quinta-feira, agosto 08, 2019

Extra: IMAGINÁRiO #1 (2004)

Em celebração deste percurso de quinze anos que agora culminou, durante o qual assinei e difundi o newsletter Imaginário ao longo de 784 publicações semanais, volto pontualmente ao início da epopeia, que remontaria a 2004, e reproduzo aqui a edição #1, do dia 1 de Julho daquele ano, ancorada ao portal Truca.pt. Porém, o Imaginário não se extingue, antes se irá tornar Funda|Mental...

*  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *  *

PRONTUÁRiO


OLHARES, MEMÓRIAS
Chego até vós com a minha proposta mais recente - a folha IMAGINÁRiO, em confluência entre os quadradinhos e outros fenómenos culturais, como o cinema e a literatura. Através dela, procurarei reflectir, por via tri-mensal, uma vivência crítica e criativa - feita de leituras, de correspondências, de perspectivas. Trata-se, pois, de um exercício despretensioso, de um desafio ainda a germinar. Ou seja, um espaço próprio de apreço e de comentário - que, pelo estímulo da arte e do olhar, envolverá a divulgação, a informação e a memória, podendo assim evoluir para outros territórios e experiências em que, de futuro, se irá definir a respectiva amplitude e expansão. Consumando, simultaneamente, com os leitores virtuais, um círculo de amizade e um apelo à imaginação.

RELATÓRiO

CORTO MALTESE VIRTUAL
«Corto Maltese não nasceu de um dia para o outro, é fruto duma laboração de muitos anos. Ele encerra em si um pouco de todos os homens que encontrei pelo mundo, onde se apercebe, mais ou menos viva, a busca de liberdade. Eu estou bem ligado a ele, até porque possui com certeza algo de mim.» Assim nos referia Hugo Pratt (1927-95), em entrevista de 1974, sobre o seu herói primordial - cujas origens remontam a 1967, durante A Balada do Mar Salgado. Obra-prima da banda desenhada europeia - entre nós pelas Edições Asa, e referenciada pela literatura romântica de R.L. Stevenson, J. London ou M. Conrad, na qual se expande e aprofunda o fulgor épico - a sua saga continua, sob o signo da animação, com La Court Secrete des Arcanes - um filme realizado por Pascal Morelli, e já disponível em DVD pela Lusomundo, a partir de Corto Maltese na Sibéria (1987). Uma aventura culminante, que principia em Hong-Kong por 1919, durante o encontro entre Corto e Rasputine, até se precipitar numa convulsa Revolução Russa. Além desta ampla dimensão, adversa mas idealista, sobressai o domínio estético e alusivo - na exploração de um envolvimento subtil, estilizado pelos prodígios e desafios da natureza. Assim evolui, também, a dimensão mítica e trágica do ser humano. Palavras de Guido Fuga, sagrando uma cúmplice afeição criativa: «Pratt evocava constantemente o seu mundo fantástico, transformava-se com um mínimo de gestos e improvisava hilariantes diálogos surrealistas com tudo o que o rodeava, animando os objectos que se lhe rebelavam. Quando me pedem para falar de Hugo, repito que se tratava de um verdadeiro homem-orquestra, cantor, bailarino, actor, narrador genial e, para concluir, um desenhador extraordinário! Energia pura. O meu primeiro Mestre.»


BREVIÁRiO

Atalanta Filmes edita em DVD: A Vizinha do Lado (1945) de António Lopes Ribeiro, Tráfico (1998) de João Botelho, Ganhar a Vida (2001) de João Canijo e Rasganço (2001) de Raquel Freire.
José Abrantes apresenta uma nova personagem – o ingénuo e barbudo Capitão Marselha, que não gosta (mesmo nada!) de futebol… Em época de desafios do Euro 2004, esperam-se grandes vitórias.

A cooperativa Cinema Novo, responsável pelo Festival Internacional de Cinema do Porto, lança o Concurso do Conto Fantástico, cujo vencedor será publicado com menção no Livro de Contos Fantasporto: 25 Anos, entre contribuições de outros escritores convidados.



INVENTÁRiO

O REGRESSO DE VALÉRIAN
Tendo comemorado um quarto de século em 1992, a saga de Valérian, Agente Espácio-Temporal - por Pierre Christin (argumento) & Jean-Claude Mézières (ilustração) - converteu-se num dos mais celebrados títulos da banda desenhada franco-belga, expoente nos domínios infinitos do fantástico, como épico que subverteria os códigos da ficção científica, sagrando um imaginário prodigioso e efabulativo, bizarro e futurista. Em colecção própria, editada pela Dargaud, Valérian regressará em breve, com T.19: Au Bord du Grand Rien: para além da aventura fértil, luxuriante, entre perigos e deslumbramento, com ironia ou sortilégio, estabelecendo um mítico roteiro de fascínio e heroísmo. Pelo versátil talento de Christin, uma das mais fecundas alianças artísticas consuma e expande - através do Agente Espácio-Temporal - o grafismo sóbrio, mas vigoroso de Mézières. Entre a inspiração e o prazer da leitura, eis a revisão que nos propôs Christin: «Valérian era militarista, antes de se converter num desempregado de luxo - ao serviço de Galaxity, a comunidade responsável pelo destino dos planetas. Tornou-se menos rígido, mais experiente e propenso a ousadias...»

CAPRICHOS DE KIKI
Independente, desinibida, sôfrega, libertina, sempre à espera e preparada - na posição que lhe dê maior prazer ou a torne mais acessível - Aline apresentou entre nós Adão Iturrusgarai, como autor duma heroina incontornável, jovem adulta e de poucas subtilezas sexuais. Uma ousadia editorial da Devir, que com Kiki, A Primeira Vez - emancipada em 2000, nas páginas da revista Capricho - prossegue a revelação de um dos mais importantes e radicais cartoonistas brasileiros, na actualidade. Nascido no Rio Grande do Sul, e habitual em tiras desenhadas na importante Folha de São Paulo, Iturrusgarai desvenda em Kiki uma adolescente tímida, feiosa, ousada, expectante, indolente, propícia às excitações da vida, do amor, e perplexa ante os caprichos da idade, da virgindade. Considerada por Benda Fucuta, directora de redacção da Capricho, «a irmã mais nova de Aline», com Kiki evolui o estilo tropical de uma graciosidade feminina: dela, «acompanhamos as dúvidas existenciais, a preguiça de fazer dieta, a vontade de virar modelo, as engraçadíssimas experiências com os ficantes e, como não podia deixar de ser, a primeira vez dela». E outras se seguirão!

AVENTURAS DO CAPITÃO AMÉRICA
Como nenhum outro super-herói, o Capitão América reflecte um imaginário ianque de exaltação e abismo - simbolizando, ao que o nome sugere, um paladino emblemático: o uniforme é uma derivação da bandeira nacional, e o escudo - seu único apetrecho - constitui uma arma defensiva e agressora. Nascido em 1941, com argumento de Joe Simon e desenhos de Jack Kirby, Captain America tornou-se famoso pelos rasgos de patriotismo durante a Grande Guerra, ao enfrentar os nazis como inimigo principal. Logo o Caveira Vermelha, interpretado por Scott Paulin em As Aventuras do Capitão América (1990) de Albert Pyun, sendo protagonista Matt Salinger.



Na origem estava Steve Rogers, um débil soldado que, servindo de cobaia a experiências científicas, se converte em paladino aliado a Bucky Barnes, um rapaz mais tarde falecido. Afinal, também a sua carreira se encontra pejada de ocasos e ressurreições: incapaz de resistir à criminalidade civil, desapareceu em 1949, para surgir meteoricamente em 1954. Relançado em 1964 - explicando-se a ausência por se encontrar congelado num icebergue - reapareceu em força a partir de 1968. Mais de cem artistas recriaram o Cap, com destaque para Kirby & Stan Lee, que sublimou as suas contradições: antigo espião e justiceiro, tornou-se um funâmbulo atormentado e introvertido...
Em finais de 2003, a par com um novo projecto do Capitão América em grande ecrã, surgem notícias duma questão de direitos, cedidos verbalmente por Simon em 1940, a uma predecessora da Marvel. Resolvida a disputa em favor do produtor Avi Arad, este convidou escritores e cineastas a revirtualizarem o Cap, transfigurado à luz dos valores e dos fascínios da juventude actual.


Sem comentários:

Enviar um comentário