José
de Matos-Cruz | 08 Agosto 2015 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em
2004
PRONTUÁRiO
Através do imaginário em
banda desenhada - domínio privilegiado e prodigioso, para explorar todas as
sagas, para exaltar todas as fantasias - o talento dos criadores revela, ainda,
outras virtualidades, distintas implicações, para além do sortilégio realista.
Pela série O Vagabundo dos Limbos / Le Vagabond des Limbes (1975), Christian Godard (argumento) & Julio Ribera (grafismo) desvendam um
universo onírico, erótico, em espiral orgânica e orgástica, poética e
tecnológica - de reflexos / aparências sobre o desejo, a perversão, a
inocência, o humor, a fatalidade, como alegoria aos símbolos alquímicos, aos
desígnios do poder, estilhaçando os limites do tempo e do espaço. «Tudo se
passa como se estivéssemos irremediavelmente condenados a errar eternamente num
pesadelo incoerente. O sentido aparecerá mais tarde e, se for preciso,
poderemos inventar um que agrade…» Eis um épico exposto aos desafios físicos,
místicos e do fantástico, onde convergem os estigmas da visão com os estímulos
da evasão.
VISTORiA
Litania
Nos Cem Anos de Shostakovich
Para M.R. e B.R.
¨O torso de beleza
afastando-se
Como se afasta um afogado
Das margens da praia
Também recuada para trás
De onde o Mediterrâneo
Vinha beijar os pés das sílfides,
Debaixo do sol silencioso.
Como se afasta um afogado
Das margens da praia
Também recuada para trás
De onde o Mediterrâneo
Vinha beijar os pés das sílfides,
Debaixo do sol silencioso.
Abandonados pelas crianças,
Os brinquedos da marina
Zunem de calor no metal
Aquecido como as águas.
Os brinquedos da marina
Zunem de calor no metal
Aquecido como as águas.
O planeta está mais quente
E mais enlouquecido
Entre os pios nublados
Do pássaro escondido
Em árvores molhadas
Da chuva ácida que se filtra
De um céu de tempestade.
E mais enlouquecido
Entre os pios nublados
Do pássaro escondido
Em árvores molhadas
Da chuva ácida que se filtra
De um céu de tempestade.
Aviões caíram nesta manhã,
Levando passageiros
Para o fundo de uma laguna
E o nenhum lugar da selva
Remota que irá retomar
Seu espaço sobre azulejos
Encardidos e embalagens
Não-degradáveis
Num mundo que prefere o desastre.
Levando passageiros
Para o fundo de uma laguna
E o nenhum lugar da selva
Remota que irá retomar
Seu espaço sobre azulejos
Encardidos e embalagens
Não-degradáveis
Num mundo que prefere o desastre.
Tudo o prenuncia, de certa forma,
E nada está perdoado
Nem foi esquecido
Com todas as coisas que já foram
E com aquelas que ainda serão
Ou que apenas dormem na tarde
À espera dos anos sem emoção.
E nada está perdoado
Nem foi esquecido
Com todas as coisas que já foram
E com aquelas que ainda serão
Ou que apenas dormem na tarde
À espera dos anos sem emoção.
Os humanos repousam
No sono da sombra de toldos
Estalando na Veneza insalubre
Deste lado do Atlântico
De exímios nadadores
Que não viram as crianças
Se afogando.
No sono da sombra de toldos
Estalando na Veneza insalubre
Deste lado do Atlântico
De exímios nadadores
Que não viram as crianças
Se afogando.
Sim, eu prefiro estar
Por apanhar um resfriado
Antes da peste
No limite da cerca-viva
De mato e detritos do lixo
Avançando até o antigo gradil
De gladíolos brancos.
Por apanhar um resfriado
Antes da peste
No limite da cerca-viva
De mato e detritos do lixo
Avançando até o antigo gradil
De gladíolos brancos.
É minha a opção de não manter
A saúde, fumar e perder esperança
Na vigilância sem objeto,
Exposto ao vento da tarde,
Ao siroco da mente
Igualmente desistindo
Das perguntas a ninguém
Muito depois de Pã
Anunciado como morto
Antes da morte dos mares.
A saúde, fumar e perder esperança
Na vigilância sem objeto,
Exposto ao vento da tarde,
Ao siroco da mente
Igualmente desistindo
Das perguntas a ninguém
Muito depois de Pã
Anunciado como morto
Antes da morte dos mares.
Então, não importa molhar
Os sapatos da espuma de solfejos
Rumorejando as queixas do Adriático
Como outrora o mar dos gregos
Deixava leve gosto de salgado
Entre os artelhos limpos
De náiades banhando-se
Nos oceanos mitológicos
Que hoje são de plástico
Cor de chumbo.
Os sapatos da espuma de solfejos
Rumorejando as queixas do Adriático
Como outrora o mar dos gregos
Deixava leve gosto de salgado
Entre os artelhos limpos
De náiades banhando-se
Nos oceanos mitológicos
Que hoje são de plástico
Cor de chumbo.
Fernando Monteiro
MEMÓRiA
¸ 1906-08AGO1985
- Louise Brooks: Bailarina e actriz do cinema americano - «A grande arte do
cinema não consiste no movimento descritivo do rosto e do corpo, mas nos
movimentos de pensamento e de alma transmitidos numa espécie de isolamento
intenso». IMAG.40-118
¯1906-09AGO1975
- Dmitri Dmitrievich Shostakovich: Compositor russo - «O maior compositor do
Século XX» (William Walton), cuja música é «visionária de poder e
originalidade, para uns, ou, segundo outros, derivativa, estranha, vazia e
repetitiva» (Gerard McBurney). IMAG.100-266-408-499
¨ 12AGO1925-2011
- Thor Vilhjálmsson: Escritor islandês, nascido na Escócia - «Quem diz que o
poeta tem de compreender todos? Ou tudo? Crês que um poeta tem de ser pastor de
almas? Não, o poeta é o criador. É aos outros que cabe compreender» (Arde o Musgo Cinzento). IMAG.451
¨ 13AGO1875-1941
- Carlos Malheiro Dias: Ficcionista, historiador, cronista e jornalista
português - «A arte não consiste em desfigurar a verdade em artifício, mas em
emprestar ao artifício a fisionomia simples da verdade».
¨ 1901-13AGO1975
- Murilo Monteiro Mendes, aliás Murilo Mendes: Poeta brasileiro - «Nunca mais
andarei de bicicleta / Nem conversarei no portão / Com meninas de cabelos
cacheados / Adeus valsa Danúbio Azul / Adeus tardes preguiçosas / Adeus cheiros
do mundo sambas / Adeus puro amor» (O
Filho do Século - excerto). IMAG.333-448
¨15AGO1785-1859
- Thomas De Quincey: Escritor e intelectual inglês, autor de Confissões de Um Opiómano Inglês (1821)
- «O simples entendimento, por muito útil e indispensável que possa ser, é a
faculdade mais maligna no ser humano, aquela em que se deve confiar menos. E,
no entanto, a grande maioria das pessoas não depende de nenhuma outra - o que
pode servir na vida vulgar, mas não para os propósitos filosóficos» (Knocking At The Gate In Macbeth - 1823).
IMAG.387
ANTIQUÁRiO
ü09AGO1505
- Seis anos após o descobrimento da Índia, acham-se na Serra de Sintra, junto
ao mar, três colunas de pedra quadradas com letreiros romanos, quase
indecifráveis, um dos quais dizia: «Revolver-se-ão as letras direitas e ornadas
quando tu, Oriente, vires as riquezas do Ocidente. O Ganges, Indo e Tejo (coisa
maravilhosa!), trocarão entre si suas mercadorias». Afirma o insigne matemático
Pedro Apiano que ele próprio vira e lera o sobredito letreiro, que mais tarde
veio a gozar em Itália de grande celebridade. 09AGO1865 - Diário de Notícias
PARLATÓRiO
¨O
estadista das democracias é sempre o escravo das multidões. Pode não fazer o
que elas reclamam. Mas tem que dizer-lhes sempre o que elas querem.
Hipocrisia! Estratégia da
grande guerra da vida, é ela quem move as acções de todos os seres.
Malheiro
Dias
VISTORiA
Pré-História
¨Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Caiu no álbum de retratos.
¨Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Caiu no álbum de retratos.
Murilo Mendes
CALENDÁRiO
¨20JUL1924-13JUL2014
- Thomas Louis Berger, aliás Thomas Berger: Ficcionista americano, autor de Little Big Man (1964) - «Nunca encarei o
que faço de um ponto de vista divertido. A minha forma de escrever corresponde
ao modo como olho para as coisas».
1942-18JUL2014 - José
João Amaral Estrompa, aliás Estrompa: Ilustrador português, cartoonista e autor
de banda desenhada - «Um dos seus personagens carismáticos é o detective de
paródia, Tornado, numa Nova Iorque que mais parece o Bairro Alto ou o Cais do
Sodré que o Bronx…» (Leonardo De Sá e António Dias de Deus - Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e
Cartoon Em Portugal - 1999).
¢31JUL-19OUT2014
- No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Os Seres Imaginários (fotografia) de Gonzalo Bénard, e Da Idade do Ferro (escultura e desenho)
de Daniel Gamelas.
BREVÁRiO
¨Relógio
D’Água edita Ulisses de James Joyce
(1882-1941); tradução de Jorge Vaz de Carvalho. IMAG.136-306-357-404-431
¯Sony
edita em CD, sob chancela RCA, Giuseppe Verdi (1813-1901): Rigoletto por Leonard Warren e Erna Berger, com Robert Shaw
Chorale e RCA Victor Orchestra, sob a direcção de Renato Cellini. IMAG.72-89-156-188-203-308-314-318-328-420-438-440-464-483-496-497-500-522
¨Assírio
& Alvim edita Poemas de Federico
Garcia Lorca (1898-1936); selecção e tradução de Eugénio de Andrade. IMAG.38-108-173-404
¨Alfaguara
edita Histórias de Loucura Normal de
Charles Bukowski (1920-1994); tradução de Vasco Gato. IMAG.287-350-457
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