segunda-feira, agosto 30, 2021

Extra: AURORA BOREAL em QUADRADINHOS [11]

Os destaques Aurora Boreal em Quadradinhos apresentam hoje uma breve entrevista ao escritor José de Matos-Cruz, o criador das personagens e do mundo ficcional em causa, e também editor independente através do selo editoral Kafre. Como assistente editorial do novo projecto de BD, que figura a titular Aurora Boreal, tive oportunidade de abordar o autor sobre esta nova aventura criativa.


Caro José, este ano preparas-te para concluir a saga editorial da tua heroína Aurora Boreal através da antologia em banda desenhada 
Aurora Boreal em Reflexos Partilhados, que foi anunciada no final do ano passado. Para quem não acompanhou a edição dos três ciclos em formato de livro-de-cordel, publicados pela Apenas Livros entre 2017 e 2020 (O Princípio InfinitoO Eterno Paradoxo, e O Círculo Imperfeito), como lhes descreverias a personagem?


JMC.
 Aurora Boreal é uma personalidade essencialmente fantástica, como deriva das suas próprias origens desvendadas - tendo nascido de uma relação efémera e sensual entre Oktobraia, uma heroína soviética exilada em Lisboa, e o Malsão, um portento cósmico que avassala o marasmo lusitano. Ou, definindo-a por outra natureza mágica, ora etérea ora onírica, em prodígios e motivações, eis um fenómeno que, quando se torna Presente, transfigura distintas vivências e virtualidades…


A Aurora Boreal, que simultaneamente é herdeira e encerra a linhagem de paladinos lusitanos, onde a precedem O Infante Portugal e Condestável Lusitano, propiciou mudanças no teu universo ficcional, tanto a nível narrativo como em estilo de escrita. Como observas a evolução da tua expressão literária ao longo destas duas sagas?

JMC. Após experiência tão gratificante com a trilogia d’O Infante Portugal, em que os artistas foram convidados a ilustrarem as personagens e situações relatadas, optei por explorar o tríptico de Aurora Boreal segundo uma formulação inversa: propondo aos criadores a concepção de um universo próprio, conforme aos seus estímulos e preferências, a partir do qual desencadeei todo o processo narrativo. Noutra perspectiva, sim, Aurora Boreal culmina uma linhagem de paladinos liderada pel’O Infante Portugal e pelo Condestável Lusitano - mas, na sua irradiação eventual, tende a contrariar uma assunção dessa mesma herança heróica!

Tal como com O Infante Portugal, que viu publicada a sua adaptação para banda desenhada n’
O Infante Portugal em Universos Reunidos (2017), celebrando assim o décimo aniversário da edição do primeiro livro, As Tramóias Capitais (2007), pela Apenas Livros, esta Aurora Boreal em Reflexos Partilhados vai marcar também dez anos desde que criaste a personagem, em 2011, nas páginas d'As Sombras Mutantes. Que importância tem para ti que estes heróis integrem, também, o panteão de personagens originais da BD portuguesa?

JMC. Assim sendo, eis, para mim, um enorme privilégio e a plena satisfação de uma expectativa primordial - pois, tendo concebido a saga d’O Infante Portugal com uma projecção romanesca / ilustrada, e a série de Aurora Boreal por uma interacção imaginada / literária, as motivações visual e gráfica logo de princípio estiveram patentes no contexto e no decurso das respectivas manifestações, em alusão e convergência artística com a banda desenhada… Como sabes, uma das minhas paixões, desde sempre!


Que memórias guardas com especial agrado dos trabalhos logrados até aqui, nestes projectos autorais?


JMC.
 Para mim, vem sendo uma experiência muito enriquecedora, tanto a nível pessoal, e criativo, como nas relações com os artistas, consolidadas ou, entretanto, iniciadas sob os auspícios da banda desenhada… As propostas de cada um dos autores, com estilos e sensibilidades tão singulares, até por vezes contrastantes, suscitam-me um manancial de inspiração amplo e surpreendente.

 
Enquanto que Universos Reunidos - premiado com o XV Troféu Central Comics para Melhor Obra Curta, em 2018 - foi uma aventura isolada, introdutória ao teu mundo ficcional, e que fez ligação entre o tríptico d'O Infante Portugal e a então iminente saga da Aurora Boreal, Reflexos Partilhados opta por um formato de antologia. A que se deve a mudança?

JMC.
 Foram várias as circunstâncias e as alternativas… Por um lado, havia já um conjunto significativo de bandas desenhadas curtas, apresentadas em galeria, ao longo dos três ciclos de Aurora Boreal editados como livros-de-cordel. Surgiu, assim, o ensejo de uma colectânea que, simultaneamente, revelasse outras obras inéditas ou especificamente delineadas para antologia. Por outro lado, a própria Aurora Boreal é uma heroína versátil, com múltiplas facetas e potencialidades, rompendo os ciclos da idade e da realidade, pelo capricho súbito e intenso de uma libertação.


Na antologia, contas com vários artistas nacionais, tanto colaboradores recorrentes assim como estreantes no teu projecto, e que tens vindo a apresentar em destaques no teu blogue; quem são eles?

JMC. Aurora Boreal em Reflexos Partilhados reúne Daniel Maia, José Ruy, Renato Abreu e Susana Resende, que assinam diversas bandas desenhadas já divulgadas ou originais, surgindo pela primeira vez João Raz, José Macedo Bandeira e Nuno Dias, que também trazem contributos muito relevantes e peculiares.


Como tem sido a experiência de ver surgirem novas aventuras da tua heroína, em formato de BD? Como tem resultado o processo criativo?


JMC.
 Salientando, em geral, todo o meu apreço por esta aventura tão aliciante, gostaria de reafirmar que, em Reflexos Partilhados, se tornou implícita uma mais simbólica ênfase de reinvenção, para tal desafiando cada artista a concretizar uma abordagem que lhe parecesse propícia às suas expectativas criativas, através de uma aliança simultaneamente lúdica e complementar… Em alguns casos, colaborei no argumento. Outras obras são inteiramente autónomas, ou evidenciam diversas personagens dos universos de Aurora Boreal e d’O Infante Portugal.


Embora o público actual te conheça mais recentemente das publicações com a Apenas Livros, ou de presenças e mostras em eventos do sector bedéfilo, o teu percurso na área é paralelo ao raiar da edição de BD no país, tendo tu contribuído para a comunidade via promoção de exposições, apreciações literárias, organização de fanzines… Percorridas várias décadas no sector da BD portuguesa, que percepção tens do estado actual do mercado e do futuro possível para a nossa arte sequencial?


JMC.
 Parece-me que, da realização à acessibilidade, a BD portuguesa está polivalente, fecunda e vibrante, move-se entre várias plataformas e tecnologias, aliás seguindo a estratégia global de circunstâncias e oportunidades actuais. Pessoalmente, continuo a considerar e a preferir - como estágio último e mais estimulante - a edição em papel, com livros, álbuns e revistas que nos deslumbram estantes e bibliotecas.



Sabendo que, como diz o ditado popular, "não há duas sem três," que planos tens para desenvolver o teu universo mágico lusitano, habitado por personagens como a Aurora Boreal, O Infante Portugal, Condestável Lusitano, Oktobraia, Vulcão e tantos outros?


JMC.
 Consumados estes Reflexos Partilhados, dos quais Universos Reunidos - que nós produzimos juntos - foram um testemunho de referência, dedico-me agora a recriar As Crónicas do Livro Livre, a partir de um artefacto volúvel, intemporal, que o Condestável Lusitano confiou ao resguardo d’O Infante Portugal… E, uma vez mais, reencontro-me nas tuas visões e sugestões! Para além da minha admiração pelo artista talentoso e cativante, estimado Daniel, quero - afinal - realçar, em gratidão e regozijo, os teus contínuos apoio e incentivo, de que, doravante, espero continuar a usufruir!


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