José
de Matos-Cruz | 24 Março 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em
2004
PRONTUÁRiO
Comemorando
meio século em 2017, a saga Valérian, Agente Espácio-Temporal / Valérian,
Agent Spatio-Temporel (ou Valérian
et Laureline, desde 2007) - por Pierre
Christin (argumento) & Jean-Claude
Mézières (ilustração) – prestigiou-se como um dos mais celebrados títulos
da banda desenhada franco-belga, expoente nos domínios infinitos do fantástico.
Épico que subverteria os códigos da ficção científica, sagrando um imaginário
prodigioso e efabulativo, bizarro e futurista. Assim, Christin & Mézières
transcendem a exploração em quadradinhos, ao desvendar o ano de 2720 - para
além da aventura fértil, luxuriante, entre perigos e deslumbramento, com ironia
ou sortilégio, estabelecendo um mítico roteiro de fascínio e heroísmo. Pelo
versátil talento de Christin, uma das mais fecundas alianças artísticas consuma
e expande - através de Valérian - o
grafismo sóbrio, mas vigoroso de Mézières. Entre a inspiração e o prazer da
leitura, eis a revisão que nos confidenciou Christin: «Valérian era militarista,
antes de se converter num desempregado de
luxo - ao serviço de Galaxity, a comunidade responsável pelo destino dos
planetas. Com a fiel Laureline, tornou-se menos rígido, mais experiente e
propenso a ousadias…» IMAG.1
CALENDÁRiO
¸26FEV2015 - Midas Filmes estreia Yvone Kane de Margarida Cardoso; com Beatriz Batarda e Gonçalo
Waddington.
IMAG.16
¢05-20MAR2015 - Em Lisboa, Espaço Cultural das Mercês
apresenta Regresso a Bomarzo - exposição de pintura de Barahona
Possollo.
¸07MAR-19ABR2015 - No Centro Cultural de Cascais,
Fundação D. Luís I apresenta Vasco Granja
e o Cinema de Animação - exposição organizada sobre o espólio pela Família,
com evocação das suas vivências e memórias, sendo curador José de Matos-Cruz. IMAG.250-384-385-522
MEMÓRiA
¨1911-01ABR1966 - Brian O'Nolan, aliás Flann O’Brien:
Escritor irlandês - «O romance
moderno deveria ser, em grande parte, uma obra de referência, com as
personagens permutáveis entre livros». IMAG.496
®1948-01ABR1996 - António Mário Lopes Pereira Viegas,
aliás Mário Viegas: Actor e declamador português, fundador do Grupo 4 e do Novo
Grupo - «Era um poeta, um homem que dizia poesia de uma forma admirável. Era um
grande actor e encenador e teve sempre uma liberdade de espírito e um poder
criativo extraordinário…» (Jorge Sampaio - 1996). IMAG.34-77-196-362-50
02ABR1926-2014
- John Arthur Brabham, aliás Jack Brabham: Corredor de automóveis australiano,
piloto de Fórmula 1, Campeão do Mundo em 1959, 1960 e 1966, proprietário da
escuderia Brabham (1962) - «No total, fechou a carreira com 14 vitórias e 13 pole positions, em 126 grandes prémios
disputados» (Diário de Notícias). IMAG.516
¨04ABR1846-1870 - Isidore Lucien Ducasse, aliás Conde
de Lautréamont: Poeta uruguaio, residente em França - «Eu vi, durante toda a
minha vida, sem exceptuar um só, os homens de ombros estreitos praticarem actos
estúpidos e numerosos, embrutecerem os seus semelhantes, enfiarem o dinheiro
dos outros no bolso, e perverterem as almas por todos os meios» (Os Cantos de Maldoror). IMAG.300
VISTORiA
Insónia
¨Feliz aquele que dorme pacificamente num leito de
penas, arrancadas ao peito do ganso, sem notar que se trai a si mesmo. Há já
mais de trinta anos que não durmo. Desde o dia indizível em que nasci, votei às
tábuas do sono irreconciliável ódio. Eu o quis; não acusem ninguém. Despojem-se
depressa da suspeita abortada. Vedes na minha fronte essa pálida coroa? Foi a
tenacidade que a entrançou com seus dedos magros. Enquanto nos meus ossos correr
um resto de seiva ardente, como torrente de metal fundido, não dormirei nunca.
Todas as noites, forço os olhos lívidos a fitarem as estrelas através dos
vidros da minha janela. Para ficar mais seguro de mim, coloco uma lasca de
madeira a separar-me as pálpebras inchadas. A aurora, quando surge, encontra-me
na mesma posição, com o corpo verticalmente apoiado, de pé, encostado ao gesso
da fria parede. No entanto, acontece-me às vezes sonhar, mas sem que por um só
instante perca a vivaz sensação da minha personalidade e a livre faculdade de
me mexer: sabei que o pesadelo que se oculta nas esquinas fosfóricas da sombra,
a febre que me tacteia a face com o coto do braço, cada um dos animais impuros
que erguem suas garras sangrentas, sim, é a minha vontade que, para alimentar
estavelmente a sua perpétua actividade, os faz andar à minha volta. Na verdade,
átomo que se vinga na sua extrema fraqueza, o livre arbítrio não teme afirmar
com poderosa autoridade que não conta o embrutecimento no número dos seus filhos:
aquele que dorme é menos que um animal castrado de véspera. Embora a insónia
arraste para as profundezas da cova estes músculos que exalam já um odor a
cipreste, nunca a branca catacumba da minha inteligência abrirá seus santuários
aos olhos do Criador. Uma secreta e nobre justiça, para cujos braços estendidos
me lanço por instinto, manda-me que persiga sem tréguas esse ignóbil castigo.
Temível inimigo da minha alma imprudente, à hora em que se acende uma lanterna
na costa não deixo que os meus rins infortunados se deitem sobre o orvalho das
relvas. Vencedor, rejeito os embustes da hipócrita dormideira. Por
consequência, é coisa certa que o meu coração, por essa luta estranha, ergueu
muros aos seus desígnios, como um esfomeado que se come a si mesmo. Impenetrável
como os gigantes, eu vivi sempre com a largura dos olhos bem aberta. Pelo
menos, está provado que, durante o dia, todos podem opor útil resistência ao
Grande Objecto Exterior (quem não sabe o nome dele?); porque, então, a vontade
vela pela sua própria defesa com notável afinco. Mas logo que o véu dos vapores
nocturnos se estende, até sobre os condenados que vão ser enforcados – oh,
então é ver o intelecto nas mãos sacrílegas de um estrangeiro. Um escalpelo
implacável esquadrinha os seus densos silvedos. A consciência exala um longo
estertor de maldição, pois o véu do seu pudor sofre cruéis rasgões. Humilhação!
a nossa porta está aberta à curiosidade feroz do Celeste Bandido. Eu não mereci
este suplício infame, ó horrendo espião da minha causalidade! Se existo, é
porque não sou outro. Não admito em mim esta equívoca pluralidade. Quero morar
sozinho no meu íntimo raciocinar. A autonomia… ou então transformem-me em
hipopótamo.
- Os Cantos de
Maldoror (1868 - excerto)
- Tradução de Pedro Tamen
ANTIQUÁRiO
¸06ABR1956 - Nasce o Cine-Clube de Faro, através de uma
primeira sessão no Cinema Santo António.
COMENTÁRiO
¨Um grau de conhecimento ao alvorecer é um
pequeno-almoço para a mente. O verdadeiro conhecimento não tem utilidade
prática ou valor abstracto…
Deus
à raiz de menos um. Ele é uma profundidade demasiado imensa para poder ser
abrangido pelo cérebro humano… Menos Um, Zero e Mais Um são os três enigmas
insolúveis da Criação.
Flann O’Brien
- Uma Caneca de
Tinta Irlandesa (1939 - excertos)
GALERiA
VASCO GRANJA E O CINEMA DE ANIMAÇÃO
Ao perspectivar esta exposição, propôs-se à Família
considerar uma abordagem de cariz pessoal, organizada a partir do espólio de Vasco
Granja (1925-2009) sobre cinema de animação, com referências inevitáveis à
banda desenhada. Aliando um testemunho contextualizado pelas suas vivências e
memórias, patentes ou alusivas aos documentos e materiais conservados no afecto
dos seus herdeiros.
Não
se trata, pois, de uma mostra acentuada apenas pelo cunho artístico ou lúdico,
mas sobretudo manifesta nos sinais e emoções de quem privou intimamente com
Vasco Granja, e usufruiu das suas paixões e experiências significativas. As
quais sagraram uma intervenção ampla e pioneira na divulgação em Portugal dos
quadradinhos e da animação, com uma autêntica motivação e sensibilidade.
O
estilo peculiar de Vasco Granja, o seu entusiasmo e a sua generosidade, pairam
por este universo fascinante, diverso e prodigioso, em que o pleno privilégio
do imaginário corresponde, afinal, à própria evolução que – através das suas
diversas tendências e expectativas, concretizações e manifestações, por todo o
mundo – marcou um vasto e decisivo panorama cultural e de entretenimento, a
partir de meados do Século XX.
@José de
Matos-Cruz
BREVIÁRiO
¯VGM edita em DVD, sob chancela Alpha, Venus & Adonis de John Blow
(1649-1708), por Céline Sheen, Marc Mauillon e Grégoire Augustin, com Les
Musiciens du Paradis, sob a direcção de Bertrand Cuiller.
Sem comentários:
Enviar um comentário