José de Matos-Cruz | 8 Março 2015 | Edição Kafre | Ano
XII – Semanal – Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
ENCANTAMENTOS
Durante décadas, e através
da referência unitária a Walt Disney
(1901-66), inúmeros cineastas dirigiram gigantescas equipas, tornando-se
inestimável uma imagem de marca - quanto ao estilo de animação, à narração
ficcional e à expressão estética. O recurso às mais recentes tecnologias, na
época de feitura, converteu-se num dos principais aliciantes, com exploração no
universo imaginário. A titularidade de Disney provou, sobretudo, o equilíbrio
entre a liberdade criativa e uma galeria heróica indissociável dessa
progenitura - que reconcilia ou absorve, mesmo, as obras literárias que lhe
servem de inspiração… Em 1990, os sucessos do dissidente Don Bluth sob os
auspícios de Steven Spielberg - com Fievel,
Um Conto Americano (1986), ou Em
Busca do Vale Encantado (1988) - terão estimulado os herdeiros de Disney,
quanto a um financiamento tributário aos clássicos da animação em longa
metragem. E, após provarem - através de Quem
Tramou Roger Rabbit? (1988 - Robert Zemeckis) - uma opção propícia à
revitalização do imaginário, precisamente em aliança com o pai de ET - O Extra-Terrestre (1982), decidiram
apostar ainda mais forte num sortilégio tradicional. Assim surgiu A Pequena Sereia / The Little
Mermaid (1990) por John Musker & Ron Clements…
VISTORiA
Regresso Eterno
Altos silêncios da noite e
os olhos perdidos,
Submersos na escuridão das
árvores
Como na alma o rumor de um
regato,
Insistente e melódico,
Serpenteando entre pedras
o fulgor de uma ideia,
Quase emoção;
E folhas que caem e
distraem
O sentido interior
Na natureza calma e
definida
Pela vivência dum corpo em
cuja essência
A terra inteira vibra
E a noite de estrelas
premedita.
A noite! Se fosse noite…
Mesmo parados pelo
pensamento,
Pelo terror que não acaba
e perverte os sentidos
A esquina do acaso;
Outros mundos se somem,
Outros no ar luzes reflectem
sem origem.
É por eles que os meus
passos não param.
E é por eles que o
mistério se incendeia.
Tudo é tangível, luminoso
e vago
Na orla que se afasta e a
ilha dobra
Em balas de precário
sonho…
Tudo é possível porque à
vida dura
E a noite se desfaz.
Em altos silêncios puros.
A infância perdida,
reavida.
Nuns olhos vagabundos
debruçados,
Junto a um regato que sem
cessar murmura.
Ruy Cinatti
Estarás muitas vezes à
beira da morte, mas não morrerás, até que um dia chegará a tua verdadeira
perdição: quando acontecer, lembrar-te-ás da promessa da tua mãe, e
tornar-te-ás frade.
Nikolai Leskov
- O Peregrino Encantado
(1873 – excerto
COMENTÁRiO
A PEQUENA SEREIA
A Pequena Sereia / The Little Mermaid (1990) por John
Musker & Ron Clements, parte da fábula maravilhosa de Hans Christian Andersen. Um desafio
logrado em plenitude: através do recurso à maior sofisticação, voltamos ao
imaginário fértil, à magia romântica e fantástica, em que evoluem as aventuras
de Ariel - uma sereiazinha apaixonada por Eric, um príncipe humano e,
sobretudo, deslumbrada pelo mundo aéreo que ele simboliza. Ariel tudo sacrifica
ao apelo da superfície, inquietando seu pai, o Rei dos Mares, e acaba por
estabelecer com a feiticeira Ursula, pérfida e voluptuosa cefalópode, um
contrato quase fatídico...
A aliança entre mundos
paralelos, no mar e da terra, e uma perspectiva humanista mutuamente
protagonizada, por todos os seres vivos em bizarra essência naturalista,
transfiguram-se com a virtualização dos sentimentos, anseios, desafios,
consumados pelos desígnios do bem e do mal. Dimensões contíguas, figuras
exuberantes, pais possessivos, rivais perversas - tudo se representa, ainda,
pela caricatura singela mas tão aliciante sobre a realidade intemporal. Como
sempre sob a chancela Walt Disney, é
através de secundários que o espectáculo se anima - em caprichos, humor e
solidariedade.
Aliás, assinalando o elo
científico das nossas origens - com uma alegoria mítica quanto aos seres metade
mulher / metade peixe, em que se estilizaram convencionalmente musas e
sedutoras - os cineastas retomaram um dos mais genuínos elementos da fantasia
heróica, através do signo Disney: o antropomorfismo - esse nexo prodigioso da
personificação, por todas as criaturas vivas, em que se universalizaria o elã
animatográfico… O envolvimento musical, logo as canções de Howard Ashman &
Alan Menken, foi justamente galardoado com dois Oscars, pela Academia de
Hollywood.
MEMÓRiA
08MAR1915-1986 - Ruy Cinatti: Poeta e
antropólogo português - «Agarrei no ar um véu / esmaecido de azul, / igual ao
azul do céu / iluminado pela lua. // Eu passo a vida a sonhar / iluminado pela
lua.». >IMAG.95
12MAR1925-2012 - Henry Maxwell Dempsey,
aliás Harry Harrison: Escritor americano de ficção científica, autor de Mundo-Nosso - «Creio que o fantástico se
esgotou… Talvez tenha morrido, como género. Os actuais autores exploram-no,
quando devia ser ele a explorá-los». >IMAG.422
1920-12MAR1955 - Charlie Parker:
Compositor americano, saxofonista de jazz - «A música é a tua própria
experiência, o teu pensamento, a tua sabedoria. Se tu não a viveres, ela jamais
vai soltar-se do teu instrumento». >IMAG.32-339
1804-15MAR1895 - Cesare Cantú: Escritor
e historiador italiano - «A dor possui um grande poder educativo: faz-nos
melhores, mais misericordiosos, mais capazes de nos recolhermos em nós mesmos,
e persuade-nos de que esta vida não é um divertimento, mas uma obrigação».
>IMAG.493
1831-05MAR1895 - Nikolai Semyonovich
Leskov, aliás Nikolai Leskov: Escritor russo, autor de O Peregrino Encantado - «Embora por vezes se tenha deixado levar
pelo maravilhoso, a sua preferência, mesmo na devoção, é a natureza. Para ele,
o homem ideal é aquele que encontra o seu caminho na terra, sem se misturar
demasiado com ela» (Walter Benjamin).
COROLÁRiO
Nikolai Leskov
Leskov era uma
personalidade orgulhosa, apaixonada e frequentemente irascível; no decorrer da
sua vida, conseguiu indispor-se com quase toda a gente que conhecia, como
também com todas as tendências e movimentos correntes na literatura russa. Isso
também nos diz algo sobre a sua impetuosa independência, a sua recusa a
reverenciar os lemas ideológicos do momento. A sua polémica mais conhecida,
causa do virtual ostracismo que os radicais lhe impuseram durante a maior parte
da sua vida, envolvia os famosos incêndios de São Petersburgo, de 1862, que
coincidiram aproximadamente com a circulação das proclamações sanguinárias do
Rússia Jovem, que pugnavam pelo extermínio da família real e de todos os seus
partidários. A maioria acreditava que os radicais tinham começado o incêndio, e
o populacho suspeitava de que a população estudantil em geral fosse simpática
quanto aos supostos incendiários. Leskov, com a intenção de proteger os
estudantes, publicou um artigo onde pedia à polícia que, se houvesse qualquer
prova de incêndio criminoso, nomeasse os culpados para que a suspeita pudesse
ser retirada das costas dos inocentes. À primeira vista, nada pareceria mais
inofensivo do que tal pedido, mas o facto de Leskov ter dado algum crédito à
hipótese de incêndio culposo e ter, aparentemente, apelado à polícia contra os
radicais, foi o suficiente para torná-lo um homem marcado.
Joseph Frank
(excerto)
PARLATÓRiO
É estranho que Dostoievski
seja tão lido… Em compensação, não compreendo por que não se lê Leskov. Ele é um
escritor fiel à verdade!
Leon Tolstoi
CALENDÁRiO
1924-01ABR2014 - Jacques Le Goff:
Historiador francês, distinguido com o Prémio Dr. A.H. Heineken Para a
História, pois, «ao transformar a nossa visão da Idade Média, modificou a forma
como lidamos com a história». >IMAG.38
03ABR2014 - ZON Audiovisuais estreia Sei Lá de Joaquim Leitão; com Leonor
Seixas e António Pedro Cerdeira. >IMAG.122-269-453-490
03ABR2014 - Em Lisboa, Museu Nacional de
Etnologia expõe Artes de Pesca: Pescadores, Normas, Objectos Instáveis.
BREVÁRiO
Disney edita em DVD, A Pequena
Sereia / The Little Mermaid (1990) por John Musker & Ron Clements; com
vozes originais de Jodi Benson e Christopher Daniel Barnes.
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