segunda-feira, abril 14, 2014

IMAGINÁRiO #500

José de Matos-Cruz | 24 Jan. 2015 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO
Nunca o cinema foi silencioso, mesmo durante o período mudo. E, no entanto, em nenhum espectáculo se tornaria o silêncio tão sugestivo e apelativo, em presenças ou ausências. Na primeira década do Século XX, a música funcionou como um complemento mecânico, ou um aleatório acompanhamento, manifesto durante as sessões públicas. Para os actores, através de uma mera colagem ao ecrã das imagens animadas, literalmente ilustrativa, a representação implicava, sobretudo, uma improvisação. Considerando, no entanto, códigos e significados primários, a transmitir ao público - como o êxtase, o riso, o medo, uma ameaça - a que os acordes melódicos conferiam expressão alusiva. Quando o cinema adquiriu consistência como entretenimento, era através dos seus arquétipos, formalismos ou convenções que se acentuava a acção ou emocionavam as pessoas. The Lodger (1926) de Alfred Hitchcock é considerado o filme mais ruidoso de todo o mudo. A imagem torna-se tão impressionante que, de certo modo, faz estalar a tela silenciosa. Hitchcok recorreria, com talento e frequência, ao que definiu como «o som da agonia», sendo Os Pássaros/The Birds (1963) um exemplo primordial. Por fim, quando as aves predominam, até onde a vista alcança, o silêncio reina - não «um silêncio qualquer, mas um silêncio de uma tal monotonia, que pudesse evocar o ruído do mar, sempre que se ouve muito ao longe».

CALENDÁRiO
1921-31JAN2014 - Miklos Jancsó: Cineasta húngaro, realizador de Os Oprimidos (1965) - «É o representante de um conjunto de ideias e teorias de uma época em que se acreditava plenamente na possibilidade de uma revolução cultural, sendo a arte o lugar onde a utopia deveria concretizar-se» (Paulo Henrique Ferreira).

1924-01FEV2014 - Orlanda Amarílis Rodrigues Fernandes Ferreira, aliás Orlanda Amarílis: Escritora cabo-verdiana, autora de Cais de Sodré Té Salamansa (1974) - «Considerada a renovadora do conto da ficção cabo-verdiana, onde a figura feminina ganhou um papel de destaque, mostrando as vivências, os sentimentos e a visão do mundo das mulheres de Cabo Verde na diáspora» (Diário de Notícias).

12FEV-18MAI2014 - No Centro de Arte Moderna/CAM, em Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian apresenta O Peso do Paraíso, exposição de escultura de Rui Chafes. >IMAG.65-299-364-427-461

MEMÓRiA
19AGO1915-29JAN1975 - Manuel Guimarães: Pintor, decorador, cartazista, ilustrador e cineasta português, director de Nazaré (1952) - «Verificada que foi a impossibilidade de fazer um filme de tese, o realizador menosprezou qualquer ideia fundamentalmente temática, e enveredou pela hipótese de planificar um documentário sem cunho de divulgador e ao mesmo tempo de obra artística de facetas distintas» (Mário Alves). >IMAG.47-74-86-131-137-150-223-334-347

ANUÁRiO
1555-1632 - Manuel de Sousa Coutinho, aliás Frei Luís de Sousa: Fidalgo português, tornado frade dominicano e autor de História de São Domingos - «Ofereceu-se-lhe à vista, não longe do caminho, posto sobre um penedo alto e descoberto ao vento e à chuva, um menino pobre e bem mal reparado de roupa, que vigiava umas ovelhinhas que ao longe andavam pastando. Notou o Arcebispo a estância, o tempo, a idade, o vestido, a paciência do pobrezinho: e viu juntamente que ao pé do penedo se abria uma lapa, que podia ser bastante abrigo para o tempo. Movido de piedade, parou, chamou-o, e disse-lhe que se descesse abaixo pera a lapa e fugisse da chuva, pois não tinha roupa bastante pera a esperar» (A Vida do Arcebispo de Braga Dom Frei Bartolomeu dos Mártires). >MAG.48-175-189-307-327-368
1772-1865 - Durante este período, doutoraram-se na Universidade de Coimbra: Faculdade de Filosofia - 66 alunos; Faculdade de Matemática - 53; Faculdade de Medicina - 84; Faculdade de Direito - 212; em Cânones (até 1837) - 194; em Teologia - 203 estudantes.

COMENTÁRiO
Explorando uma intensidade neo-realista, Manuel Guimarães realizou Nazaré em 1952, numa produção da Pró-Filmes dirigida por Carlos de Arbués. Alves Redol escreveu o argumento e os diálogos, além da sequência com Guimarães. Uma comunidade piscatória sagrada por Leitão de Barros no crepúsculo do mudo, voltava assim irradiante e trágica, perante o mar - como matriz das existências, genesíaco ou vitimador. Coragem, covardia, transes individuais, conflitos do dia a dia (rivalidade, miséria, dignidade, sobrevivência), contrastam-se no drama colectivo e sempiterno. Virgílio Teixeira e Artur Semedo personificaram irmãos adversos, pelo complemento feminino de Helga Liné. Numa vasta galeria de secundários ou característicos, distinguem-se ainda Manuel Lereno, Maria Olguim e Luís de Campos. João Moreira assinou uma fotografia nebulosa ou translúcida, segundo os caprichos da natureza humana ou atmosférica. Os interiores foram registados nos estúdios da Tobis Portuguesa, em cenários de Frederico George, correspondendo Jaime Silva Filho com um fundo musical impressionista. Colaborou o arrais Manuel Vagos, participando ainda o Rancho Folclórico Tá-Mar.

François Truffaut: …Volto um pouco atrás na conversa, porque o senhor ia dizer qualquer coisa sobre o realismo do enquadramento, e o estado de espírito no plateau... Eu interrompi-o...
Alfred Hitchcock: Ah, sim! Estou de acordo consigo: muitos cineastas preocupam-se com o plateau no seu conjunto, e a atmosfera de rodagem; no entanto, só deveriam ter uma ideia em consideração: o que aparecerá na tela. Como você sabe, eu nunca olho pelo visor, mas o operador de imagem sabe muito bem que não quero espaço em redor das personagens, e que lhe compete reproduzir fielmente os desenhos que levamos preparados. Nunca nos devemos impressionar com o espaço que a câmara é capaz de captar, pois o principal é sabermos que, para obter a imagem final, podemos pegar numa tesoura e cortar o que está a mais, o espaço inútil. Outro aspecto ligado a esta questão, é que convém não malbaratar esse espaço, pois poderemos, sempre, servir-nos dele em termos dramáticos. Por exemplo, em Os Pássaros / The Birds (1963), quando os pássaros atacam a casa protegida, e Melanie se lança para trás de um sofá, eu mantive a câmara bastante longe dela e servi-me do espaço para sugerir o vazio, o nada perante o qual ela assim recua. Depois, introduzi uma variante, quando virei a câmara para ela, mas colocando-a bastante alta, para dar a sensação de angústia em crescendo. E, por último, há um terceiro movimento, que consta do seguinte: para cima, e em redor. Mas, o importante era o grande espaço do princípio. Se tivesse filmado, logo de início, junto da rapariga, dar-se-ia a impressão de que ela estava a retroceder ante um perigo que estaria a ver, mas oculto ao público. Porém, eu pretendia mostrar que recuava por força de um perigo que não existia, e, daí, o recurso a todo esse espaço diante dela. Pois bem, os realizadores cujo trabalho consiste, simplesmente, em posicionar os actores diante do cenário, e que colocam a câmara a uma distância maior ou menor, consoante as personagens estão sentadas, de pé ou deitadas, o que eles fazem é confundir as ideias, e o seu trabalho nunca é explícito, pois não significa nada.
François Truffaut
- O Cinema de Alfred Hitchcock

VISTORiA
A Fome de 1522
Foi a origem deste mal não acudir o Céu com água em todo o ano de 21. Estavam os campos tão secos, que, como em outro tempo se despovoou Espanha por lhe faltarem as chuvas ordinárias, parecia que tornava semelhante desaventura. As terras, delgadas, se desfaziam em cinza; as grossas se apertavam e abriam em fendas até o centro. Assi, em geral, nem no Alentejo, nem no Algarve, nem na Estremadura chegaram as searas a formar espiga: em erva secaram e se perderam todas. E em Lisboa se padecia já tanto no Outubro de 21, que aconteceu passarem muitos homens oito dias sem tocar pão, comendo só carnes e fruitas. E por Janeiro e Fevereiro do ano de 22, em que vamos, se averiguou morrerem muitos pobres à pura fome, polas ruas e alpendres de Lisboa.
Abalavam estas misérias as entranhas de El-rei. Mandou fazer com tempo grandes diligências pera que decesse de Antre Douro e Minho e da Beira tudo o que se achasse de centeio e milho; e, não contente com isto, que todavia foi de muita importância, despachou navios, à custa de sua fazenda, com letras e dinheiro, que fossem carregar de trigo à França e Frandes.
Manuel de Sousa Coutinho,
Frei Luís de Sousa
- Os Anais de D. João III (excerto)

BREVÁRiO
Universal edita em Blu-ray, Os Pássaros/The Birds (1963) de Alfred Hitchcock; com Rod Taylor e Tippi Hedren. >IMAG.3-4-14-19-26-29-44-48-49-51-71-85-111-112-142-146-163-168-179-188-191-238-271-280-283-288-307-312-327-351-354-377-381-384-386-428-429-440-449-495
Deutsche Grammophon edita em CD, Plácido Domingo: [Giuseppe] Verdi (1813-1901). >IMAG.72-89-156-188-203-308-314-318-328-420-438-440-464-483-496-497
INCM/Imprensa Nacional - Casa da Moeda edita, com Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, Escrita Íntima - Maria Helena Vieira da Silva [1908-1992] e Arpad Szènes [1897-1985] - Correspondência 1932-1961. >IMAG.14-39-42-75-134-168-182-224-227-382-386-392-434-461-486-490-499
Deutsche Grammophon edita em CD, The Gulda [Wolfgang Amadeus] Mozart [1756-1791]: Ten Sonatas and a Fantasy pelo pianista Friedrich Gulda (1930-2000). >IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216-217-220-227-277-284-285-290-317-321-342-349-375-406-431-449-475
A Esfera dos Livros edita O Assassino do Aqueduto de Anabela Natário; sobre Diogo Alves (1810-1841). >IMAG.28-108-145-209-257
Decca edita em CD, Igor Stravinsky [1882-1971] - Le Sacre du Printemps - 100th Anniversary Collector’s Edition. >IMAG.186-302-317-324-375-498
Relógio D’Água edita O Falecido Mattia Pascal de Luigi Pirandello (1867-1936); tradução de José Marinho. >IMAG.110-112-165-223-470-484

Sem comentários:

Enviar um comentário