio Pomar e Novas Doações. IMAG.19-312-449-495-505-534-552-553
VISTORiA
Morri Pela Beleza
¨Morri pela
Beleza – mas mal me tinha
Acomodado à Campa
Quando Alguém que morreu pela Verdade,
Da Casa do lado –
Perguntou baixinho «Por que morreste?»
«Pela Beleza», respondi –
«E eu – pela Verdade – Ambas são iguais –
E nós também, somos Irmãos», disse Ele –
E assim, como parentes próximos, uma Noite –
Falámos de uma Casa para outra –
Até que o Musgo nos chegou aos lábios –
E cobriu – os nossos nomes –
Acomodado à Campa
Quando Alguém que morreu pela Verdade,
Da Casa do lado –
Perguntou baixinho «Por que morreste?»
«Pela Beleza», respondi –
«E eu – pela Verdade – Ambas são iguais –
E nós também, somos Irmãos», disse Ele –
E assim, como parentes próximos, uma Noite –
Falámos de uma Casa para outra –
Até que o Musgo nos chegou aos lábios –
E cobriu – os nossos nomes –
Emily Dickinson
- Poemas e Cartas (Tradução
de Nuno Júdice)
¨Amo devagar
os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
– Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
– Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Helder
- Lugar (1962)
VISTORiA
¨Há um certo número de frases feitas que se conservam como num
armazém, e das quais nos servimos para nos felicitarmos uns aos outros pelos
nossos êxitos. Apesar de serem ditas, geralmente, sem aflição, e recebidas sem
reconhecimento, nem por isso é permitido omiti-las, porque pelo menos são a imagem
daquilo que há de melhor no mundo, que é a amizade; e os homens, não podendo
contar uns com os outros na realidade, parecem ter combinado entre si
contentarem-se com as aparências.
Com cinco ou
seis termos de arte, e nada mais, dá-se ares de conhecedor de música, quadros,
construções e manjares: pensa-se ter mais prazer do que os outros em ouvir,
ver, comer; cada um impõe-se aos seus semelhantes, e engana-se a si mesmo.
Jean de La Bruyère
- Os Caracteres (1688,
excerto)
O Espaço e a Morte
¨Os símbolos, uma vez realizados, pertencem à esfera da extensão.
Todos eles – também os que designam um processo de evolução – são algo que se
produziu e não algo que se produz. Por essa razão, têm limites rígidos e
obedecem às leis do espaço. Não há símbolos que não sejam sensíveis e
espaciais. A própria palavra forma
significa algo que se estenda na extensão. Esta, porém, é a nota que
caracteriza o facto de estar alerta;
facto que constitui apenas um aspecto da existência individual e se acha
intimamente ligado aos destinos da mesma. Sendo assim, todos os traços da
vigilância activa – quer sintamos, quer compreendamos – pertencem já ao
pretérito no mesmo instante em que nos demos conta deles. Sobre impressões
somente podemos reflectir, como dizemos, servindo-nos de um termo significativo.
Mas o que para a vida sensível dos animais é apenas passado, é passageiro
para o intelecto humano, dependente de palavras. O que penetrou no reino da
extensão tem não somente um começo como também um fim. Entre o espaço e a morte
existe uma profunda conexão, que já se fez sentir em épocas muito remotas. O
homem é o único ser que conhece a morte.
Oswald Spengler
- A Decadência do Ocidente
(1918, excerto)
MEMÓRiA
¨ 1880-08MAI1936 - Oswald Arnold Gottfried Spengler, aliás Oswald
Spengler: Filósofo e historiador alemão, autor de A Decadência do Ocidente (1918) - «Assim termina o espectáculo de
uma grande cultura, esse mundo maravilhoso de deidades, artes, pensamentos… Resumindo,
os factos primordiais do sangue eterno, que é idêntico às flutuações cósmicas
em seus eternos ciclos».
¨ 1645-10MAI1696 - Jean de la Bruyère:
Escritor francês, ensaísta sobre a Moral - «O mais doce de todos os sons é a
voz de uma mulher apaixonada». IMAG.528
¯10MAI1916-2011 - Milton Babbitt: Compositor americano, teórico e
professor, pioneiro da música electrónica - «Ensinar uma criança a imaginar o
ritmo, uma sucessão de durações, é muito mais difícil que ensinar alguém a
posicionar correctamente o seu dedo num instrumento». IMAG.342
¨ 13MAI1936-2009 - Manuel António dos
Santos Lourenço, aliás M.S. Lourenço: Escritor português, poeta, filósofo, professor e tradutor - «Comigo as minhas vozes instam / Para que eu
retome a Poesia. / Enfada-as o halo do silêncio / Após a audição da fala
nobilíssima.» IMAG.264-294
¸ 12MAI1916-1980 - José Manuel Nobre Perdigão Queiroga, aliás Perdigão
Queiroga: Cineasta português, realizador de Fado,
História d’Uma Cantadeira (1947) - «Sem descer, sem concessões ao reles,
[fixa] o ambiente em que vive esta canção popular, nem sempre doentia» (António
Ferro). IMAG.63-82-90-94-223-275-279
¨ 1830-15MAI1886 - Emily Dickinson: Poetisa americana - «A beleza
não tem causa. É. Quando a perseguimos, apaga-se. Quando paramos, permanece».IMAG.255-327
BREVIÁRiO
¨Assírio & Alvim re-edita Rosto
Precário de Eugénio de Andrade (1923-2005); prefácio de Joana Matos Frias. IMAG.33-45-150-248-303-326-389-423-432-460-485-518-526-546
¨Afrontamento edita Categorias
e Outras Paisagens de Fernando Echevarría. IMAG.345
¨Tinta da China edita Nas Bocas do Mundo - O 25 de Abril e o PREC Na Imprensa Internacional de
Joaquim Vieira e Reto Monico.
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS - Folhetim
Aperiódico
JORNAL D’ONTEM, PAPÉIS VELHOS - 2
Antes, Hortênsio tivera uma história para contar, como aquelas que
vinham nos diários: «Amanhã, realiza-se a notícia que demos no Domingo…»
Agora, o futuro de Hortênsio parecia depenicá-lo com panaceias
doces, das que deixam um travo amargo: a mágoa de quem se antecipa no
imaginário.
– Continua
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