sexta-feira, outubro 10, 2014

IMAGINÁRiO #526


José de Matos-Cruz | 08 Agosto 2015 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXPANSÕES
Através do imaginário em banda desenhada - domínio privilegiado e prodigioso, para explorar todas as sagas, para exaltar todas as fantasias - o talento dos criadores revela, ainda, outras virtualidades, distintas implicações, para além do sortilégio realista. Pela série O Vagabundo dos Limbos / Le Vagabond des Limbes (1975), Christian Godard (argumento) & Julio Ribera (grafismo) desvendam um universo onírico, erótico, em espiral orgânica e orgástica, poética e tecnológica - de reflexos / aparências sobre o desejo, a perversão, a inocência, o humor, a fatalidade, como alegoria aos símbolos alquímicos, aos desígnios do poder, estilhaçando os limites do tempo e do espaço. «Tudo se passa como se estivéssemos irremediavelmente condenados a errar eternamente num pesadelo incoerente. O sentido aparecerá mais tarde e, se for preciso, poderemos inventar um que agrade…» Eis um épico exposto aos desafios físicos, místicos e do fantástico, onde convergem os estigmas da visão com os estímulos da evasão.


VISTORiA

Litania Nos Cem Anos de Shostakovich
Para M.R. e B.R.
¨O torso de beleza afastando-se
Como se afasta um afogado
Das margens da praia
Também recuada para trás
De onde o Mediterrâneo
Vinha beijar os pés das sílfides,
Debaixo do sol silencioso.

Abandonados pelas crianças,
Os brinquedos da marina
Zunem de calor no metal
Aquecido como as águas.

O planeta está mais quente
E mais enlouquecido
Entre os pios nublados
Do pássaro escondido
Em árvores molhadas
Da chuva ácida que se filtra
De um céu de tempestade.

Aviões caíram nesta manhã,
Levando passageiros
Para o fundo de uma laguna
E o nenhum lugar da selva
Remota que irá retomar
Seu espaço sobre azulejos
Encardidos e embalagens
Não-degradáveis
Num mundo que prefere o desastre.

Tudo o prenuncia, de certa forma,
E nada está perdoado
Nem foi esquecido
Com todas as coisas que já foram
E com aquelas que ainda serão
Ou que apenas dormem na tarde
À espera dos anos sem emoção.

Os humanos repousam
No sono da sombra de toldos
Estalando na Veneza insalubre
Deste lado do Atlântico
De exímios nadadores
Que não viram as crianças
Se afogando.

Sim, eu prefiro estar
Por apanhar um resfriado
Antes da peste
No limite da cerca-viva
De mato e detritos do lixo
Avançando até o antigo gradil
De gladíolos brancos.

É minha a opção de não manter
A saúde, fumar e perder esperança
Na vigilância sem objeto,
Exposto ao vento da tarde,
Ao siroco da mente
Igualmente desistindo
Das perguntas a ninguém
Muito depois de Pã
Anunciado como morto
Antes da morte dos mares.

Então, não importa molhar
Os sapatos da espuma de solfejos
Rumorejando as queixas do Adriático
Como outrora o mar dos gregos
Deixava leve gosto de salgado
Entre os artelhos limpos
De náiades banhando-se
Nos oceanos mitológicos
Que hoje são de plástico
Cor de chumbo.
Fernando Monteiro

MEMÓRiA
 
¸ 1906-08AGO1985 - Louise Brooks: Bailarina e actriz do cinema americano - «A grande arte do cinema não consiste no movimento descritivo do rosto e do corpo, mas nos movimentos de pensamento e de alma transmitidos numa espécie de isolamento intenso». IMAG.40-118

¯1906-09AGO1975 - Dmitri Dmitrievich Shostakovich: Compositor russo - «O maior compositor do Século XX» (William Walton), cuja música é «visionária de poder e originalidade, para uns, ou, segundo outros, derivativa, estranha, vazia e repetitiva» (Gerard McBurney). IMAG.100-266-408-499

¨ 12AGO1925-2011 - Thor Vilhjálmsson: Escritor islandês, nascido na Escócia - «Quem diz que o poeta tem de compreender todos? Ou tudo? Crês que um poeta tem de ser pastor de almas? Não, o poeta é o criador. É aos outros que cabe compreender» (Arde o Musgo Cinzento). IMAG.451

¨ 13AGO1875-1941 - Carlos Malheiro Dias: Ficcionista, historiador, cronista e jornalista português - «A arte não consiste em desfigurar a verdade em artifício, mas em emprestar ao artifício a fisionomia simples da verdade».

¨ 1901-13AGO1975 - Murilo Monteiro Mendes, aliás Murilo Mendes: Poeta brasileiro - «Nunca mais andarei de bicicleta / Nem conversarei no portão / Com meninas de cabelos cacheados / Adeus valsa Danúbio Azul / Adeus tardes preguiçosas / Adeus cheiros do mundo sambas / Adeus puro amor» (O Filho do Século - excerto). IMAG.333-448

¨15AGO1785-1859 - Thomas De Quincey: Escritor e intelectual inglês, autor de Confissões de Um Opiómano Inglês (1821) - «O simples entendimento, por muito útil e indispensável que possa ser, é a faculdade mais maligna no ser humano, aquela em que se deve confiar menos. E, no entanto, a grande maioria das pessoas não depende de nenhuma outra - o que pode servir na vida vulgar, mas não para os propósitos filosóficos» (Knocking At The Gate In Macbeth - 1823). IMAG.387
  
ANTIQUÁRiO

ü09AGO1505 - Seis anos após o descobrimento da Índia, acham-se na Serra de Sintra, junto ao mar, três colunas de pedra quadradas com letreiros romanos, quase indecifráveis, um dos quais dizia: «Revolver-se-ão as letras direitas e ornadas quando tu, Oriente, vires as riquezas do Ocidente. O Ganges, Indo e Tejo (coisa maravilhosa!), trocarão entre si suas mercadorias». Afirma o insigne matemático Pedro Apiano que ele próprio vira e lera o sobredito letreiro, que mais tarde veio a gozar em Itália de grande celebridade. 09AGO1865 - Diário de Notícias
           
PARLATÓRiO

¨O estadista das democracias é sempre o escravo das multidões. Pode não fazer o que elas reclamam. Mas tem que dizer-lhes sempre o que elas querem.
Hipocrisia! Estratégia da grande guerra da vida, é ela quem move as acções de todos os seres.
Malheiro Dias
        







VISTORiA

Pré-História
¨Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Caiu no álbum de retratos.
Murilo Mendes
      
CALENDÁRiO

¨20JUL1924-13JUL2014 - Thomas Louis Berger, aliás Thomas Berger: Ficcionista americano, autor de Little Big Man (1964) - «Nunca encarei o que faço de um ponto de vista divertido. A minha forma de escrever corresponde ao modo como olho para as coisas».

1942-18JUL2014 - José João Amaral Estrompa, aliás Estrompa: Ilustrador português, cartoonista e autor de banda desenhada - «Um dos seus personagens carismáticos é o detective de paródia, Tornado, numa Nova Iorque que mais parece o Bairro Alto ou o Cais do Sodré que o Bronx…» (Leonardo De Sá e António Dias de Deus - Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon Em Portugal - 1999).

¢31JUL-19OUT2014 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Os Seres Imaginários (fotografia) de Gonzalo Bénard, e Da Idade do Ferro (escultura e desenho) de Daniel Gamelas.
             
BREVÁRiO

¨Relógio D’Água edita Ulisses de James Joyce (1882-1941); tradução de Jorge Vaz de Carvalho. IMAG.136-306-357-404-431

¯Sony edita em CD, sob chancela RCA, Giuseppe Verdi (1813-1901): Rigoletto por Leonard Warren e Erna Berger, com Robert Shaw Chorale e RCA Victor Orchestra, sob a direcção de Renato Cellini. IMAG.72-89-156-188-203-308-314-318-328-420-438-440-464-483-496-497-500-522

¨Assírio & Alvim edita Poemas de Federico Garcia Lorca (1898-1936); selecção e tradução de Eugénio de Andrade. IMAG.38-108-173-404

¯UMC edita em CD, TuckBox de Nick Drake (1948-1974). IMAG.208-492

¨Alfaguara edita Histórias de Loucura Normal de Charles Bukowski (1920-1994); tradução de Vasco Gato. IMAG.287-350-457

¯Sony edita em CD, Puro por Xutos & Pontapés. IMAG.76-138 

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