Em celebração deste percurso de quinze anos que agora culminou, durante o qual assinei e difundi o newsletter Imaginário ao longo de 784 publicações semanais, volto pontualmente ao início da epopeia, que remontaria a 2004, e reproduzo aqui a edição #1, do dia 1 de Julho daquele ano, ancorada ao portal Truca.pt. Porém, o Imaginário não se extingue, antes se irá tornar Funda|Mental...
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PRONTUÁRiO
OLHARES,
MEMÓRIAS
Chego
até vós com a minha proposta mais recente - a folha IMAGINÁRiO,
em confluência entre os quadradinhos e outros fenómenos culturais,
como o cinema e a literatura. Através dela, procurarei reflectir,
por via tri-mensal, uma vivência crítica e criativa - feita de
leituras, de correspondências, de perspectivas. Trata-se, pois, de
um exercício despretensioso, de um desafio ainda a germinar. Ou
seja, um espaço próprio de apreço e de comentário - que, pelo
estímulo da arte e do olhar, envolverá a divulgação, a informação
e a memória, podendo assim evoluir para outros territórios e
experiências em que, de futuro, se irá definir a respectiva
amplitude e expansão. Consumando, simultaneamente, com os leitores
virtuais, um círculo de amizade e um apelo à imaginação.
RELATÓRiO
CORTO
MALTESE VIRTUAL
«Corto
Maltese não nasceu de um dia
para o outro, é fruto duma laboração de muitos anos. Ele encerra
em si um pouco de todos os homens que encontrei pelo mundo, onde se
apercebe, mais ou menos viva, a busca de liberdade. Eu estou bem
ligado a ele, até porque possui com certeza algo de mim.» Assim nos
referia Hugo Pratt (1927-95), em entrevista de 1974, sobre o seu
herói primordial - cujas origens remontam a 1967, durante A
Balada do Mar Salgado.
Obra-prima da banda desenhada europeia - entre nós pelas Edições
Asa, e referenciada pela literatura romântica de R.L. Stevenson, J.
London ou M. Conrad, na qual se expande e aprofunda o fulgor épico -
a sua saga continua, sob o signo da animação, com La
Court Secrete des Arcanes -
um filme realizado por Pascal Morelli, e já disponível em DVD pela
Lusomundo, a partir de Corto
Maltese na Sibéria (1987).
Uma aventura culminante, que principia em Hong-Kong por 1919, durante
o encontro entre Corto e Rasputine, até se precipitar numa convulsa
Revolução Russa. Além desta ampla dimensão, adversa mas
idealista, sobressai o domínio estético e alusivo - na exploração
de um envolvimento subtil, estilizado pelos prodígios e desafios da
natureza. Assim evolui, também, a dimensão mítica e trágica do
ser humano. Palavras de Guido Fuga, sagrando uma cúmplice afeição
criativa: «Pratt evocava constantemente o seu mundo fantástico,
transformava-se com um mínimo de gestos e improvisava hilariantes
diálogos surrealistas com tudo o que o rodeava, animando os objectos
que se lhe rebelavam. Quando me pedem para falar de Hugo, repito que
se tratava de um verdadeiro homem-orquestra, cantor, bailarino,
actor, narrador genial e, para concluir, um desenhador
extraordinário! Energia pura. O meu primeiro Mestre.»
BREVIÁRiO
Atalanta
Filmes edita em DVD: A Vizinha
do Lado (1945) de António
Lopes Ribeiro, Tráfico
(1998) de João Botelho, Ganhar
a Vida (2001) de João Canijo
e Rasganço
(2001) de Raquel Freire.
José
Abrantes apresenta uma nova personagem – o ingénuo e barbudo
Capitão Marselha,
que não gosta (mesmo nada!) de futebol… Em época de desafios do
Euro 2004, esperam-se grandes vitórias.
A
cooperativa Cinema Novo, responsável pelo Festival Internacional de
Cinema do Porto, lança o Concurso do Conto Fantástico, cujo
vencedor será publicado com menção no Livro
de Contos Fantasporto: 25 Anos,
entre contribuições de outros escritores convidados.
INVENTÁRiO
O
REGRESSO DE VALÉRIAN
Tendo
comemorado um quarto de século em 1992, a saga de Valérian,
Agente Espácio-Temporal -
por Pierre Christin (argumento) & Jean-Claude Mézières
(ilustração) - converteu-se num dos mais celebrados títulos da
banda desenhada franco-belga, expoente nos domínios infinitos do
fantástico, como épico que subverteria os códigos da ficção
científica, sagrando um imaginário prodigioso e efabulativo,
bizarro e futurista. Em colecção própria, editada pela Dargaud,
Valérian regressará em breve, com T.19:
Au Bord du Grand Rien: para
além da aventura fértil, luxuriante, entre perigos e
deslumbramento, com ironia ou sortilégio, estabelecendo um mítico
roteiro de fascínio e heroísmo. Pelo versátil talento de Christin,
uma das mais fecundas alianças artísticas consuma e expande -
através do Agente Espácio-Temporal - o grafismo sóbrio, mas
vigoroso de Mézières. Entre a inspiração e o prazer da leitura,
eis a revisão que nos propôs Christin: «Valérian era militarista,
antes de se converter num desempregado
de luxo - ao serviço de
Galaxity, a comunidade responsável pelo destino dos planetas.
Tornou-se menos rígido, mais experiente e propenso a ousadias...»
CAPRICHOS
DE KIKI
Independente,
desinibida, sôfrega, libertina, sempre à espera e preparada - na
posição que lhe dê maior prazer ou a torne mais acessível - Aline
apresentou entre nós Adão Iturrusgarai, como autor duma heroina
incontornável, jovem adulta e de poucas subtilezas sexuais. Uma
ousadia editorial da Devir, que com Kiki,
A Primeira Vez - emancipada
em 2000, nas páginas da revista
Capricho - prossegue a
revelação de um dos mais importantes e radicais cartoonistas
brasileiros, na actualidade. Nascido no Rio Grande do Sul, e habitual
em tiras desenhadas na importante Folha
de São Paulo,
Iturrusgarai desvenda em Kiki
uma adolescente tímida, feiosa, ousada, expectante, indolente,
propícia às excitações da vida, do amor, e perplexa ante os
caprichos da idade, da virgindade. Considerada por Benda Fucuta,
directora de redacção da Capricho,
«a irmã mais nova de Aline»,
com Kiki evolui
o estilo tropical de uma graciosidade feminina: dela, «acompanhamos
as dúvidas existenciais, a preguiça de fazer dieta, a vontade de
virar modelo, as engraçadíssimas experiências com os ficantes e,
como não podia deixar de ser, a primeira vez dela». E outras se
seguirão!
AVENTURAS
DO CAPITÃO AMÉRICA
Como
nenhum outro super-herói, o Capitão América reflecte um imaginário
ianque de exaltação e abismo - simbolizando, ao que o nome sugere,
um paladino emblemático: o uniforme é uma derivação da bandeira
nacional, e o escudo - seu único apetrecho - constitui uma arma
defensiva e agressora. Nascido em 1941, com argumento de Joe Simon e
desenhos de Jack Kirby, Captain
America tornou-se famoso
pelos rasgos de patriotismo durante a Grande Guerra, ao enfrentar os
nazis como inimigo principal. Logo o Caveira Vermelha, interpretado
por Scott Paulin em As
Aventuras do Capitão América
(1990) de Albert Pyun, sendo protagonista Matt Salinger.
Na
origem estava Steve Rogers, um débil soldado que, servindo de cobaia
a experiências científicas, se converte em paladino aliado a Bucky
Barnes, um rapaz mais tarde falecido. Afinal, também a sua carreira
se encontra pejada de ocasos e ressurreições: incapaz de resistir à
criminalidade civil, desapareceu em 1949, para surgir meteoricamente
em 1954. Relançado em 1964 - explicando-se a ausência por se
encontrar congelado num icebergue - reapareceu em força a partir de
1968. Mais de cem artistas recriaram o Cap,
com destaque para Kirby & Stan Lee, que sublimou as suas
contradições: antigo espião e justiceiro, tornou-se um funâmbulo
atormentado e introvertido...

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