segunda-feira, maio 18, 2015

IMAGINÁRiO #557

José de Matos-Cruz | 24 Março 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

INFINITOS
Comemorando meio século em 2017, a saga Valérian, Agente Espácio-Temporal / Valérian, Agent Spatio-Temporel (ou Valérian et Laureline, desde 2007) - por Pierre Christin (argumento) & Jean-Claude Mézières (ilustração) – prestigiou-se como um dos mais celebrados títulos da banda desenhada franco-belga, expoente nos domínios infinitos do fantástico. Épico que subverteria os códigos da ficção científica, sagrando um imaginário prodigioso e efabulativo, bizarro e futurista. Assim, Christin & Mézières transcendem a exploração em quadradinhos, ao desvendar o ano de 2720 - para além da aventura fértil, luxuriante, entre perigos e deslumbramento, com ironia ou sortilégio, estabelecendo um mítico roteiro de fascínio e heroísmo. Pelo versátil talento de Christin, uma das mais fecundas alianças artísticas consuma e expande - através de Valérian - o grafismo sóbrio, mas vigoroso de Mézières. Entre a inspiração e o prazer da leitura, eis a revisão que nos confidenciou Christin: «Valérian era militarista, antes de se converter num desempregado de luxo - ao serviço de Galaxity, a comunidade responsável pelo destino dos planetas. Com a fiel Laureline, tornou-se menos rígido, mais experiente e propenso a ousadias…» IMAG.1



CALENDÁRiO

¸26FEV2015 - Midas Filmes estreia Yvone Kane de Margarida Cardoso; com Beatriz Batarda e Gonçalo Waddington. IMAG.16

¢05-20MAR2015 - Em Lisboa, Espaço Cultural das Mercês apresenta Regresso a Bomarzo - exposição de pintura de Barahona Possollo.

¸07MAR-19ABR2015 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Vasco Granja e o Cinema de Animação - exposição organizada sobre o espólio pela Família, com evocação das suas vivências e memórias, sendo curador José de Matos-Cruz. IMAG.250-384-385-522

MEMÓRiA

¨1911-01ABR1966 - Brian O'Nolan, aliás Flann O’Brien: Escritor irlandês - «O romance moderno deveria ser, em grande parte, uma obra de referência, com as personagens permutáveis entre livros». IMAG.496

®1948-01ABR1996 - António Mário Lopes Pereira Viegas, aliás Mário Viegas: Actor e declamador português, fundador do Grupo 4 e do Novo Grupo - «Era um poeta, um homem que dizia poesia de uma forma admirável. Era um grande actor e encenador e teve sempre uma liberdade de espírito e um poder criativo extraordinário…» (Jorge Sampaio - 1996). IMAG.34-77-196-362-50

02ABR1926-2014 - John Arthur Brabham, aliás Jack Brabham: Corredor de automóveis australiano, piloto de Fórmula 1, Campeão do Mundo em 1959, 1960 e 1966, proprietário da escuderia Brabham (1962) - «No total, fechou a carreira com 14 vitórias e 13 pole positions, em 126 grandes prémios disputados» (Diário de Notícias). IMAG.516

¨04ABR1846-1870 - Isidore Lucien Ducasse, aliás Conde de Lautréamont: Poeta uruguaio, residente em França - «Eu vi, durante toda a minha vida, sem exceptuar um só, os homens de ombros estreitos praticarem actos estúpidos e numerosos, embrutecerem os seus semelhantes, enfiarem o dinheiro dos outros no bolso, e perverterem as almas por todos os meios» (Os Cantos de Maldoror). IMAG.300


VISTORiA

Insónia
¨Feliz aquele que dorme pacificamente num leito de penas, arrancadas ao peito do ganso, sem notar que se trai a si mesmo. Há já mais de trinta anos que não durmo. Desde o dia indizível em que nasci, votei às tábuas do sono irreconciliável ódio. Eu o quis; não acusem ninguém. Despojem-se depressa da suspeita abortada. Vedes na minha fronte essa pálida coroa? Foi a tenacidade que a entrançou com seus dedos magros. Enquanto nos meus ossos correr um resto de seiva ardente, como torrente de metal fundido, não dormirei nunca. Todas as noites, forço os olhos lívidos a fitarem as estrelas através dos vidros da minha janela. Para ficar mais seguro de mim, coloco uma lasca de madeira a separar-me as pálpebras inchadas. A aurora, quando surge, encontra-me na mesma posição, com o corpo verticalmente apoiado, de pé, encostado ao gesso da fria parede. No entanto, acontece-me às vezes sonhar, mas sem que por um só instante perca a vivaz sensação da minha personalidade e a livre faculdade de me mexer: sabei que o pesadelo que se oculta nas esquinas fosfóricas da sombra, a febre que me tacteia a face com o coto do braço, cada um dos animais impuros que erguem suas garras sangrentas, sim, é a minha vontade que, para alimentar estavelmente a sua perpétua actividade, os faz andar à minha volta. Na verdade, átomo que se vinga na sua extrema fraqueza, o livre arbítrio não teme afirmar com poderosa autoridade que não conta o embrutecimento no número dos seus filhos: aquele que dorme é menos que um animal castrado de véspera. Embora a insónia arraste para as profundezas da cova estes músculos que exalam já um odor a cipreste, nunca a branca catacumba da minha inteligência abrirá seus santuários aos olhos do Criador. Uma secreta e nobre justiça, para cujos braços estendidos me lanço por instinto, manda-me que persiga sem tréguas esse ignóbil castigo. Temível inimigo da minha alma imprudente, à hora em que se acende uma lanterna na costa não deixo que os meus rins infortunados se deitem sobre o orvalho das relvas. Vencedor, rejeito os embustes da hipócrita dormideira. Por consequência, é coisa certa que o meu coração, por essa luta estranha, ergueu muros aos seus desígnios, como um esfomeado que se come a si mesmo. Impenetrável como os gigantes, eu vivi sempre com a largura dos olhos bem aberta. Pelo menos, está provado que, durante o dia, todos podem opor útil resistência ao Grande Objecto Exterior (quem não sabe o nome dele?); porque, então, a vontade vela pela sua própria defesa com notável afinco. Mas logo que o véu dos vapores nocturnos se estende, até sobre os condenados que vão ser enforcados – oh, então é ver o intelecto nas mãos sacrílegas de um estrangeiro. Um escalpelo implacável esquadrinha os seus densos silvedos. A consciência exala um longo estertor de maldição, pois o véu do seu pudor sofre cruéis rasgões. Humilhação! a nossa porta está aberta à curiosidade feroz do Celeste Bandido. Eu não mereci este suplício infame, ó horrendo espião da minha causalidade! Se existo, é porque não sou outro. Não admito em mim esta equívoca pluralidade. Quero morar sozinho no meu íntimo raciocinar. A autonomia… ou então transformem-me em hipopótamo. 
Conde de Lautréamont
- Os Cantos de Maldoror (1868 - excerto)
- Tradução de Pedro Tamen
ANTIQUÁRiO

¸06ABR1956 - Nasce o Cine-Clube de Faro, através de uma primeira sessão no Cinema Santo António.

COMENTÁRiO

¨Um grau de conhecimento ao alvorecer é um pequeno-almoço para a mente. O verdadeiro conhecimento não tem utilidade prática ou valor abstracto…
Deus à raiz de menos um. Ele é uma profundidade demasiado imensa para poder ser abrangido pelo cérebro humano… Menos Um, Zero e Mais Um são os três enigmas insolúveis da Criação.
Flann O’Brien
- Uma Caneca de Tinta Irlandesa (1939 - excertos)
GALERiA

VASCO GRANJA E O CINEMA DE ANIMAÇÃO
Ao perspectivar esta exposição, propôs-se à Família considerar uma abordagem de cariz pessoal, organizada a partir do espólio de Vasco Granja (1925-2009) sobre cinema de animação, com referências inevitáveis à banda desenhada. Aliando um testemunho contextualizado pelas suas vivências e memórias, patentes ou alusivas aos documentos e materiais conservados no afecto dos seus herdeiros.
Não se trata, pois, de uma mostra acentuada apenas pelo cunho artístico ou lúdico, mas sobretudo manifesta nos sinais e emoções de quem privou intimamente com Vasco Granja, e usufruiu das suas paixões e experiências significativas. As quais sagraram uma intervenção ampla e pioneira na divulgação em Portugal dos quadradinhos e da animação, com uma autêntica motivação e sensibilidade.
O estilo peculiar de Vasco Granja, o seu entusiasmo e a sua generosidade, pairam por este universo fascinante, diverso e prodigioso, em que o pleno privilégio do imaginário corresponde, afinal, à própria evolução que – através das suas diversas tendências e expectativas, concretizações e manifestações, por todo o mundo – marcou um vasto e decisivo panorama cultural e de entretenimento, a partir de meados do Século XX.
@José de Matos-Cruz
          
BREVIÁRiO

¯VGM edita em DVD, sob chancela Alpha, Venus & Adonis de John Blow (1649-1708), por Céline Sheen, Marc Mauillon e Grégoire Augustin, com Les Musiciens du Paradis, sob a direcção de Bertrand Cuiller. 

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