José
de Matos-Cruz | 16 Março 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em
2004
PRONTUÁRiO
SUBVERSÕES
Alargando
o território da aventura a todo o mundo, a banda desenhada europeia amplia
também as implicações temáticas e as expectativas de entretenimento, suscitando
aos leitores a consciencialização
para problemáticas que escapam às convenções e às vivências do quotidiano. Em
alternativa ao ciclo Reflets d’Écume (1994), que lhe proporcionou justo prestígio, o artista de origem
portuguesa Alberto Varanda sondou,
em 1996, um ambíguo universo político-criminal, ambientado em futuro próximo,
no qual se estigmatizam os desafios e as tensões de um realismo fantástico. Eis
Bloodline – um tríptico perturbante, sobre
argumento da dupla Anje (aliás, Anne
& Gérard Guero) – em coloração por computador de Stew Patrikian. A acção decorre em 2003. Tendo assistido ao
massacre da família, sem razões aparentes, os gémeos Kevin e Lauren são
forçados a uma sobrevivência de traições e ameaças, motivada pelos seus
extraordinários dons psíquicos… Uma aventura fascinante, que Varanda
transfigurou ao seu estilo insólito mas sugestivo.
CALENDÁRiO
13FEV-18ABR2015 - Em
Lisboa, Galeria Quadrado Azul expõe Protótipos
de Francisco Tropa, sendo curadora Simone Menegoi. IMAG.399
27JUL1955-18FEV2015
- Albano Melo Matos, aliás Albano Matos: Jornalista português, ligado ao Diário de Notícias - «Era um representante
de um certo jornalismo que está a acabar, com uma cultura vastíssima, de
conhecimento sólido e sedimentado, com uma prosa absolutamente notável»
(Feliciana Ferreira).
¸19FEV-19ABR2015
- No âmbito do 15º aniversário do festival Monstra, Museu da Marioneta expõe Papel de Natal - cenários e personagens
do filme de animação (2014) de José Miguel Ribeiro; e Entre a Realidade e a Fantasia - marionetas, cenários e adereços de
todos os filmes de marionetas da eslovena Špela Cadež. IMAG.548
MEMÓRiA
¯1710-16MAR1736
- Giovanni Battista Pergolesi: Compositor, organista e violinista italiano,
autor de La Serva Padrona (1733 - «o
primeiro andamento é o dueto mais completo e mais comovente jamais composto» -
Rousseau) ou Stabat Mater (1736). IMAG.296-318-327-387-490-512
¯17MAR1446
- Morre o padre Martim Lourenço, natural de Lisboa e educado no Paço, ao tempo
de El-Rei D. João I, homem de letras e pregador - a quem, pela sua estremada
eloquência, chamavam Boca de Oiro.
¸02NOV1906-17MAR1976
- Luchino Visconti: Cineasta e encenador italiano - «Parece que o tédio é uma
das grandes descobertas do nosso tempo. A ser assim, eis um aspecto em que
somos pioneiros». IMAG.105-222-319-320-331-475
¸19MAR1946-2013
- Bigas Luna: Cineasta espanhol, realizador de Bilbao / História de Um Fascínio (1978) - «O desejo é como um marrón glacé envolto em papel de prata». IMAG.460
R1937-19MAR2006
- Fernando Gil: Filósofo português, distinguido com o Prémio Pessoa (1993) -
autor de Mimésis e Negação (1984), Traité de l'Évidence (1993) ou Viagens do Olhar: Retrospecção, Visão e
Profecia No Renascimento Português (com Hélder Macedo - 1998) - «…Um dos
mais interessantes e importantes na renovação da filosofia em Portugal nos
últimos vinte e cinco anos» (Eduardo Lourenço).
21MAR1846-1905 - Raphael Bordallo Pinheiro: Artista
português, pintor, caricaturista, escultor, ceramista, criador do Zé Povinho - «…Retratos
muito mais vivos, muito mais parecidos com o original do que as próprias
fotografias das personagens que representam, desenhou-os ele de um só jacto na
pedra litográfica ou no papel autógrafo, entre a meia-noite e as cinco horas da
madrugada, em pé à banca, sob a luz crua e mordente do gás, sempre à última
hora, febricitante de pressa, escorrendo suor, com a testa e o nariz manchados
de preto pelas dedadas de craião, fumando avidamente cigarrettes, falando sempre, cantando, assobiando ou deitando
complacentemente a língua de fora às figuras» (Ramalho Ortigão - As Farpas, ABR1882). IMAG.22-32-43-59-77-98-115-197-208-242-246-256-304-365-381-499-517-518-545
VISTORiA
Bordallo
Rafael Bordallo foi um artista eminentemente progressivo. Como
caricaturista, como ceramista e até como estatuário, satisfez essas condições
máximas. Antes de Bordallo, em Portugal, a caricatura não ia muito além duma
tentativa infantil. Ele veio, num período de luta e de indecisão para a Arte
Portuguesa, quando sobre tabiques românticos erguidos em entulhos clássicos se
construíam águas-furtadas naturalistas. Ele veio com a sua cabeleira de
romântico e o seu monóculo de observador, e topou no entulho, encostado aos
tabiques, toda transida e a tremer, uma caricatura seca, enfezadinha, mal
nascida e moribunda. Pegou nela, mirou-a, acariciou-a e sorriu-se. Aquele
sorriso luminoso, aquele sorriso superior foi para a pobre enfezadinha, que até
ali só vivera de ódios, a ressurreição e a esperança. Ele, então,
transformou-a. Deu-lhe forma, deu-lhe força, deu-lhe vida, deu-lhe
originalidade; e, pela escolha dos assuntos, pela análise contínua do nosso
viver político, pela compreensão das tendências nacionais, pela sua grande
confiança no futuro - sempre trazendo a caricatura atenta - contribuiu mais que
qualquer tratadista dogmático para que entre nós a crítica social se
desenvolvesse, independente, nos espíritos e a esperança nascesse nas almas
frouxas. Foi um reformador, não só da Arte, mas dos costumes. Foi reformador… e
talvez um precursor.
O português até ali não
soubera rir. Era sorumbático e encolhido, apegando-se à tradição, sem
pensamento nem critério, por hábito já inveterado, como uma beata, de cangalhas
no nariz, e gato no regaço, se apega ao seu rosário. Com a caricatura política
ele libertou-o da melancolia e da tradição, isto é, da instituição. Fazendo-o
rir, tornou-o mais agudo, mais liberal, mais independente. Do riso nasceu a
liberdade de crítica, a liberdade natural de quem reconhece que tem direito a
ser o que é, independentemente do que os outros já foram. Se politicamente em
Portugal, isto pode parecer revolução, em Arte é Progresso; e aí está porque
digo que Rafael Bordallo foi como artista, eminentemente progressivo.
Logo no Álbum
das Glórias a caricatura de Fontes - caro como o oiro - se desenha em
linhas sóbrias, mas profundamente sugestivas. Aí se encontra já o poder criador
do Artista na figura da Universidade e, sobretudo, na admirável síntese,
criação genial de ironia e amor, que enche ao depois toda a obra de Bordallo e
é um dos seus melhores títulos de glória: Zé
Povinho, o soberano. A sua independência manifesta-se logo na primeira fase
da sua obra, que é O António Maria, onde estão talvez as suas melhores composições
de detalhe e os seus mais fundos ataques à política arbitrária dos
homens-ídolos.
É a fase política, a que
se segue a fase que se poderia chamar social: Pontos Nos ii. Aí o seu
espírito, já mais sereno, observa a vida portuguesa com mais imparcialidade e
mais risonho cuidado. Mas com a vida activa, vem a experiência, vem o cansaço,
vem o cepticismo também; o labor aumenta, multiplicam-se-lhe as aptidões. O
Artista, na sua oficina das Caldas, continua como louceiro o seu inquérito à
vida nacional. Tem um riso de esperança, confia na sua obra, cria jóias de
altíssimo valor… Curto instante de renascença artística! O público não
compreende ainda, os governos abandonam-no, e o grande homem, com uma lágrima a
adoçar-lhe o riso irónico, de cabeleira já grisalha e monóculo suspenso na mão
trémula, de novo se volta para a caricatura, vestindo-a, como um bom amante, de
novas galas…
É a sua última fase, e o
título da obra define ainda o estado de alma do Artista. Se luta e cria, é por
dever, por necessidade talvez; porque parece que já não vale a pena, no meio
dessa indiferença geral, dessa incompreensão dos dirigentes, desse arremedo da
vida nacional, lutar e criar. Não vale a pena…
Isto já nem é vida de
confiança nem sequer marcha do progresso. Não há sinceridade nem critério. Isto
não é vida real, é uma comédia, é uma Paródia. E o que é a Paródia? Ele mesmo o diz: «é a
caricatura ao serviço da tristeza pública, é a dança da Bica no cemitério dos
Prazeres».
A.M.
20FEV1910 - O Círculo das Caldas
GALERiA
PROTÓTIPOS
De acordo com o
dicionário, protótipo é «o modelo no qual se baseiam ou ao qual podem ser
reportados factos ou fenómenos que se verificam subsequentemente», ou ainda, «o
modelo realizado na última fase de um projecto (de uma máquina, dispositivo,
etc.) que se destina a servir de ponto de partida para a produção em série».
Ambas as definições se aplicam às obras apresentadas nesta exposição. Boa parte
delas datam da década de 1990, e contêm ideias que Francisco Tropa continuaria
a explorar e a desenvolver até hoje: são «protótipos», ou precedentes, de
grande parte da sua produção. E quase todas se inspiram na ideia de obra
enquanto utensílio / instrumento / máquina, seja do ponto de vista formal
(adoptando uma estética que habitualmente é associada a objectos com intuitos
práticos), seja do ponto de vista filosófico. Apesar de não se poder falar de
uma produção em série, em alguns casos, a primeira versão da obra – o «protótipo»,
desta vez na segunda acepção da palavra – é seguida, à distância de um tempo,
por uma ou mais instâncias que são aqui expostas lado a lado com a original.
E as máquinas de Francisco
Tropa são, evidentemente, instrumentos paradoxais. Os seus «painéis solares» (Placas Solares, 1992), que explodem se
forem expostos ao sol, os seus instrumentos de medição linear (Cana, 2006; Metros, 2007), que não respeitam a norma, ou os seus objectos para
recolher poeira ou orvalho (propósitos que são, por si só, singulares) não
respondem ao imperativo da eficiência (quanto muito, ao da elegância).
BREVIÁRiO
¨Abysmo
edita Que Luz Estarias a Ler? de José
António Gomes/João Pedro Mésseder (escrita) e Ana Biscaia (ilustração). IMAG.310-416-430-509-531
¯Legacy edita em CD, Band of Brothers por Willie Nelson. IMAG.211-317
¨Relógio
D’Água edita Henderson, o Rei da Chuva de
Saul Bellow (1915-2005); tradução de João Palma-Ferreira. IMAG.36-87-360-421-518-546-553
¨Dom
Quixote edita Um Circo Que Passa de
Patrick Modiano; tradução de Ana Cristina Costa. IMAG.535-552-553
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